Existem várias histórias sobre vida extraterrestre. Algumas envolvem invasões de alienígenas hostis ao planeta, outras tratam de viagens galácticas e colonização de outros planetas. Uma dessas histórias se passa na Lua, onde moram seres inteligentes de duas raças: os Subvolvanos e os Privolvanos. Eles são capazes de construir barcos, pois navegavam em rios, mares e lagos lunares. Se contada hoje, essa história pareceria só mais uma dentre tantas outras ficções científicas, com pequenas variações nos dramas e personagens. O detalhe curioso é que ela foi contada em um livro de 1634 escrito pelo astrônomo e matemático alemão Johannes Kepler (1571-1630).
O seu conto, chamado ‘Sonho’, foi precursor do gênero ficção científica e antecipou em três séculos uma viagem considerada impossível em sua época. Foi apenas em 1969 que a missão Apollo, da Nasa, levou o primeiro homem à Lua. E essa não foi a primeira vez que um cientista cedeu lugar ao seu ‘eu’ escritor imaginativo. E nem foi a primeira vez que descobertas científicas e tecnologias apareceram em obras ficcionais tempos antes de acontecerem no ‘mundo real’.
O poeta americano Ezra Pound (1885-1972) sentenciou que “os artistas são a antena da raça”. Eles parecem possuir uma habilidade intuitiva que extrapola os caminhos convencionais de produção do conhecimento e fazem conjecturas da realidade sem amarras nem pressões.
Se hoje você assiste a um filme de ficção científica da década de 1970 ou 1980, pode não se surpreender tanto com as suas tecnologias. Afinal, uma videoconferência entre pessoas em diferentes lugares do mundo, como vemos em Alien e em Blade Runner, ou mesmo os hologramas de Star Wars e os tablets de 2001: uma Odisseia no Espaço estão aquém das tecnologias que já temos hoje no mundo real.
Mas e se você assistisse a esses filmes em uma época em que nada disso existia? Sua reação certamente seria diferente. Como será que esses e outros escritores foram capazes de descrever tecnologias que viriam a existir muito tempo depois? Seriam eles visionários ou pessoas capazes de prever o futuro?
Vários escritores de fato fizeram previsões tecnológicas para o futuro, algumas delas bastante certeiras. Na década de 1960, o escritor e bioquímico americano de origem russa Isaac Asimov (1920-1992) chegou a prever que, em um futuro próximo, teríamos robôs e veículos autônomos, uso de energia nuclear e solar, videoconferência por transmissão de sinais de satélite, além de refeições congeladas e um mundo com muita poluição.
Muitas das tecnologias previstas décadas atrás já habitavam o universo das ficções científicas, juntamente com outras tecnologias que ainda estamos longe de ter, como o teletransporte de pessoas.
Mas, apesar das habilidades preditivas de muitos escritores, é injusto reduzir suas obras a meros palpites acertados. Não é exagero dizer que muitos deles inspiraram cientistas a desenvolver as tecnologias dos seus livros e filmes.
Em 1906, por exemplo, o famoso 14-Bis levantava voo em Paris. Por trás da genial invenção, estava um ávido leitor, apaixonado e inspirado pelas obras de Júlio Verne (1828-1905). Nas audaciosas concepções desse escritor francês, o pequeno Santos Dumont (1873-1932) vislumbrava a mecânica e a ciência dos tempos do porvir, como conta em seu livro.
Em 1973, o engenheiro da Motorola Martin Cooper fazia a primeira ligação a partir de um telefone celular, uma invenção sua que, segundo declarou, teve inspiração no intercomunicador usado pelo capitão Kirk na série Star Trek. Essa mesma série também levou o milionário fundador da Amazon a declarar que Alexa, sua assistente virtual inteligente, foi fruto do seu sonho de ter os computadores da nave USS Enterprise.
Esses são apenas alguns dos vários exemplos de importantes figuras ligadas à produção tecnológica que publicamente declararam a influência da ficção científica nos avanços da tecnologia.
Por isso, o mais justo é dizer que a ficção científica e a tecnologia têm uma relação de mútua colaboração há mais de um século. O pesquisador da Electronic Frontier Foundation Dave Maas chegou a afirmar que poderia imaginar escritores sendo ótimos inventores, se preferissem desenvolver tecnologias em vez de escrever sobre elas.
Um dos cientistas mais famosos do mundo, o físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955), escreveu no seu livro Sobre Religião Cósmica e Outras Opiniões e Aforismos: “Eu acredito na intuição e na inspiração. A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado, enquanto a imaginação abraça o mundo inteiro, estimulando o progresso, dando à luz a evolução. Ela é, rigorosamente falando, um fator real na pesquisa científica”. O seu pensamento valoriza a dimensão imaginativa do ser humano como mola propulsora da atividade dos cientistas. A formulação de hipóteses na tentativa de explicar um fenômeno é um processo que explora livremente diferentes possibilidades, o que se caracteriza como pensamento divergente, o qual permite múltiplas respostas.
As obras de ficção científica, ao criarem elementos narrativos para desenvolver o enredo, dão asas à imaginação e abrem novas perspectivas para as ciências e as tecnologias. Como seria a vida no planeta se aparelhos anulassem a gravidade? E se pudéssemos transferir a consciência para um robô? Existe um ‘antieu’ em um universo de antimatéria? Perguntas como essas embasam o trabalho de artistas e cientistas. As obras de ficção, portanto, ao se utilizarem da criatividade, podem antecipar ou mesmo sugerir avanços no campo da ciência e das inovações técnicas, pois estão no terreno fértil da imaginação e despertam interesse pela pesquisa científica.
Olhando para os filmes e livros da atualidade, será que podemos imaginar o que o futuro da ciência e tecnologia nos guarda?
Lucas Miranda e Gabriel Lopes Garcia
Universidade Federal de Juiz de Fora
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