Vírus imitando vampiros: uma fascinante estratégia evolutiva nas diminutas dimensões celulares da vida

Departamento de Microbiologia
Universidade Federal de Minas Gerais
Universidade Ártica da Noruega
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Vírus são organismos diversos que necessitam de células hospedeiras para se multiplicar. Alguns deles, porém, se aderem a outros vírus até alcançarem juntos um hospedeiro – o que guarda semelhança com os vampiros da literatura e do cinema, que agarram o pescoço de suas vítimas para sugar o sangue delas. Esse é só um dos exemplos da complexidade das interações virais, que seguem surpreendendo cientistas no mundo todo e destacando o papel da virosfera como um campo fascinante para o estudo da evolução.

CRÉDITO: IMAGEM ADOBESTOCK

Os vírus são organismos diversos e abundantes na Terra. Apresentam imensa variedade de tamanhos, formatos, conteúdos e estratégias de multiplicação. Mas as partículas virais contam com uma estrutura relativamente simples e são incapazes de fazer cópias de si mesmas sozinhas. 

Portanto, uma característica comum a todos os vírus é a necessidade de estarem dentro de uma célula hospedeira para que consigam produzir suas cópias, o que os torna parasitas intracelulares obrigatórios. 

Na fase intracelular, o vírus atinge seu metabolismo pleno e é capaz de controlar os recursos da célula a seu favor. A natureza restritamente parasitária dos vírus e sua diversidade fazem com que parasitem não só organismos de toda a árvore da vida, mas também outros vírus.

Ainda assim, os vírus que parasitam outros vírus também não conseguem se multiplicar fora de uma célula hospedeira. Aqui, a situação se torna mais complexa, porque o vírus parasita usa os recursos do vírus parasitado quando este toma controle de sua célula hospedeira. 

Imagine um sistema com três componentes: uma célula hospedeira é infectada por um vírus comum, e o par célula-vírus é então parasitado por um segundo vírus que rouba recursos não só da célula, mas também do vírus que está parasitando. 

Exemplo dessa relação ocorre em alguns bacteriófagos (ou fagos), vírus que infectam bactérias e formam o grupo viral mais abundante do planeta Terra. Normalmente, os fagos infectam sua bactéria hospedeira e se multiplicam, formando bilhões de cópias de si mesmos. 

Mas alguns fagos têm vírus satélites (ou seja, vírus parasitas) que não conseguem se multiplicar sozinhos e, portanto, usam a maquinaria do fago e da célula hospedeira para se multiplicar, prejudicando o ciclo de multiplicação do fago. Nesses casos, no fim da infecção, são formadas mais cópias do vírus satélite do que do próprio fago.

O sucesso do vírus satélite, então, depende não só de ele encontrar a célula correta, mas também da necessidade de a célula estar infectada com o vírus a ser parasitado.

O sucesso do vírus satélite, então, depende não só de ele encontrar a célula correta, mas também da necessidade de a célula estar infectada com o vírus a ser parasitado

Normalmente, os vírus satélites têm a capacidade de invadir a célula bacteriana e permanecer inativos, ‘esperando’ até que o fago infecte essa célula e proporcione todo o material necessário para que o vírus satélite se multiplique. 

Exemplo disso é o vírus satélite P4 – um dos primeiros identificados na bactéria Escherichia coli –, que depende do vírus auxiliar P2 para se multiplicar. Quando o P2 infecta uma bactéria, ele expressa uma proteína chamada Cox, mas, quando o satélite está presente nessa bactéria, essa proteína bloqueia seu repressor principal, o que o tira da forma inativa e permite que seu ciclo de multiplicação comece. 

Com isso, o vírus satélite redireciona a montagem das partículas virais, fazendo com que se formem partículas menores, que ‘encurtam’ (tecnicamente, empacotam) seu DNA em vez do DNA do P2, iniciando, assim, o processo de replicação do vírus satélite.

Recentemente, cientistas isolaram um vírus satélite curioso, chamado MiniFlayer. Ele foi encontrado no interior da bactéria de solo Streptomyces scabiei, na companhia de um bacteriófago denominado Streptomyces Mindflayer (ou, simplesmente, MindFlayer).

O MiniFlayer chamou a atenção por não ter a capacidade de se manter inativo na célula. Mas, se esse vírus não é capaz de esperar que o fago invada a célula e nem de se multiplicar sem a presença dele, como ele perdura na natureza? 

O MiniFlayer contornou essa situação garantindo que ele chegaria na célula ao mesmo tempo em que o fago, usando estratégia que lhe rendeu a alcunha de ‘vírus vampiro’. 

Para otimizar esse encontro, o MiniFlayer usa a tática simples, mas efetiva: se aderir ao ‘pescoço’ do MindFlayer e pegar uma carona com ele até que ambos encontrem uma bactéria (figura 1).

Figura 1. Microscopia eletrônica do fago Streptomyces MindFlayer (área mais escura) com um vírus satélite Streptomyces MiniFlayer (área mais clara, à direita) aderido ao início de sua longa cauda; o satélite, cuja cauda é curta (seta), tem cerca da metade do tamanho do fago; na imagem, o traço (abaixo) indica distância equivalente a 200 nanômetros (200 bilionésimos de metro)

CRÉDITO: DECARVALHO ET AL./THE ISME JOURNAL (V. 17, N. 12, 2023)

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