Muito mais do que um obstáculo para os heróis, essas figuras malignas das histórias têm o importante papel de representar os vícios que podem tomar conta da natureza humana, quando não moderados pela razão e pela ética
Muito mais do que um obstáculo para os heróis, essas figuras malignas das histórias têm o importante papel de representar os vícios que podem tomar conta da natureza humana, quando não moderados pela razão e pela ética
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“Acender uma vela é lançar uma sombra”. Essa frase, da escritora estadunidense Ursula Le Guin (1929-2018), mostra que a existência da sombra é uma consequência direta da existência da luz e é um bom ponto de partida para refletirmos também sobre os heróis e vilões.
Nas histórias em quadrinhos e nos filmes, aprendemos que o herói e o vilão parecem estar intimamente ligados, de tal forma que a existência de um depende da existência do outro, criando um equilíbrio de forças. Sem heróis, não haveria vilões, e vice-versa, assim como a sombra não existiria sem a luz.
Mas a analogia da sombra e da luz se mostra insuficiente quando analisamos os vilões, esses personagens tão complexos e importantes nas narrativas.
Neste texto, vamos entender melhor o papel dos vilões nas histórias e como esses personagens da cultura pop não são apenas formas de entretenimento, mas representações de aspectos fundamentais da natureza humana.
A obra literária mais antiga da humanidade, até onde conhecemos, é a Epopeia de Gilgamesh, um poema épico da Mesopotâmia escrito em tábuas de argila pelos sumérios por volta de 2000 a.C. A história narra a jornada de Gilgamesh, rei de Uruk, em sua busca pela imortalidade. Um dos vilões que cruza o seu caminho é uma criatura monstruosa e gigante chamada Humbaba, cuja aparência é descrita como assustadora e sobrenatural, tão feroz e imponente como a de um leão.
Gilgamesh e Enkidu matando Humbaba
WIKIMEDIA COMMONS / FROM IRAQ; PURCHASE. 19TH-17TH CENTURY BCE/VORDERASIATISCHESMUSEUM,BERLIN
Na mitologia grega, também vemos muitos vilões, como é o caso da medusa, uma criatura assustadora, com serpentes no lugar dos cabelos e cujo olhar transformava homens em pedra. Foi o herói Perseu, filho de Zeus, que conseguiu matar a medusa, decapitando-a enquanto dormia.
Histórias como essas, de conflito entre o bem e o mal, são contadas há muito tempo. Seja nas mitologias, seja nos quadrinhos modernos, o herói que protagoniza a narrativa precisa de obstáculos, de conflitos, de algo que o impeça de atingir seu objetivo e o obrigue a realizar algum ato heroico. A pesquisadora Mônica Lima de Faria, em sua tese de doutorado apresentada em 2012 à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, explica que o vilão é o encarregado de possibilitar a evolução do herói, fazendo com que ele enfrente seus medos e debilidades e os supere.
O vilão, portanto, é quem costuma desempenhar esse papel importante de ser um obstáculo ao herói, um antagonista. E esse antagonismo pode estar materializado em personagens humanos, animais, monstros, alienígenas, máquinas, mas também em catástrofes ambientais e doenças, ou até mesmo ser parte do próprio protagonista.
Em histórias clássicas, como O médico e o monstro, publicada em 1886 pelo escritor escocês Robert Louis Stevenson, descobrimos ao final que o vilão da história (o cruel Edward Hyde, que chega a assassinar uma pessoa) é o próprio Dr. Jekyll, o respeitável médico da trama. Ele havia criado uma substância capaz de separar as facetas boas e más de sua personalidade, o que acabou levando ao surgimento de uma nova personalidade sua, impiedosa e sem qualquer moralidade.
Os vilões, além de cumprirem esse papel narrativo de antagonistas e possibilitarem a construção do herói, refletem valores, temores e desejos de uma época. Por isso, eles também costumam representar antagonistas sociais, como o nazismo, o terrorismo, a corrupção política.
Os vilões, além de cumprirem esse papel narrativo de antagonistas e possibilitarem a construção do herói, refletem valores, temores e desejos de uma época. Por isso, eles também costumam representar antagonistas sociais, como o nazismo, o terrorismo, a corrupção política.
A própria ciência já foi muito representada em personagens malvados. Talvez por certo medo do poder destrutivo da ciência materializado na bomba atômica e outras tecnologias bélicas usadas nas guerras mundiais, muitos vilões da ‘era de ouro dos quadrinhos’ (décadas de 1940 e 1950) eram cientistas. Ultra-humanoide e Lex Luthor (adversários do Super-homem), Dr. Morte (inimigo clássico de Batman) e Dr. Octopus (oponente direto do Homem-aranha) são alguns exemplos de gênios do mal que representam o temor da humanidade em relação ao mau uso da ciência e ao poder quase ilimitado que ela pode conceder a indivíduos com intenções egoístas ou malignas.
Muitos desses vilões simbolizam os perigos éticos e morais associados ao avanço científico, especialmente quando o conhecimento e a tecnologia são usados sem responsabilidade ou com a finalidade de transgredir limites naturais, como a busca pela imortalidade ou o poder absoluto, colocando em risco o equilíbrio da natureza.
Mas será que faz sentido dizer que a existência dos vilões é uma consequência direta da existência dos heróis, assim como a sombra é consequência da existência da luz? Na realidade, a relação entre heróis e vilões se assemelha muito mais à relação entre as virtudes e os vícios, e há um bom motivo para isso acontecer.
Mas será que faz sentido dizer que a existência dos vilões é uma consequência direta da existência dos heróis, assim como a sombra é consequência da existência da luz? Na realidade, a relação entre heróis e vilões se assemelha muito mais à relação entre as virtudes e os vícios, e há um bom motivo para isso acontecer
O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C), em sua obra Ética a Nicômaco, explica que os vícios são hábitos ruins que surgem quando uma pessoa age de maneira excessiva ou insuficiente em relação a algo que é bom, desviando-se do equilíbrio. Para ele, o vício aparece quando a razão falha em moderar as paixões ou os impulsos (como o medo, a raiva ou o desejo).
Por outro lado, as virtudes morais foram definidas pelo filósofo como o caminho do meio, o meio-termo entre o vício do excesso e o vício da ausência. A coragem, por exemplo, é a virtude que se encontra no meio entre a covardia (excesso de medo) e a temeridade (deficiência de medo, beirando a imprudência); a temperança é um comportamento moderado entre a busca excessiva pelo prazer e a negação total dos prazeres; a generosidade, por sua vez, é a virtude de quem não ocupa nem o extremo da avareza (excesso de apego, mesquinhez) nem o da prodigalidade (gasto em excesso).
Assim, segundo Aristóteles, as virtudes não são simplesmente a ausência de vícios, mas a escolha racional de agir com equilíbrio, alinhando-se ao que é bom tanto para o indivíduo quanto para a sociedade.
Mas por que estamos falando sobre isso em um texto sobre heróis e vilões? Histórias de heróis são, em grande parte, contos morais modernos. Assim como as histórias infantis, essas narrativas transmitem lições sobre como viver de maneira ética. Heróis e vilões são, muitas vezes, as próprias virtudes e vícios materializados, encarnados nessas figuras superpoderosas.
Não à toa, pesquisadores como o filósofo e educador Gelson Weschenfelder (em dissertação apresentada ao Centro Universitário La Salle) defendem a importância das histórias em quadrinhos na formação da consciência moral das crianças e adolescentes, estimulando virtudes (como a coragem e a justiça) e fornecendo modelos morais por meio dos super-heróis, de maneiras muito mais agradáveis que o sermão de um pai ou professor.
E engana-se quem pensa que o fator ‘super’ afasta esses personagens de nós, humanos comuns. As histórias em quadrinhos de super-heróis apresentam os mesmos dilemas morais que enfrentamos no dia a dia. Segundo Weschenfelder, são questões relativas à “responsabilidade pessoal e social, à justiça, ao crime e ao castigo, à mente e às emoções humanas, à identidade pessoal, à alma, à noção de destino, ao sentido de nossa vida, ao que pensamos da ciência e da natureza, ao papel da fé na aspereza deste mundo, à importância da amizade, ao significado do amor, à natureza de uma família, às virtudes clássicas como coragem e muitos outros temas”.
Os vilões nos quadrinhos, no cinema e na literatura frequentemente personificam os vícios morais, dando uma forma tangível às falhas humanas e transformando-as em características centrais de suas personalidades e motivações.
Loki, o deus nórdico da trapaça, personifica o orgulho e a inveja. Seu desejo de superar seu irmão Thor e ser reconhecido como o mais poderoso o leva a agir de maneira egoísta e destrutiva.
Já Magneto, arqui-inimigo dos X-Men, e Erik Killmonger, vilão dos filmes do Pantera Negra, representam vício da raiva e da vingança, lutando contra aqueles que oprimiram seus povos. Eles são uma representação de como esses sentimentos extremos e não controlados podem se tornar obsessões e conduzir a comportamentos destrutivos.
Thanos, o titã da Marvel Comics, é a encarnação da ganância e da obsessão por poder absoluto. Sua busca pelas joias do infinito, com o objetivo de controlar o universo, reflete como a ganância extrema pode levar a decisões radicais e irracionais. A própria crença de Thanos de que o extermínio de metade da vida no universo traria equilíbrio e prosperidade é uma mostra dessa irracionalidade.
O vilão Thanos, da Marvel Comics, é a encarnação da ganância e da obsessão por poder absoluto
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Lex Luthor, por sua vez, personifica a inveja, a ambição desmedida e a obsessão pelo poder. Seu desejo incessante de superar o Super-homem e dominar o mundo reflete uma crença inabalável em sua própria superioridade intelectual e moral. Luthor vê o ‘homem de aço’ como uma ameaça à sua visão de um mundo controlado pela razão e pelo progresso humano, e sua obsessão em derrotá-lo o leva a tomar atitudes cruéis e imorais.
Esses vilões não são apenas obstáculos para os heróis; eles são reflexos distorcidos da humanidade, mostrando o que acontece quando os vícios tomam conta. Eles ilustram, de maneira extrema, as consequências de não moderar os impulsos humanos, oferecendo uma visão do caos e da destruição que podem surgir quando o mal prevalece.
Em todos esses casos, a constituição física, a vestimenta e a linguagem dos vilões são ferramentas visuais e narrativas, que ajudam a comunicar seus vícios morais. Seus corpos e roupas, muitas vezes distorcidos ou exagerados, se tornam uma extensão de sua corrupção interna, permitindo que o público reconheça, de forma instantânea, os aspectos de maldade que permeiam suas personalidades.
Assim, cada vilão é uma metáfora visual de seu vício moral, e sua aparência externa é uma extensão do que se passa dentro de suas mentes e corações.
Heróis e vilões não são apenas figuras fictícias de entretenimento, mas também metáforas poderosas para o que é o bem e o mal na natureza humana. Enquanto os heróis representam as virtudes que todos devemos buscar em nossa vida cotidiana, os vilões personificam os vícios, que, quando não moderados pela razão e pela ética, podem levar à destruição.
As histórias em quadrinhos, os filmes e os mitos desempenham um papel importante de nos ensinar essas lições morais, ao mesmo tempo em que nos envolvem emocionalmente em aventuras épicas.
Seus personagens servem como lembretes de que a luta entre o bem e o mal não é apenas uma batalha externa, mas também interna. Cada escolha moral, cada ação que tomamos, pode nos aproximar da virtude (do equilíbrio, do caminho do meio) ou nos afastar dela, assim como acontece com heróis e vilões em suas jornadas.
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