A pesquisa mais recente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) sobre o uso de internet no Brasil durante a pandemia apontou que 76% das pessoas com acesso à internet que trabalhou neste período vendeu algum produto ou serviço por meio de plataformas digitais – incluindo distintos aplicativos e redes sociais digitais. A investigação também mostrou que 8% trabalharam como motoristas ou entregadores por meio desse tipo de plataformas.
Isso evidencia um fenômeno que temos chamado de ‘plataformização do trabalho’, a crescente dependência de plataformas digitais para conseguir alguma forma de ocupação remunerada. O que são essas plataformas? São infraestruturas digitais abastecidas com dados e automatizadas por algoritmos e que podem ter diferentes perfis e desenhos.
Plataformas seriam, então, aplicativos? Não necessariamente. O aplicativo pode ser só a fase mais visível – o software – de uma lógica de gestão que está relacionada a toda uma cadeia de suprimentos e de valor. As plataformas oferecem serviços dos mais diferentes tipos – desde alimentação até pornografia.
Em uma dimensão, a plataformização do trabalho é, ao mesmo tempo, resultado e radicalização de processos históricos presentes na sociedade brasileira, como a apropriação do trabalho informal e a intensificação da flexibilização do trabalho. Mas não se trata de algo exótico. Esse processo se materializa em contexto de reestruturação do capital – com altas taxas de desemprego. E os novos mecanismos das plataformas envolvem extração de dados como forma de capital, gerenciamento algorítmico e novas formas de vigilância sobre os trabalhadores.
Tudo isso é embalado por uma retórica de inovação por parte das plataformas digitais, dirigida tanto a trabalhadores quanto a consumidores. Vemos recorrentemente a promessa de “Conheça agora a plataforma que vai mudar sua vida”. Hackathons (maratona em que se criam projetos tecnológicos) fablabs (espaços para experimentação e prototipagem digital) e linkedins (rede profissional) acabam sendo espaços de disseminação de discursos, aliando o empreendedorismo como obrigatoriedade à tecnologia feita no Vale do Silício (região na Califórnia, EUA, que reúne empresas de alta tecnologia).
Esses processos são ingredientes para a generalização da plataformização do trabalho, com diferentes perfis de plataformas e trabalhadores. E também distintas lógicas. Isso significa que não são apenas entregadores e motoristas. Há plataformas de trabalho para jornalistas, trabalhadoras domésticas, professores, dentistas, Papai Noel, treinadores de inteligência artificial. Há, inclusive, inúmeros canais vendendo a “oportunidade de ganhar uma renda extra”.
Tudo isso materializado em distintas plataformas, inclusive para trabalhar clicando e comentando em conteúdos em redes sociais. Além disso, o OnlyFans (serviço de conteúdo por assinatura) é um exemplo da plataformização do trabalho sexual. Por outro lado, tem até plataformas vip de freelancers (trabalhadores temporários). Plataformas para todos os perfis, gostos e necessidades.
Quando você está vendendo algo via Instagram ou WhatsApp, ou mesmo trabalhando como ‘criador de conteúdo’ para plataformas, seu trabalho também depende de lógicas e mecanismos dessas tecnologias digitais, embora o processo de trabalho seja distinto de um motorista ou entregador.
No plano de seu dia a dia, se a rede social muda alguma funcionalidade, seu trabalho precisa ser reestruturado a partir dessas novidades. Na dimensão econômica, essas plataformas pertencem a conglomerados tecnológicos – como Google e Facebook – e tornam-se oligopólios para transações financeiras, marketplaces (lojas virtuais), coleta, extração e venda de dados. O trabalho remoto também nos deixou mais dependente de plataformas digitais – videoconferências, gestão de tarefas, entre outras – também pertencentes a conglomerados digitais.
Há, então, uma multiplicidade de trabalhadores ‘plataformizados’ – nas ruas, nas casas e nos escritórios –, como um verdadeiro laboratório das transformações no mundo do trabalho. Laboratório porque podem ser vistos como experimentos por parte das empresas – inclusive, a relação com o rentismo (ganhos obtidos de atividades econômicas não produtivas) – em relação aos trabalhadores, mudando regras com o jogo em andamento (quando não o próprio jogo). Em alguns países, já há, por exemplo, a adoção de drones (veículos aéreos não tripulados) para entrega de alimentos.
Para onde essa plataformização nos levará? Certamente, os robôs não nos substituirão. Para a automação acontecer de forma cada vez mais intensa, é preciso de um crescente papel de trabalhadores alimentando dados para a inteligência artificial (IA). A australiana-americana Kate Crawford, no livro Atlas of AI, lembra que o que se chama de IA não é nem inteligente, nem artificial, e depende de uma série de recursos materiais, logística, dados e trabalho humano.
Precisamos, então, prestar mais atenção a todo esse cenário do trabalho por plataformas, e suas distintas manifestações. Por exemplo, no Brasil há mais de 40 plataformas em atividade para as quais trabalhadores alimentam sistemas de inteligência artificial.
Em primeiro lugar, há plataformas em que trabalhadores produzem e treinam dados para sistemas de inteligência artificial, como algoritmos de reconhecimento facial, avaliação de publicidade e transcrição de áudios de redes sociais e assistentes virtuais. Alguns exemplos são Amazon Mechanical Turk (cujo slogan é “inteligência artificial artificial”), Appen (com frases do tipo “dados com um toque humano”) e Lionbridge.
Em segundo, há plataformas de moderação de conteúdo, cujos trabalhadores, em geral, são terceirizados de Facebook e Google, como Cognizant e Pactera. Nesses lugares, os trabalhadores passam o dia analisando imagens e vídeos de pedofilia, esquartejamento, suicídio, entre outros, para decidir o que manter e o que remover da plataforma. Isso, inclusive, traz consequências à saúde mental dos trabalhadores. Recentemente, o Facebook foi obrigado a pagar uma indenização de 52 milhões de dólares a trabalhadores que desenvolveram estresse pós-traumático – como se tivessem voltado de uma guerra.
Em terceiro lugar, há plataformas de fazendas de cliques – a maioria brasileiras –, em que os trabalhadores passam o dia curtindo, comentando e compartilhando posts (publicações) em Instagram, Tiktok e YouTube (plataformas de imagens e vídeos) em troca de pouquíssimas frações de centavos por tarefa. Os solicitantes dessas tarefas vão desde influenciadores até duplas sertanejas e candidatos a prefeitos.
Essas plataformas ‘parasitas’ servem-se dos mecanismos das redes sociais para impulsionar manualmente os conteúdos por meio do trabalho mal remunerado desses ‘bots (robôs) humanos’. Além disso, há todo um mercado paralelo de contas fakes (falsas) e bots como estratégias de trabalhadores para que consigam ganhar um mínimo de dinheiro nessas plataformas.
Prestar atenção para essas atividades de trabalho nos ajuda a compreender as mudanças pelas quais o mundo do trabalho vem atravessando. Contudo, isso não significa que os trabalhadores são entes passivos ou amorfos nesses processos. Pelo contrário, eles procuram brechas e fissuras em algoritmos e plataformas para construir táticas cotidianas no trabalho, desde tentar ‘produzir’ coletivamente a tarifa dinâmica em plataformas para motoristas até se recusar a trabalhar e/ou burlar as lógicas das plataformas – no que Gavin Mueller, da Universidade de Amsterdam (Holanda), tem chamado de táticas neoludistas.
Além dessas táticas cotidianas, temos visto a emergência de formas de organização de trabalhadores em contextos de plataformas, desde coletividades informais – como experiências coletivas de escrita de trabalhadores – até mobilizações e construções de associações e sindicatos. Isso decorre do fortalecimento da própria comunicação entre trabalhadores por meio de grupos de WhatsApp, por exemplo, como forma inicial de organização. Os exemplos vão desde a greve de entregadores em 2020 até construções de sindicatos de gamers, youtubers e influenciadores.
Assim, é preciso pensar as defesas de trabalhadores em um contexto de plataformização, não só no sentido de se recusar a aceitar o cenário vigente, mas também no de se apropriar das lógicas em prol de trabalhadores e do bem comum. Por exemplo, o WeClock é uma tecnologia construída para que trabalhadores consigam quantificar seu dia de trabalho. Com ela, é possível verificar se as plataformas estão pagando-lhes conforme o combinado. Além disso, em caso de alguma discordância com a empresa, a ferramenta pode ser usada na defesa de trabalhadores
As possibilidades de reapropriação da plataformização por parte dos trabalhadores também podem envolver a construção de plataformas que sejam de suas propriedades, seja em cooperativas de plataforma ou em outros arranjos de trabalho e desenhos institucionais. O cooperativismo de plataforma simboliza a união das potencialidades tecnológicas digitais com a força da organização cooperativista. Algo como: e se motoristas e entregadores possuíssem suas próprias plataformas?
De cinco anos para cá, diversas plataformas controladas por trabalhadores têm surgido pelo mundo, em áreas como fotografia, música, arte, entrega de comida, trabalho doméstico, atividades autônomas diversas.
Essas plataformas controladas por trabalhadores podem ser também laboratórios, construindo experiências locais para desafiar a noção dominante de plataformização. Elas podem reinventar circuitos econômicos locais de produção e consumo por meio de plataformas que melhorem condições de trabalho e, ao mesmo tempo, promovam políticas de mobilidade, melhorias de transporte público, serviços de cuidados, com integração ao sistema de saúde.
Realisticamente, elas não substituirão em curto prazo as grandes plataformas de trabalho, pois existe a forte pressão da concorrência – envolvida em capital de risco e possibilidades de lobby – e riscos de autoexploração, entre outras contradições. Mesmo sabendo dos desafios, é preciso enfrentar essas contradições. Elas podem tornar-se referenciais para políticas públicas a partir da construção de iniciativas que envolvam trabalho decente e se articulem com o combate às desigualdades – inclusive algorítmicas – e a construção de tecnologias para o bem comum.
A noção de plataforma digital, ao contrário do que muita gente pensa, não é somente tecnológica. Envolve questões como governança, propriedade, organização do trabalho, política e modelos econômicos, além das próprias infraestruturas tecnológicas. Dessa forma, as plataformas controladas por trabalhadores são atravessadas por múltiplas dimensões, sendo a questão tecnológica o resultado de um processo. Caso contrário, incorremos em um fetichismo tecnológico, com o risco de a plataforma se tornar um elefante branco. Assim, esses experimentos não têm fórmula pronta, nem se fazem da noite para o dia, como um aplicativo solucionador de todos os problemas.
Lutar por trabalho decente em plataformas envolve: salário-mínimo, condições de trabalho adequadas que proporcionem saúde e rede de segurança, contratos claros e acessíveis, processo de gestão que garanta equidade entre trabalhadores e combata desigualdades – como de raça e gênero – na plataforma, algoritmos que não prejudiquem trabalhadores, e espaço para que, de fato, eles tenham voz. Além desses princípios, a autogestão pressupõe ainda que, além do trabalho para a plataforma, haja um trabalho de cuidado coletivo. Isto é, a saúde – física e mental – de trabalhadores é uma responsabilidade coletiva.
As plataformas controladas por trabalhadores também desafiam a ideia de que a economia de plataformas necessita de escala. Pensando nos trabalhadores, nem as startups (empresas, principalmente de base tecnológica, em fase inicial) possuem muitos trabalhadores. Um levantamento da Associação Brasileira de Startups mostra que 63% das startups brasileiras possuem até cinco pessoas. Da mesma forma, não necessariamente cooperativas e coletivos de entregadores ou motoristas contarão com 30 mil pessoas envolvidas ou algo em torno dessa quantidade. E não há argumentos para deslegitimar iniciativas autogestionárias com três ou cinco trabalhadores apenas por causa de seu tamanho. A questão da escala no cooperativismo de plataforma não se dá necessariamente pelo número de trabalhadores na própria empresa, mas a partir de seu potencial de articulação.
Uma das fortalezas das plataformas de propriedade de trabalhadores é justamente a sua capacidade de articulação e cooperação entre iniciativas. Por exemplo, a cooperativa de entregadores Resto.Paris, a partir de financiamento da prefeitura da capital francesa, articulou-se com a federação CoopCycle – que construiu software para iniciativas desse tipo – e adotou um selo de alimentação saudável, sendo uma importante política pública para fazer girar a economia local.
Por fim, o papel das tecnologias, embora não seja o único fator envolvido, deve ser considerado. O design (projeto) e os algoritmos das plataformas controladas por trabalhadores devem considerá-los no centro. Já é muito sabido que algoritmos e outras tecnologias podem reproduzir desigualdades históricas (de classe, raça, gênero, sexualidade), agora automatizadas. Por exemplo, carros autônomos construídos por grandes empresas de tecnologia tendem a atropelar mais negros do que brancos porque não os reconhecem como pessoas. A justiça social, portanto, deve estar presente ao projetar tais plataformas digitais.
As políticas de dados também são um elemento central nesse processo, uma vez que a extração de dados tem sido uma nova forma de rentismo, ampliando nosso colonialismo digital. Já há, por exemplo, cooperativas de dados, como a Driver’s Seat, em que trabalhadores coletam informações deles mesmos em suas atividades para as grandes empresas de tecnologia, e depois revendem para órgãos públicos, de modo a que o setor público não sofra de dependência de tais conglomerados tecnológicos. Isso significa pensar as infraestruturas digitais das plataformas controladas por trabalhadores a partir de tecnologias livres e dados para o bem comum.
Assim, se a plataformização do trabalho tende à generalização por uma série de mecanismos ligados aos oligopólios digitais e a suas cadeias de fornecimento, há também possibilidades de construção de tecnologias autônomas e de defesa de trabalhadores, lutando por outro tipo de plataformização do trabalho.
Rafael Grohmann
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
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Maria de Fátima Rosa Mendes
Gostaria de trabalhar na plataforma.
Isabely
Queria trabalhar com vc