Novo pterossauro marca 20 anos de cooperação sino-brasileira

Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Pesquisadores chineses e brasileiros descreveram o mais completo réptil alado de um grupo raro denominado Chaoyangopteridae, que foi encontrado em rochas de cerca de 125 milhões de anos e celebra duas décadas de colaboração entre os dois países na paleontologia

Reconstrução em vida do réptil alado Meilifeilong youhao. A parte vermelha no crânio é uma extensão de tecido mole acima da parte óssea

CRÉDITO: MAURILIO OLIVEIRA (MUSEU NACIONAL/UFRJ)

A parceria entre paleontólogos chineses e brasileiros nasceu em 2003 e foi intermediada pela Academia Brasileira de Ciências e a Academia Chinesa de Ciências. A proposta era possibilitar que cientistas brasileiros fossem à China e, eventualmente, pesquisadores chineses viessem ao Brasil – algo aparentemente simples, mas que não é nada fácil devido às dificuldades impostas pela burocracia brasileira, bastante morosa. De qualquer forma, naquela época, houve um surto de gripe aviária, o que adiou a visita dos pesquisadores brasileiros para o ano seguinte.

Desde então, essa parceria resultou em diversas descobertas, culminando agora na descrição de Meilifeilong youhao, uma nova espécie de um grupo raro de pterossauros denominado Chaoyangopteridae. Esse novo estudo foi coordenado por Xiaolin Wang, do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia, em Pequim, pelo lado da China, e por este colunista, pelo lado brasileiro. O trabalho foi destaque na Scientific Reports, do grupo Nature, comemorando duas décadas de cooperação sino-brasileira no campo da pesquisa de fósseis.

O belo dragão voador

A nova espécie teve o seu nome escolhido a partir de expressões do mandarim, língua oficial da China, para marcar esse momento importante. Meilifeilong youhao pode ser traduzido como: o belo (meili) dragão voador (feilong) da amizade (youhao). O exemplar foi encontrado na região de Jianchang, localizada na cidade de Huludao, na província de Liaoning. Essa região é muito famosa pela grande quantidade de fósseis, com destaque para os pterossauros. A unidade geológica onde o fóssil foi encontrado é a Formação Jiufotang, cuja idade é estimada em cerca de 125 milhões de anos.

Esqueleto do pterossauro Meilifeilong youhao, o mais completo do grupo dos chaoyangopterídeos descoberto até o momento (note o crânio com mandíbula no topo). O esqueleto chegou inteiro ao fundo de um corpo aquoso, onde começou a se decompor e desarticular

Crédito: W. Gao (Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia)

Meilifeilong youhao era um pterossauro de porte médio: tinha pouco mais de 2 metros de uma ponta à outra das asas. Assim como os demais chaoyangopterídeos, não tinha dentes e possuía uma enorme abertura à frente das órbitas – a fenestra nasoantorbital. Diferente das demais espécies desse grupo, Meilifeilong youhao tinha uma crista óssea na parte superior da cabeça, coberta por tecido mole, o que aumentava bastante a sua projeção. Esta é a primeira vez que uma estrutura assim é identificada em chaoyangopterídeos. Também foram encontrados vestígios entre os ossos que pertencem à membrana alar.

Parentes no Brasil e na África?

Outro ponto importante do estudo é a análise da distribuição dos chaoyangopterídeos pelo mundo. Ao todo, são apenas sete espécies encontradas na China, uma no Brasil e outra no Marrocos. Todas as espécies chinesas são provenientes da Formação Jiufotang, sendo a grande maioria conhecida por esqueletos bastante incompletos. Tal fato dificultou a identificação dessas espécies como Chaoyangopteridae, e muitas foram equivocadamente classificadas em outros grupos. 

A espécie brasileira, Lacusovagus magnificens, foi descrita a partir de um crânio muito incompleto procedente da Formação Crato (de cerca de 115 milhões de anos), na Bacia do Araripe, no Nordeste do Brasil. A última espécie é Apatorhamphus gyrostega, conhecida com base em material muito fragmentado encontrado no Marrocos, mais especificamente nos depósitos de Kem Kem (de cerca de 90 milhões de anos). Em ambos os casos, existem dúvidas se essas espécies são, de fato, aparentadas com as chinesas.

De qualquer forma, a possibilidade de que pterossauros do período Cretáceo encontrados na América do Sul e na África sejam proximamente relacionados não seria de se estranhar, já que ambos os continentes estiveram unidos por muito tempo e apenas se separaram totalmente justamente durante esse período geológico. Mas encontrar espécies da África ou do Brasil proximamente relacionadas com espécies da China é algo que ainda não é bem entendido pelos cientistas. Certamente, sabemos muito pouco sobre os pterossauros, sobretudo da África, e os paleontólogos trabalham para montar um quebra-cabeças com um número de peças ainda insuficiente para se ter um quadro geral mais confiável da distribuição e relação de parentesco desses dragões alados. Muito trabalho ainda se tem pela frente…

Parceria bem-sucedida

Além da questão científica, acho que o aspecto mais interessante desse estudo publicado na Scientific Reports é a longevidade da cooperação entre pesquisadores do Brasil e da China. Não é muito comum projetos terem tanto tempo de colaboração intensa, assim como este, sobretudo levando-se em conta a enorme distância que separa os dois países – a China fica do outro lado do mundo e possui uma cultura muito diferente da nossa! Certamente os colegas chineses podem dizer o mesmo.

 Até o momento, tivemos 25 trabalhos científicos, que resultaram na descoberta de 17 espécies novas, incluindo Meilifeilong youhao. Esses estudos envolveram, ao longo dos anos, dezenas de pesquisadores dos dois países. Interessante frisar que, desde a primeira viagem, em 2004 – com exceção do período da pandemia de covid-19 (de 2020 a 2022) –, todo ano paleontólogos brasileiros viajaram para a China. Também foram realizadas atividade de campo em território chinês – algo que nós, paleontólogos, adoramos! Fósseis foram coletados nas cercanias das cidades de Liaoning, Chaoyang e Yixian, bem como nos ricos depósitos fossilíferos em Xinjiang – um lugar simplesmente fantástico, onde se encontram milhares de ossos e ovos de pterossauros! Alguns colegas da China também vieram ao Brasil, mas a nossa burocracia limitou muito as atividades de campo. 

Olhando para trás, esse é um bom exemplo de como cooperações científicas podem aproximar pessoas, povos e culturas! Tudo que esse mundo complexo em que vivemos precisa.

Aproveito para desejar a todos os leitores um feliz 2024!

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