Como vemos, para entender melhor a complexidade e o desafio existencial que o Antropoceno significa para todas as espécies, é preciso rever enquadramentos disciplinares rígidos e mais tradicionais: geólogos, cientistas climáticos e cientistas sociais precisamos trabalhar juntos. Nenhuma disciplina detém a exclusividade como porta-voz do planeta, da espécie ou da reconexão dos humanos com a biosfera.
Entramos em um mundo e um tempo de limites, inclusive dos próprios conhecimentos científicos. Estudiosos temem que o planeta tenha entrado em território desconhecido e imprevisível.
Por isso, nós, cientistas sociais, também insistimos em uma ampliação do debate público sobre o Antropoceno, porque, afinal, envolve questões existenciais que interessam a todas as diferentes sociedades: como será o futuro? Como devemos trabalhar, criar filhos? O que vamos poder comer? Onde vamos poder morar?
A filósofa das ciências belga Isabelle Stengers, no seu livro Uma outra ciência é possível (2023), sugere que cada parte interessada no futuro do planeta deve ter o direito de apresentar o seu saber, de forma que todas e todos nos beneficiemos da multiplicidade de pontos de vista.
No lugar de conhecimento ‘sobre’ algo, optemos pela cosmopolítica, ou seja, uma política que produz novos mundos, tal como já defende o conhecimento indígena, sugere a historiadora Alessandra Gonzalez de Carvalho Seixlack, em seu artigo ‘Um fazer histórico xamânico’ (2023). Ou seja, Seixlack destaca que importam outras formas de fazer as coisas.
Fazer ciência passa a ser uma simbiogênese, como propõe a bióloga e historiadora estadunidense Donna Haraway, em o Manifesto das espécies companheiras (2021), ou seja, são as conexões que permitem a vida dos envolvidos.
Então, além das alianças transdisciplinares entre as ciências e da intensificação do debate público, os saberes indígenas também são cruciais para a vida no planeta agora. As sociedades indígenas têm pegada de carbono zero, promovem biodiversidade e se orientam por forte ética relacional e horizontal com outras espécies.
Além disso, como ressalta o filósofo indígena Ailton Krenak, em Ideias para adiar o fim do mundo (2019), as sociedades indígenas já enfrentaram seu Antropoceno, o fim do seu mundo com a colonização europeia. São, assim, especialistas na criação de novos mundos e seu conhecimento pode nos ajudar a pensar alternativas ao imaginário apocalíptico frequentemente associado ao Antropoceno.
Como dizem a filósofa Déborah Danowski e o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, no seu livro Há mundo por vir? (2017), engajar-se em diálogo com o conhecimento indígena representa o único futuro possível, não um retorno ao passado.
Então, todas e todos podemos e devemos falar do Antropoceno. Aliás, nossa única chance de vidas menos hostis é com a completa transformação dos saberes e alianças para o Antropoceno.