Exóticas e invasoras: desafio para a biodiversidade

Laboratório de Fauna e Unidades de Conservação
Departamento de Engenharia Florestal
Universidade de Brasília

Embora a dispersão e colonização de novas áreas por diferentes espécies exóticas invasoras sejam comuns na história evolutiva da Terra, esses processos foram enormemente acelerados pela atividade humana. Entre os impactos negativos que elas provocam estão a degradação da qualidade ambiental, a extinção de fauna e da flora nativas, mudanças na dinâmica dos ecossistemas naturais e a homogeneização biótica, além de efeitos negativos na agricultura, na economia e na saúde.

CRÉDITO: ADOBE STOCK

O planeta está mudando rapidamente, e muitas dessas mudanças têm sido causadas – intencionalmente, ou não – pela atividade humana. Um aspecto relevante dessas mudanças são a ocorrência e o espalhamento de espécies exóticas invasoras (EEI). As EEI são aquelas que chegam a um novo ambiente por meio de uma facilitação (direta ou indireta) causada pelo ser humano, conseguem se estabelecer e acabam se espalhando rapidamente nesse novo local, causando diversas mudanças profundas e significativas nesses novos ecossistemas.

Embora a dispersão e colonização de novas áreas por diferentes espécies sejam processos comuns na história ecológica e evolutiva da Terra, esses processos foram enormemente acelerados pela atividade humana, seja através do transporte direto e intencional desses organismos a um novo local ou mesmo pela facilitação criada pelos humanos para a colonização de novos ambientes.

Tal facilitação pode ser causada tanto pelo fornecimento direto de alimentação e cuidados às espécies exóticas e invasoras (por exemplo, gatos, cachorros, roedores, cabras) ou por mudanças ecológicas associadas à ocupação humana que facilitam o sucesso da nova espécie invasora, como ocorre quando um desmatamento permite o estabelecimento bem-sucedido de uma espécie invasora, como o de gramíneas exóticas invasoras em ambientes abertos naturais. Isso costuma ocorrer no Cerrado. Nesse contexto, é esperado que mudanças climáticas acabem também facilitando diversas EEI.

Impactos negativos

Os impactos negativos associados às EEI incluem a degradação da qualidade ambiental, a extinção de fauna e flora nativas, mudanças nos processos responsáveis pela dinâmica dos ecossistemas naturais, facilitação para a chegada de novas espécies exóticas invasoras e a homogeneização biótica, que é quando todos os ecossistemas acabam tendo sempre as mesmas poucas espécies, geralmente as mais agressivas, resilientes, oportunistas e generalistas. O impacto é tão amplo e severo que diversas comunidades de plantas e animais no planeta têm nas EEI seu principal vetor de ameaça.

Mas as EEI não causam impactos apenas de ordem ecológica e/ou conservacionista. Elas causam diversos impactos negativos na economia (perdas na produtividade agropecuária, fragilização de serviços ecossistêmicos, perda de produção energética) e na saúde pública (o mosquito-da-dengue, o Aedes aegypti, é uma EEI, que transmite, além da dengue, diversas outras doenças virais).

As espécies exóticas invasoras não causam impactos apenas de ordem ecológica e/ou conservacionista. Elas causam diversos impactos negativos na economia (…) e na saúde pública

E, obviamente, devido à amplitude de impactos causados pelas EEI, a compreensão do fenômeno, o controle de seu impacto e a mitigação de danos as tornam um desafio multidisciplinar, combinando conhecimentos específicos de áreas como ecologia, economia, transporte e logística, agricultura, ciências sociais, dentre outros.

Invasoras ou exóticas?

Uma EEI é aquela que, ao chegar a um ambiente onde originalmente não ocorria, estabelece populações que logo apresentam crescimento acelerado e agressivo em tamanho populacional e/ou em área ocupada (figura 1). Muitas espécies nativas são colonizadoras oportunistas, que ocupam rapidamente áreas naturais quando são facilitadas por clareiras, fogo, deslizamentos, inundações e/ou ressecamento de áreas. Em alguns casos, essas plantas podem causar impactos no ambiente, mas não são exóticas.

Figura 1. Esquema hipotético da dinâmica típica de uma espécie exótica Iinvasora, apresentando suas fases temporais de crescimento em população ou em área ocupada (introdução, estabelecimento, fase lenta, espalhamento/invasão e evolução da ocupação), bem como das etapas de manejo geralmente aplicadas em cada uma dessas fases (Prevenção, Erradicação, Controle e Restauração).

 CRÉDITO: ADAPTADO DE SAKAI ET AL. 2001 E DE PRENTIS ET AL 2008

Por outro lado, muitas espécies exóticas podem chegar a um novo ambiente, mas não se estabelecer com sucesso. Nesse caso, podem desaparecer logo após sua introdução (não se estabelecem) ou podem permanecer em pequenas áreas e/ou pequenas populações, não trazendo muitos impactos.

Na figura 2, há exemplos de invasoras não exóticas, como as melastomatáceas Trembleya parviflora (A) e Macairea radula (B); exóticas invasoras com impacto na pecuária, como o cardo Onopordum sp. (C); exóticas invasoras de pouco impacto nos ecossistemas naturais, como a lagartixa Phelsuma laticauda (D) e exóticas invasoras com grande impacto sobre a fauna, como o mangusto Urva auropunctata (E) e o sapo-cururu Rhinella marina (F). No entanto, mesmo que uma espécie invasora aparentemente não tenha impactos claramente detectáveis, merece atenção porque pode se espalhar, caso se adapte ou tenha alguma facilitação ambiental futura.

Figura 2. As plantas nativas Trembleya paviflora (A) e Macairea radula (B) invadem áreas de campos úmidos do Cerrado favorecidas pelo fogo e pelo rebaixamento do lençol freático, causando profundas mudanças na fisionomia dessas áreas. O cardo (Onopordum sp.), originário da Eurásia, invade áreas de pastagem no bioma Pampa (C). A lagartixa Phelsuma laticauda (D), introduzida no Havaí, aparentemente não causou grandes impactos nos ecossistemas locais. Mas o mesmo não pode ser dito do mangusto-asiatico, Urva auropunctata (E). Nativo do norte da América do Sul, o sapocururu, Rhinella marina (F), foi introduzido em diversas áreas do planeta para controle de insetos e causou impactos expressivos sobre a fauna australiana.

CRÉDITO: FOTOS REUBER BRANDÃO

Uma vez que se estabelecem e se espalham, é muito trabalhoso e caro manejar as EEI. Existem diversos exemplos em que a tentativa de erradicação de EEI fracassou, mesmo quando grandes montas de recursos humanos, técnicos e financeiros foram investidos.

Diversas pragas agrícolas, por exemplo, continuam causando danos à agricultura a despeito do emprego cada vez mais exacerbado (em quantidade, volume e variedade) de agrotóxicos. Nesses casos, quando a erradicação fracassa, as estratégias de manejo para as EEI visam basicamente ao controle do crescimento de suas populações. Assim, a melhor forma de lidar com as EEI é na prevenção de seu espalhamento pelo globo.

Por ser um problema global, lidamos com as EEI no dia a dia e nem nos damos conta disso. Muitas plantas invasoras causam mudanças profundas e virtualmente irreversíveis a muitos ecossistemas. Moluscos invasores podem afetar grandemente os ecossistemas aquáticos afetando mesmo a geração de energia.

Plantas invasoras causam mudanças profundas e virtualmente irreversíveis a muitos ecossistemas

Mesmo espécies que executam serviços ecossistêmicos relevantes em seus ecossistemas, como os sapos-cururu (Rhinella spp.), podem se tornar problemáticos em ecossistemas onde os predadores não estão adaptados a esse animal tóxico. E até aquele gatinho e cãozinho com aspecto inocente podem matar incontáveis animais nativos, especialmente quando não há guarda responsável.

Crocodilos e cururus

Interações tróficas (quando um organismo se alimenta de outro) entre sapos-cururus e crocodilos têm recebido interesse crescente devido ao impacto dos sapos nas populações do crocodilo-australiano-de-água-doce (Crocodylus johnstoni). Ingerir sapos-cururus leva esses predadores à morte. Mas essa mortalidade é afetada por vários fatores, incluindo o tipo de rio, o clima, o tamanho do crocodilo e a forma na qual o predador maneja ou evita os sapos.

Como crocodilos são predadores do topo de cadeia, sua morte leva a profundas mudanças em todo ecossistema de rios, que vão além da simples mortalidade dos crocodilos. Sapos-cururus têm secreções altamente tóxicas concentradas em suas glândulas na região cefálica. Evitar a região da cabeça do sapo e ingerir apenas seus membros parece ser uma estratégia que alguns jacarés na América do Sul adotaram para comer essas presas, o que vem sendo aprendido por crocodilos na Austrália. No entanto, crocodilos filhotes – e menos experientes – parecem mais suscetíveis aos sapos-cururus, que tendem a ser evitados pelos indivíduos maiores e mais experientes.

Bonitinhos, mas perigosos

Gatos são predadores formidáveis, eficientes e oportunistas. Protegeram nossos grãos, protegeram nossa casa e nos deram acalento durante boa parte da nossa história. Gatos não têm culpa por serem gatos, mas a proteção que eles nos deram contra ratos não tem sido, geralmente, retribuída na forma de cuidado responsável.

Como EEI extremamente eficiente, gatos são considerados os responsáveis diretos por, ao menos, uma extinção, a da corruíra da ilha Stephen (Traversia lyalli), cuja população parece ter sido eliminada por um único gato, pertencente à família de um faroleiro. Gatos também têm sido apontados como fatores relevantes do declínio de centenas de diversas outras espécies.

Gatos também têm sido apontados como fatores relevantes do declínio de centenas de diversas outras espécies

A ameaça que gatos representam para a fauna nativa da Austrália levou à recente proposição de uma força-tarefa visando a eliminar gatos asselvajados. Pode parecer exagero, mas os dados do impacto de gatos falam por si. Na Austrália, os 11 milhões de gatos estimados para o país matam, por dia, 2,92 milhões de mamíferos, 1,67 milhão de répteis, 1,09 milhão de aves, 0,26 milhão de anfíbios e 2,97 milhões de invertebrados.

Por ano, os gatos chineses matam 4,95 bilhões de aves e até 9,80 bilhões de mamíferos. Nos EUA, são até 4 bilhões de aves e 22,3 bilhões de mamíferos. No Canadá, 350 milhões de aves. Na Colômbia, são anualmente abatidos 12 milhões de aves nas áreas urbanas e suburbanas, além de outros 29 milhões de vertebrados nas regiões andinas do país. E, quando falamos de vertebrados predados por gatos, falamos não apenas de pardais e de ratos domésticos, mas também de roedores silvestres, marsupiais, serpentes, lagartos, e vários outros nos quais os gatos colocam suas patinhas de garras afiadas.

Já cães domésticos asselvajados são responsáveis pela predação de antas, tamanduás, tatus, lobos-guará, raposas, graxains, veados-campeiros, veados-catingueiros, perdizes, emas, quatis. Além disso, cães transmitem sarna e outras doenças que têm contaminado (e matado) diversos canídeos nativos, incluindo espécies ameaçadas, como o cachorro-do-mato-vinagre.

Javalis e a mais-valia armamentista

Javalis (Sus scrofa) invadiram o Brasil provavelmente a partir de indivíduos oriundos do Uruguai, onde a espécie é uma EEI amplamente difundida, ou a partir da fuga de indivíduos mantidos em cativeiro na região Sul. Sem predadores naturais, extremamente agressivos, adaptáveis e rústicos, os javalis rapidamente se espalharam por diversas localidades do Sul e do Sudeste do Brasil. Um macho adulto de javali pode pesar até 200 kg, enquanto as fêmeas são consideravelmente menores.

Com a introdução e o espalhamento do animal no país, associada à enorme dificuldade para sua erradicação, a caça ao javali em território nacional foi autorizada em 2013, por meio de Instrução Normativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), após intenso debate e muitas polêmicas. A despeito dos impactos ecológicos potenciais do javali no Brasil, a eventual propagação de doenças para o rebanho suíno nacional e a destruição de lavouras foram os principais argumentos para a autorização para controle de javalis via abate direto, inclusive com uso de armas de fogo.

O controle de javalis via abate com armas de fogo se tornou uma oportunidade e um argumento favorável para o retorno da atividade de caça no país, e sua caça foi o principal argumento utilizado pelo governo anterior para flexibilizar o acesso, o porte de armas e o certificado para Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs).

Sendo o javali o único animal passível de caça no Brasil, o objetivo era utilizar caçadores autorizados e cadastrados para erradicar o animal por meio do abate com armas de fogo. No entanto, ao invés da expansão do javali no Brasil diminuir, ocorreu o aumento exponencial de municípios registrando atividades de caça ao animal em apenas três anos, segundo dados do Ibama, sugerindo a ineficiência desse modelo.

Ao invés da expansão do javali no Brasil diminuir, ocorreu o aumento exponencial de municípios registrando atividades de caça ao animal em apenas três anos, segundo dados do IBAMA, sugerindo a ineficiência desse modelo

Com o decreto 11.615, de 21 de julho de 2023, que alterou as normas para o controle de acesso e uso de armas, houve a suspensão da caça ao javali, conforme boletim do Sistema de Informação de Manejo e Fauna (SIMAF/IBAMA), em 18 de agosto de 2023. Apesar de alguns setores interessados contestarem a decisão, com base no impacto do javali sobre a agricultura, é necessário atenção ao tema. Há suspeitas de que, com a caça ao javali justificando a aquisição de armas, o interesse passou a ser não o controle da EEI, mas sim a sua expansão em território nacional, inclusive com a introdução intencional do animal em áreas onde ainda não ocorria.

Esses pequenos relatos visam a mostrar o quanto precisam ser estudados, entendidos e aplicados os impactos negativos das EEI e seus desdobramentos sociais, ecológicos e econômicos. Nessa tarefa, é necessária a integração de diferentes pesquisadores, gestores públicos, políticos e sociedade. A complexidade do tema sugere atenção caso a caso, onde diferentes organismos e diferentes contextos ambientais tendem a produzir respostas diferentes.

Não há soluções simples para questões complexas. A gestão atual e futura da biodiversidade deve, necessariamente, enfrentar os impactos das espécies exóticas invasoras em suas diferentes dimensões.

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