Apesar de alguns tipos de narrativas, como matérias jornalísticas e documentários, serem conhecidos por seu compromisso com a realidade, todo relato é uma versão particular de um acontecimento e tem uma carga de subjetividade e criatividade
Apesar de alguns tipos de narrativas, como matérias jornalísticas e documentários, serem conhecidos por seu compromisso com a realidade, todo relato é uma versão particular de um acontecimento e tem uma carga de subjetividade e criatividade
CRÉDITO IMAGEM ADOBE STOCK
Você está passeando pelo centro de sua cidade quando vê um homem correndo. Você percebe que esse homem está carregando uma bolsa nos braços e que, em outro ponto da rua, há uma mulher gritando por ajuda. Ao chegar em casa, você relata o ocorrido aos seus familiares: “eu estava na rua mais cedo e vi um homem que tinha acabado de roubar a bolsa de uma mulher e conseguiu fugir, mas pelo menos ninguém se feriu”.
O que você acabou de fazer foi narrar, contar uma história. Narrar é expor uma sequência de acontecimentos na qual personagens realizam ações em um tempo e em um espaço específicos. Toda história tem um narrador, seja ele um personagem que participa da história ou um observador externo.
Nessa pequena história, a mulher e o homem são personagens; a rua do centro da cidade e o horário em que tudo ocorreu são o espaço e o tempo onde os eventos se passaram; e a sequência de acontecimentos é o enredo. Quem faz o papel de narrador é você, mais especificamente um narrador observador, que conta a história sem participar diretamente dela, apenas a assistindo de fora.
Esses elementos narrativos estão presentes em boa parte do que lemos ou assistimos. Estão nos livros de literatura, nos quadrinhos, nos filmes, nos vídeos da internet, nos programas de televisão. Estão até mesmo nas reportagens jornalísticas e nos documentários.
Se a narrativa está presente em tantos estilos – escritos e orais – de comunicação, qual a diferença entre uma narrativa jornalística e uma literária? Se tanto uma reportagem de um telejornal quanto um filme de super-herói são histórias (dotadas de personagens, tempo, espaço, enredo e narrador), qual a diferença entre elas?
Costuma-se distinguir as narrativas com base no seu compromisso com a realidade e seu nível de inventividade. A narrativa fatual é aquela que se refere a acontecimentos reais, em que tudo o que é contado realmente aconteceu e há pouca ou nenhuma invenção. Entram nessa categoria as narrativas jornalísticas e históricas.
Já a narrativa ficcional seria aquela que não se compromete com a realidade, não se propõe a relatar com fidelidade eventos que aconteceram, o que dá mais espaço para a criatividade, a estética e o uso de figuras de linguagem (como metáforas, ironias, entre outras). Nessa categoria, encontram-se as narrativas literárias, os filmes de ficção e as histórias em quadrinhos.
Dessa forma, parece fácil afirmar que um filme de super-herói é uma história ficcional, enquanto aquelas que lemos nos jornais ou nos livros didáticos de história são fatuais, já que são referentes a acontecimentos que realmente aconteceram e não têm nenhuma invenção.
No entanto, apesar dessa aparente simplicidade, a fronteira entre fato e ficção pode ser muito mais tênue e complexa do que você imagina.
A palavra ficção nos remete a histórias inventadas (total ou parcialmente). Pode ser uma fantasia (que envolva monstros, heróis ou fantasmas), pode ser uma ficção científica (que envolva tecnologias que vão muito além daquelas que existem hoje), e também pode ser um romance comum, totalmente realista, mas com enredo, personagens ou ambientes inventados.
Assim, uma matéria jornalística jamais poderia ser considerada ficcional, já que um dos pilares dessa profissão é a busca pela verdade e publicização das informações com precisão e veracidade. Um jornal que noticiasse ficções estaria ferindo um de seus princípios mais fundamentais, certo?
Apesar dessa definição de ficção ser bem popular, os críticos e teóricos de cinema franceses Jacques Aumont e Michel Marie afirmam, em seu Dicionário Teórico e Crítico de Cinema, que a ficção é uma forma de discurso que faz referência a personagens ou a ações que só existem na imaginação daquele que a escreve ou lê. Segundo eles, a ficção não é uma mentira, mas um simulacro da realidade, uma das possíveis maneiras de se representar o real. Como assim?
Ao vivenciar um acontecimento, você irá ‘guardá-lo’ em sua mente, e isso se tornará uma memória. Essa versão que está na sua mente é um modelo representativo da realidade (um simulacro). E pessoas diferentes não poderão criar versões iguais de um mesmo fato, pois esse simulacro é diretamente influenciado por elementos subjetivos do indivíduo.
A sua visão de mundo, suas experiências pessoais, os livros que você leu, os filmes que assistiu e seu estado emocional no instante do acontecido são algumas das muitas variáveis que influenciarão a forma como você apreenderá a realidade e a registrará em sua mente.
Além disso, as pessoas são como icebergs. A parte superficial (externa e visível) é muito pequena se comparada à parte submersa (interna e oculta). A complexidade de uma vida humana jamais caberia dentro de um personagem de uma história, mesmo que fielmente baseada em fatos.
Assim, podemos dizer que todo relato é uma tentativa de representar a realidade por meio de palavras. Um relato de um acontecimento não é o próprio acontecimento em si. Os fatos ficam no passado, depois que acontecem. Qualquer tentativa de retomá-los no presente, por meio de uma história, será uma representação, será uma construção da mente de uma pessoa. Logo, será uma ficção.
É como a famosa pintura do artista belga René Magritte (1898-1967) que apresenta a imagem de um cachimbo, acompanhada dos dizeres: “Isto não é um cachimbo”. A pintura gera estranhamento, porque obviamente se trata de um cachimbo. Mas se você estivesse diante desse quadro, você não poderia pegá-lo, acendê-lo e tragá-lo, como poderia fazer se fosse um cachimbo de verdade. A imagem que vemos é uma representação de um cachimbo, assim como um relato é uma representação de um acontecimento.
A pintura do artista belga René Magritte (1898-1967) gera estranhamento ao apresentar a imagem de um cachimbo, acompanhada dos dizeres “Isto não é um cachimbo”. Mas ela nos mostra que aquele não se trata de um cachimbo de verdade, e sim uma representação desse objeto
Portanto, só podemos concluir que toda história é ficcional. Independentemente da sua fonte, do seu propósito, do seu compromisso com a verdade, todo relato é uma narrativa construída por uma pessoa, que fez uso de sua memória e criatividade para lembrar, encadear eventos, estabelecer relações de causa e efeito, destacar aquilo que é mais importante e omitir aquilo que julga irrelevante.
Você provavelmente ainda não se convenceu da ficcionalidade das narrativas fatuais. Afinal, não é possível que as matérias que lemos no jornal, as reportagens de televisão, as notícias do rádio e os documentários sejam ficções. Eles falam sobre os fatos, sobre a realidade, não são inventados como em um livro qualquer de literatura ou um filme de super-heróis.
Obviamente, as diferenças entre a narrativa jornalística e a literária são evidentes, mas elas estão ancoradas mais na ética do que na técnica. A credibilidade dos profissionais do jornalismo e da história não está atrelada à técnica ou ao estilo do qual se utilizam para relatar suas descobertas. O que existe é um acordo tácito (não escrito) entre os profissionais e a população, de que todo relato será o mais fiel à realidade quanto for possível, de que o contraditório será ouvido (de que serão ouvidos ‘os dois lados’), de que tudo será devidamente checado e de que nenhuma informação importante será omitida ou adulterada.
Mas, quando se trata de técnica e de linguagem, tanto a narrativa jornalística quanto a literária são consideradas ficções (tanto na forma quanto no conteúdo). A doutora em literatura Daisi Vogel vai além e diz que ambas são igualmente inventadas, ‘porque dependem dos recursos da imaginação, que operam a memória, para recordar, reconhecer, relacionar e ordenar narrativamente os eventos apurados ou testemunhados’.
O historiador estadunidense Hayden White (1928-2018) também pensava dessa forma. Em seu artigo ‘O texto histórico como artefato literário’, o teórico afirmava que nenhum conjunto de acontecimentos históricos casualmente registrados pode, por si só, constituir uma estória (ficção). Os acontecimentos são convertidos em estória pela supressão de alguns deles e pelo realce de outros, por caracterização, variação do tom e do ponto de vista, pelo uso de estratégias descritivas e assim por diante. Em resumo, pelo uso de todas as técnicas e estratégias que normalmente se encontram no enredo de uma obra de ficção.
Embora as narrativas jornalísticas busquem a verdade e a precisão das informações, qualquer relato de acontecimento é influenciado por elementos subjetivos do indivíduo, como sua visão de mundo e suas experiências pessoais
De fato, a fronteira que costumamos estabelecer entre fato e ficção é ilusória e agradável, porque nos faz acreditar que é possível existir neutralidade e completa objetividade ao relatar um acontecimento, ao noticiar um fato, ao contar uma história. Mas, na verdade, não há narrativa tão fatual quanto o próprio fato acontecido.
Por mais incômodo que isso possa ser, o melhor a se fazer é admitir a ficcionalidade das narrativas fatuais, admitir que todo relato tem uma carga de subjetividade e que qualquer fato será narrado de formas diferentes por pessoas diferentes. Ciente disso, você terá uma visão mais crítica sobre o conteúdo que consome.
Não significa que você deve passar a desacreditar de tudo que lê ou assiste. O jornalismo tem um papel crucial na nossa sociedade e os veículos mais sérios têm ciência de sua responsabilidade e possuem seus códigos de ética. Até mesmo os meios de comunicação alternativos (que estão fora da grande mídia) podem ser levados em conta na hora de se buscar uma informação. O mais importante é você não se restringir a uma única fonte. Buscar fontes variadas e ouvir diferentes versões sobre um mesmo acontecimento nos ajuda a minimizar os efeitos da subjetividade intrínseca às narrativas e a ter uma visão mais clara dos fatos.
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