Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos (SP)

Há bilhões de anos, a natureza, em suas escalas mais extremas – da vastidão do cosmos ao diminuto mundo subatômico –, tem tocado, por meio de ‘sons’ sutis, uma melodia única. Boa notícia: a ciência já revelou acordes dessa sinfonia – talvez, inacabada

CRÉDITO: IMAGEM ADOBESTOCK

Desde que nascemos, construímos percepção do mundo por meio de nossos sentidos. Com a visão, descobrimos cores e formas. Com o olfato e paladar, percebemos cheiros e sabores. O tato nos traz a sensação do toque. E, com a audição, identificamos sons e ruídos, completando nossa percepção sensorial. Por meio do som de nossa fala, nos comunicamos, expressamos ideias e sentimentos. 

O som é causado por vibrações – no caso, ditas mecânicas – que geram variações de pressão no meio em que se propaga. Quando um objeto vibra, ele faz com que as partículas do meio ao seu redor também vibrem. 

Essas vibrações criam ondas sonoras que se espalham em todas as direções. Somos capazes de ouvir sons na faixa de frequência entre 20 Hz a 20 mil Hz – um hertz (Hz) significa uma vibração por segundo. 

Acima de 20 mil Hz, temos o ultrassom, que, ao atingir valores da ordem de milhões de Hz, nos permite gerar imagens médicas com alta resolução. Abaixo de 20 Hz, temos outra faixa inaudível para nós: o infrassom. Alguns animais, como morcegos, golfinhos e cães, ouvem ultrassons; outros (elefantes, por exemplo) se comunicam com infrassons.

Mas há outras vibrações mecânicas (semelhantes a ondas sonoras) que ocorrem nas escalas astronômicas e microscópicas.

Uma dessas ‘vibrações’ são as ondas gravitacionais, perturbações geradas por eventos de energia colossal, como colisões de buracos negros ou estrelas de altíssima densidade (compostas por nêutrons). Esse ‘som’ se propaga pelo cosmos, distendendo e comprimindo o espaço-tempo (o ‘tecido’ do universo). 

A detecção das ondas gravitacionais ocorre a partir de sistemas ultrassensíveis, como o LIGO (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro a Laser), formado por dois ‘braços’ (de 4 km cada) que formam entre si um ângulo reto.

Quando essas ondas atravessam esse detector, ocorre diminuta contração (da ordem de milésimos do tamanho de um núcleo atômico) de um dos dois ‘braços’ do interferômetro. Os dados dessas ondas podem ser ‘traduzidos’ em sons audíveis, permitindo que cientistas escutem o ‘eco’ (gravitacional) de eventos distantes.

Há também ‘sons’ no diminuto mundo atômico: os fônons. Essas vibrações – resultado das excitações coletivas dos átomos em um material sólido (cristal) – representam ondas sonoras e de calor que percorrem o interior da matéria. 

Assim como as ondas gravitacionais, os fônons carregam energia e informação – no caso, sobre o estado físico do sólido. Mais: têm a mesma ‘dupla personalidade’ das partículas subatômicas (elétrons, prótons, fótons etc.): ora se comportam como onda, ora como partículas. Os fônons são as ‘partículas’ dessas propagações no interior da matéria.

Estudar os fônons é essencial para entender propriedades térmicas, elétricas e mecânicas dos materiais. 

A analogia entre ondas gravitacionais e fônons aproxima dois mundos aparentemente distantes: o universo em sua vastidão e o reino microscópico dos sólidos. Essas duas formas de onda são perturbações fundamentais: a primeira representa o ‘som do cosmos’, revelando cataclismos celestes; a outra representa o ‘som do cristal’, desvendando comportamentos e fenômenos internos da matéria comum.

Ao estudarmos os ‘sons’ de cenários tão díspares, podemos desvendar segredos tanto da origem do universo quanto dos materiais que usamos no cotidiano. Afinal, essa ‘música’ nos mostra que o universo – seja na escala astronômica, seja na microscópica – está em constante movimento, cheio de vibrações e perturbações, como se fossem acordes (muitos ainda desconhecidos) de uma sinfonia que está sendo constantemente decifrada pela ciência.

Assim, ao ‘ouvir’ o universo por meio das ondas gravitacionais, bem como ao ‘escutar’ os cristais com base nos fônons, ampliamos nossos horizontes do conhecimento sobre as escalas mais extremas da natureza.

Ao estudarmos os ‘sons’ de cenários tão díspares, podemos desvendar segredos tanto da origem do universo quanto dos materiais que usamos no cotidiano

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