São muitas e diversas as consequências sociopolíticas dessas tecnologias. Há, em primeiro lugar, uma forte preocupação com os impactos que tais dispositivos podem ter sobre o mercado de trabalho, uma vez que mais funções e ocupações podem ser vistas como obsoletas, demandando transformações profundas nesse universo. A própria ideia do que é trabalho e a clássica distinção entre mão de obra manual e mão de obra intelectual veem-se amplamente desafiadas.
Há, em segundo lugar, uma forte preocupação ética sobre autoria e plágio. Tecnologias de Inteligência Artificial generativa podem borrar ainda mais a ideia de autoria, materializando complexas tramas intertextuais, que são apropriadas por atores diversos. E elas borram autoria em duas direções: primeiro, porque se apropriam de fragmentos e ideias de outros autores sem crédito ou remuneração; segundo, porque facilitam que pessoas se apropriem das ideias de outras e das próprias novas construções como se fossem suas, impedindo a explicitação do cruzamento de vozes que constitui os discursos.
Há, em terceiro lugar, o risco de enfraquecimento de instituições tradicionalmente vinculadas à produção de informações e conteúdos. Institutos de pesquisa, universidades e meios de comunicação podem sofrer grandes abalos não apenas de receitas, mas também de legitimidade pública, quando pensamos nas consequências de longo prazo dessas tecnologias.
Observa-se, em quarto lugar, a possibilidade de enrijecimento de uma fonte privada de informação, que é potencialmente enviesada e raramente submetida a questionamentos políticos. Teríamos, assim, novos oráculos técnicos em quem se confia piamente, mesmo que a realidade indique o contrário. Confiança essa que pode retroalimentar formas excludentes de organização social, como a pesquisa em IA tem demonstrado de forma sistemática e consistente.
Poderíamos continuar elencando possíveis impactos e desafios. Interessa-nos, contudo, chamar a atenção para o fato de muitos deles serem atravessados por um mesmo e macroprocesso de transformação daquilo que cientistas sociais chamam de esfera pública. Trata-se de um âmbito discursivo fluido e abstrato, em que questões de relevância pública ganham existência comum e são processadas por atores a partir de diferentes perspectivas.
A esfera pública é essencial à democracia e está ancorada em ecossistemas comunicacionais que se transformam historicamente, mas que dependem de nossa capacidade de produzir sentidos em coletividade. Sentidos esses que são tensos, controversos e disputados, mas que se referem a um terreno comum da política.
Tecnologias de Inteligência Artificial generativa afetam o ecossistema comunicacional, promovendo reestruturações que alimentam desafios colocados às democracias. Um desses desafios importantes tem a ver com a capacidade de cidadãos serem ouvidos pela comunidade política. Muito da teoria democrática enquadrou essa questão a partir da ideia de liberdade de expressão. Afinal, em contraposição a monarquias absolutistas ou a regimes autoritários de natureza diversa, as democracias precisavam garantir direitos fundamentais básicos, incluindo a possibilidade de pensar, acreditar e dizer o que se pensa.