O conflito entre um arranjo antiferromagnético e a distribuição dos spins em um triângulo é o exemplo mais famoso de frustração magnética. Embora pareça algo inconveniente do ponto de vista prático – por gerar incompatibilidade entre o ordenamento dos spins e sua localização espacial –, a frustração tem uma vantagem importante: introduz novos efeitos no fenômeno do magnetismo.
Um desses efeitos é o da degenerescência. Em física, dizemos que dois estados são degenerados quando suas configurações microscópicas são distintas, mas seu resultado físico é o mesmo. Por exemplo, esses estados têm a mesma energia.
Esse é o caso de três spins distribuídos espacialmente de forma a ocupar os vértices de um triângulo: ao fixarmos um par deles em um arranjo antiferromagnético, o terceiro spin será necessariamente paralelo a um dos dois, não importando sua orientação (figura 1B).
Temos, assim, configurações diferentes que levam ao mesmo resultado final: duas ‘ligações’ terão spins antiparalelos (sentidos opostos), e uma ‘ligação’ terá spins paralelos (mesmo sentido).
A existência de estados degenerados deixa marca indeléveis a baixas temperaturas. Por exemplo, se o número de estados degenerados for muito grande, o sistema ficará ‘passeando’ entre eles e evitará chegar a um estado ordenado final, em que os spins ficam congelados em uma determinada direção.
Essa situação, em que os spins não têm ordem, mas não estão completamente livres para se rearranjarem, é conhecido como líquido de spin – por analogia com os líquidos usuais. Portanto, temos aqui a resposta para a pergunta feita mais acima neste artigo: um sistema magnético na presença de frustração magnética comporta-se como um líquido da matéria ordinária.
Vale repetir: de possível empecilho, a frustração magnética passou a ser algo fundamental para explorarmos uma fase inusitada da matéria.
Para entendermos melhor a degenerescência, vamos olhar em mais detalhes os diferentes estados magnéticos da matéria. No caso de um estado ordenado magneticamente – como ocorre no ferromagnetismo –, só há dois estados possíveis: todos os spins apontando ou para ‘cima’, ou para ‘baixo’.
Por sua vez, no estado paramagnético, cada spin é independente dos demais. Isso permite inverter suas direções à vontade, o que leva a uma total liberdade de movimento e grande degenerescência.
Já o líquido de spin representa uma situação intermediária: há alguma liberdade local de movimento para os spins, mas é preciso levar em conta as vizinhanças de um spin para saber como ele pode se mover.
É justamente essa ideia – a de o movimento do spin estar vinculado ao de seus vizinhos em um sistema sem ordem magnética – que dá origem às propriedades inusitadas dos líquidos de spin.