Aventura e ciência na exploração de um sítio arqueológico.

Livro traz o olhar de um jornalista sobre uma expedição científica à lendária Cidade Branca, cuja existência, anunciada no século 16, ainda era um mistério.

​Em 1940, o explorador norte-americano Theodore Morde (1911-1954) retornou aos Estados Unidos da floresta tropical Mosquitia, em Honduras, com vários artefatos. Acreditava ter encontrado a Cidade Branca, onde os indígenas teriam se escondido dos exploradores espanhóis no século 16. Morde, entretanto, morreu sem antes revelar a localização da mítica cidade.

A partir da década de 1990, o interesse a respeito da Cidade Branca aumentou. O jornalista norte-americano Douglas Preston, autor do livro A Cidade Perdida do Deus Macaco, conta ter sido em 1996 a primeira vez que ele ouviu falar da cidade. Nessa ocasião, a revista National Geographic o designara para escrever uma história sobre templos do século 12, descobertos na selva do Camboja graças a um sistema de sensoriamento remoto e análise de imagens obtidas por radar e luz infravermelha. Durante esse trabalho, Preston se encontrou com o líder da equipe que havia feito a descoberta, o geólogo norte-americano Ron, que lhe confidenciou estar também empenhado em outro projeto para localizar uma cidade perdida, em algum lugar das Américas.

A cidade perdida do deus macaco
Douglas Preston
Editora Vestígio, 2019, 395p.

Um pouco antes, em 1994, o documentalista norte-americano Steve Elkins, acompanhado de sua equipe, chegou a Honduras. Fizeram filmagens em Copán, sobrevoaram a cidade Palacios e partiram para o interior, com guias indígenas, em busca da cidade lendária. Encontraram, depois de enfrentar muitas dificuldades, esculturas de pedra e cerâmicas. Entretanto, naquele momento, não localizaram a Cidade Branca. Em 2012, uma nova tecnologia chamada LIDAR (do inglês, Light Detection and Ranging), que permitia detecção por meio da luz, deu novas esperanças a Steve Elkins.

A Cidade Perdida do Deus Macaco narra os antecedentes e, especialmente, a expedição que, em 2015, explorou a região. O autor, o jornalista e escritor Douglas Preston, cobriu a expedição pela National Geographic com o fotógrafo norte-americano Dave Yoder. Steve Elkins e Chris Fisher, arqueólogo-chefe da expedição, também compunham a equipe multidisciplinar formada por hondurenhos e estrangeiros. O livro é enriquecido por um caderno de 35 fotos em impressão colorida. O relato reconstitui com riqueza os passos, os desafios e as dificuldades de encontrar a Cidade Branca, estabelecer e explorar o sítio arqueológico, em meio à floresta. Um desses obstáculos foi a leishmaniose, doença que atingiu boa parte da equipe, incluindo o autor.

Para os olhos de um historiador, talvez falte mais indicações de fontes, sobretudo, quando Preston conecta seu relato com uma interpretação do passado pré-hispânico da região. Os resultados e a divulgação da expedição foram alvos de crítica. O capítulo 19 é o que o autor mais dedica aos questionamentos levantados a respeito da atuação e do discurso dos arqueólogos. Mas, de maneira geral, ele não se atém muito ao tema e fica o desejo de que fosse mais desenvolvido. É o caso, por exemplo, de quando se refere às críticas feitas pela antropóloga hondurenha Gloria Lara Pinto, da Universidad Pedagógica Nacional Francisco Morazán, em uma palestra do engenheiro hondurenho Juan Carlos Fernández, organizador da utilização do LIDAR, em Tegucigalpa, no ano de 2015, depois do retorno da expedição. O autor identifica a intervenção da pesquisadora como a de um grupo de desordeiros, sem valorizar os debates acadêmicos que a exploração da região provocou. Assim, o livro traz o olhar do jornalista sobre a expedição, destacando-a pelos seus méritos no que se refere à importante descoberta arqueológica. Traz, também, em sua construção narrativa, sua visão sobre Honduras, as questões políticas do país e o papel dos atores sociais que identifica, convencido de que a descoberta do sítio arqueológico pudesse alterar o senso hondurenho da sua própria história.

Em um momento em que a exploração das florestas tropicais, a soberania nacional, o reconhecimento da propriedade indígena e a preservação ambiental são temas da ordem do dia, a narrativa dessa expedição nos coloca diante de importantes questões, para além da descoberta arqueológica.

Juliana Beatriz Almeida de Souza

Instituto de História
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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