Ecoansiedade como resposta à crise ambiental

Centro de Ciências da Natureza
Universidade Federal de São Carlos – campus Lagoa do Sino
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A constante exposição a notícias alarmantes sobre a crise ambiental intensifica a chamada ‘ecoansiedade’, afetando a saúde mental e a motivação para agir. O desafio está em equilibrar informação científica com esperança realista. As estratégias incluem promover o engajamento coletivo e a confiança em nossa própria capacidade de lidar com o problema, por meio de uma comunicação mais encorajadora, reforçando a importância da ação consciente contra a degradação ambiental.

CRÉDITO: ILUSTRAÇÕES ANGELO ABU

“Temperatura média global é a maior desde o início das medições”. “Perda de biodiversidade se aproxima do ponto de não retorno”. “Incêndios batem recorde no Pantanal e na Amazônia”. “Temporada de tornados será a mais devastadora em décadas”. Manchetes como essas se tornaram cotidianas e, se por um lado, deixam claro a gravidade e urgência da atual crise ambiental, por outro, apontam para um cenário apocalíptico e desesperançoso. 

Toda essa enxurrada de notícias aterradoras, reforçada pelo sensacionalismo de parte da mídia e pela exposição exagerada a informações veiculadas na internet e nas redes sociais, nos afeta emocionalmente, comprometendo nossa percepção de autoeficácia – a confiança em nossa própria capacidade de lidar com o problema.

Por se tratar de uma crise global, cuja solução demanda transformações profundas nos diferentes setores da sociedade, é de suma importância que a população seja devidamente esclarecida e sensibilizada sobre os problemas ambientais. 

No entanto, tão importante quanto divulgar os dados científicos é possibilitar às pessoas o devido preparo emocional e a força de vontade para o enfrentamento da degradação ambiental. Nesse sentido, a comunicação da crise ecológica, seja ela feita pelos noticiários, relatórios técnicos ou livros didáticos, tem se mostrado eficiente como alerta, mas pouco promissora em seu potencial de mobilização.

A comunicação da crise ecológica, seja ela feita pelos noticiários, relatórios técnicos ou livros didáticos, tem se mostrado eficiente como alerta, mas pouco promissora em seu potencial de mobilização

O que é a ecoansiedade?

A atual crise ambiental já é um fator reconhecidamente impactante sobre a saúde mental das pessoas. A iminência de catástrofes climáticas, a perda gradativa dos recursos naturais e dos serviços ecossistêmicos e a incerteza da manutenção da vida no planeta tal como a conhecemos são alguns dos fatores que geram emoções como medo, ansiedade e desespero. 

Esse mal-estar causado pela crise ambiental se tornou um interesse específico da psicologia há menos de duas décadas, tornando-se conhecido como ‘ecoansiedade’. Por vezes, pode ser referido também como ‘luto ecológico’, ‘ecodepressão’, ‘solastalgia’ ou, ainda, ‘ansiedade climática’, quando mais diretamente relacionado às mudanças no clima. 

Classificada como um tipo de emoção moral, decorrente do cuidado inspirado pela crise ecológica, a ecoansiedade não se caracteriza necessariamente como um quadro patológico e sequer é considerada um transtorno mental. Na verdade, ela pode até agir como força motivadora de condutas pró-ambientais ou, contrariamente, pode atuar como fator paralisante e desmotivador. 

A iminência de catástrofes climáticas, a perda gradativa dos recursos naturais e dos serviços ecossistêmicos e a incerteza da manutenção da vida no planeta tal como a conhecemos são alguns dos fatores que geram emoções como medo, ansiedade e desespero

Os principais atingidos

Diversos fatores psicossociais podem influenciar os efeitos da ecoansiedade sobre o indivíduo, e compreendê-los pode ajudar a minimizar seus impactos negativos e potencializar os positivos. Como é de se esperar, a ecoansiedade é mais frequente em pessoas que vivem em maior contato com a natureza, sobretudo aquelas afetadas diretamente por problemas ambientais, como enchentes, queimadas e escassez de recursos naturais. 

Outro grupo particularmente propenso à ecoansiedade é o de profissionais e militantes que atuam na área ambiental. A proximidade destes com os impactos ambientais, a frequência e profundidade com que acessam os dados científicos e uma tendência a maior sensibilidade em relação à temática ambiental são vistos como principais fatores de vulnerabilidade desse público à ecoansiedade. 

A faixa etária é outro importante fator de propensão à ecoansiedade, sendo mais frequente em crianças, adolescentes e jovens. Uma pesquisa publicada em 2021 na revista científica The Lancet Planetary Health entrevistou 10 mil pessoas entre 16 e 25 anos, de 10 países, e revelou que quase dois terços delas se dizem muito ou extremamente preocupadas com as mudanças climáticas. Esse grupo também parece ser o mais suscetível a desenvolver efeitos negativos da ecoansiedade (figura 1).

Figura 1. Preocupação com as mudanças climáticas e o impacto no funcionamento das vidas dos consultados. Foram ouvidas 10 mil pessoas, sendo mil pessoas em cada um dos seguintes países: Austrália, Brasil, Finlândia, França, Índia, Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos

CRÉDITO: ADAPTADO DE ‘CLIMATE ANXIETY IN CHILDREN AND YOUNG PEOPLE AND THEIR BELIEFS ABOUT GOVERNMENT RESPONSES TO CLIMATE CHANGE: A GLOBAL SURVEY’. HICKMAN, CAROLINE ET AL. THE LANCET PLANETARY HEALTH, V. 5, N. 12, PP. 863-E873.

A mesma pesquisa mostrou que emoções negativas relacionadas às mudanças climáticas, como tristeza, medo, raiva, ansiedade, desamparo e culpa, são relatadas por, pelo menos, metade do público infantojuvenil (figura 2). E praticamente a metade dos entrevistados (45%) afirmam que os sentimentos negativos provocados pelas alterações climáticas afetam significativamente o seu dia a dia, em tarefas como comer, estudar ou se divertir. 

Vale lembrar que outros fatores, como desigualdade intergeracional, precarização do trabalho e efeitos colaterais das redes sociais, agravam o quadro mental desse público, levando a índices atuais de ansiedade e depressão sem precedentes entre adolescentes e jovens adultos mundo afora.

Figura 2. Emoções negativas relacionadas às mudanças climáticas são relatadas por, pelo menos, metade do público infantojuvenil

CRÉDITO: ADAPTADO DE CLIMATE ANXIETY IN CHILDREN AND YOUNG PEOPLE AND THEIR BELIEFS ABOUT GOVERNMENT RESPONSES TO CLIMATE CHANGE: A GLOBAL SURVEY. HICKMAN, CAROLINE ET AL. THE LANCET PLANETARY HEALTH, V. 5, N. 12, PP. 863-E873.

A mesma pesquisa mostrou que emoções negativas relacionadas às mudanças climáticas, como tristeza, medo, raiva, ansiedade, desamparo e culpa, são relatadas por, pelo menos, metade do público infantojuvenil

Fatores de vulnerabilidade

A combinação de diferentes fatores de vulnerabilidade à ecoansiedade em alguns grupos pode gerar situações ainda mais preocupantes. Esse parece ser o caso de jovens estudantes que se preparam para seguir carreira na área ambiental. 

Um estudo com 250 estudantes de ciências biológicas de seis universidades brasileiras, publicado em 2022, mostrou que 94% deles se dizem mentalmente afetados em algum grau pelos problemas ambientais. Quase dois terços afirmam que estudar os problemas ambientais piora sua saúde mental em algum grau. E 84% se dizem pessimistas ou muito pessimistas em relação ao futuro das questões ambientais (figura 3). 

É alarmante que esses futuros profissionais, justamente os que estarão em breve na linha de frente das questões ambientais, reajam emocionalmente mal, à medida que se aprofundam no conhecimento sobre a crise ecológica. 

Apesar de se referir a uma parcela muito específica da população, a situação desse grupo de estudantes é muito esclarecedora em relação ao potencial dano da ecoansiedade e sua consequente desmotivação na batalha para reverter a degradação ambiental.

Figura 3. No gráfico, é possível ver os resultados de uma pesquisa feita em 2022 com 250 estudantes de ciências biológicas de seis universidades públicas brasileiras sobre como eles avaliam sua saúde mental e como os problemas ambientais os afetam, entre outras questões

CRÉDITO: ADAPTADO DE SÃO PEDRO, V. A., TRIERVEILER-PEREIRA, L., & BALTAZAR, J. M. (2022).

Engajamento ambiental

Por se tratar de um fenômeno relativamente recente, com consequências gerais ainda pouco compreendidas, ainda há pouca informação na literatura sobre como lidar com a ecoansiedade e, sobretudo, como evitar seu potencial efeito desmotivador na luta contra a crise ambiental. 

Do ponto de vista do cuidado individual, além das recomendações usuais em casos gerais de ansiedade, os psicólogos recomendam também ações específicas, como evitar o consumo excessivo de notícias negativas, especialmente aquelas de teor sensacionalista. 

De fato, diversos estudos destacam a superexposição a informações perturbadoras como um dos principais fatores causadores de ansiedade. Em tempos de hiperconectividade e desinformação, é particularmente importante estar atento à confiabilidade das fontes de informação e estabelecer uma frequência equilibrada de acesso a esse tipo de conteúdo. 

Outra medida de autocuidado recomendada é transformar a preocupação em ação, tomando parte em atividades e práticas sustentáveis. Essa também é considerada uma forma de reduzir sentimentos de culpa e impotência associados à crise ambiental.

Como a solução da crise ambiental exige medidas amplas, o engajamento deve ser entendido como algo que vai além das práticas sustentáveis individuais – requer envolvimento ativo em soluções coletivas. Por isso, a ecoansiedade deve ser enfrentada não apenas para reduzir o sofrimento psicológico, mas também para evitar que afete a disposição das pessoas em se engajar. 

Embora válidas, as medidas citadas acima tratam apenas dos efeitos individuais da ecoansiedade, com pouco potencial de mitigar seus efeitos sistêmicos. Para impedir que essa emoção desestimule a transformação social, é essencial ir além das iniciativas de remediação individual e adotar uma abordagem ativa e preventiva na comunicação sobre a crise ambiental.

Ao destacarem os prognósticos catastróficos da crise ambiental, muitas vezes omitindo ou desconsiderando as alternativas de luta e superação da crise, jornalistas, ambientalistas, cientistas e professores parecem apostar majoritariamente no medo como estratégia de convencimento. 

Ainda que bem intencionada, essa abordagem ignora que o medo, embora importante para a tomada de consciência acerca de uma ameaça, pode levar à inação, à negação e a evitar o problema, especialmente quando a opção pelo seu enfrentamento envolve grandes riscos e incertezas. 

Se quisermos não apenas conscientizar a sociedade sobre a crise ecológica, mas também potencializar o engajamento ambiental, devemos nos empenhar no uso de uma linguagem mais equilibrada, contrapondo a mera exposição de dados alarmantes com a apresentação de argumentos motivadores. 

Estudiosos da ecoansiedade afirmam que o otimismo e a esperança realistas – isto é, quando não baseados em negação da realidade – estão entre os fatores que mais contribuem para a prática de comportamentos pró-ambientais. Nesse sentido, garantir que se mantenha uma perspectiva positiva no horizonte de possibilidades para o futuro é tarefa fundamental na luta contra a degradação ambiental. 

Mas como oferecer uma perspectiva positiva e, ao mesmo tempo, realista, sem omitir fatos e dados científicos, em sua maioria assustadores?

Isso reforça a responsabilidade que cientistas, docentes e demais comunicadores da crise ambiental devem ter com a manutenção de uma atmosfera minimamente viável para o surgimento de respostas à altura dos desafios ecológicos atuais

Otimismo pé-no-chão

O célebre astrônomo norte-americano Carl Sagan (1934-1996) disse certa vez que “o ceticismo e o otimismo devem andar de mãos dadas”. Por mais céticos que sejamos em relação à solução para a crise ambiental, enquanto o planeta ou a espécie humana ainda não estiverem definitivamente condenados, significa que ainda há chances de ao menos minimizar as perdas. 

Essa pode não soar como a perspectiva mais estimulante, mas vale lembrar que a alternativa restante – a inação – é a única opção inevitavelmente fadada ao fracasso. Aceitar essa constatação de modo racional e pragmático é o primeiro passo para incorporarmos um discurso mais encorajador em relação à crise ambiental.

Devemos lembrar também que, apesar da recente campanha para descrédito da ciência encampada por parte de certos segmentos da sociedade, cientistas e professores ainda são capazes de exercer forte influência como formadores de opinião. 

Na última pesquisa sobre percepção pública da ciência no Brasil, divulgada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos do governo federal em 2023, cientistas de instituições públicas e representantes de organizações ambientais aparecem entre os profissionais mais confiáveis, segundo a população. 

De modo semelhante, na pesquisa mencionada anteriormente com 250 estudantes do curso de ciências biológicas, 84% deles afirmaram que a opinião pessoal de seus professores influencia em alguma medida suas expectativas sobre o futuro. 

Isso reforça a responsabilidade que cientistas, docentes e demais comunicadores da crise ambiental devem ter com a manutenção de uma atmosfera minimamente viável para o surgimento de respostas à altura dos desafios ecológicos atuais. 

É imprescindível nos movermos de uma posição cética e resignada para uma postura proativa, construtiva e esperançosa. Só assim teremos uma sociedade emocionalmente apta a enfrentar a crise ambiental com chances reais de vitória.

Por mais céticos que sejamos em relação à solução para a crise ambiental, enquanto o planeta ou a espécie humana ainda não estiverem definitivamente condenados, significa que ainda há chances de ao menos minimizar as perdas

QuadroFinal

Dicas para amenizar a comunicação sobre crise ambiental

Evite ser totalmente negativo: Mencione estudos de casos positivos, além de conquistas e avanços recentes no combate à degradação ambiental. Aponte possíveis soluções, mesmo que elas ainda sejam apenas teóricas. Quando pertinente, destaque o potencial de novas tecnologias para auxiliar na resolução de problemas ambientais específicos. Ainda que sua perspectiva pessoal seja pessimista, crie condições para que os outros possam escolher seu próprio ponto de vista.

Reforce os pontos de apoio: Promova a confiança em instituições engajadas na luta contra a crise ecológica, como organizações socioambientais e institutos de pesquisa. Ajude a valorizar empresas e políticos verdadeiramente comprometidos com a causa ambiental. Isso diminui a sensação de ‘luta solitária’, ao mesmo tempo que estimula a replicação de boas práticas ambientais por diferentes atores e setores da sociedade.

Divida o fardo: Evite passar a ideia de que a culpa da crise ambiental ou suas soluções se restringem a determinados indivíduos ou a grupos sociais específicos. Em vez disso, reforce a importância das ações coletivas e incentive a participação em organizações sociais (coletivos, partidos políticos, ONGs etc), assim como a cobrança aos poderes público e privado. 

Promova a autoeficácia: No contexto específico de sala de aula, sugira tarefas e atividades que desafiem os estudantes a encontrar soluções práticas para problemas ambientais. A aprendizagem baseada em problemas pode fortalecer a autoconfiança dos futuros profissionais, ao mesmo tempo que torna as soluções mais acessíveis e palpáveis.

Ofereça exemplos inspiradores: Sempre que possível, mencione exemplos de pessoas, iniciativas e projetos a serem seguidos. Relembre o nome de figuras importantes da história (ativistas, cientistas, lideranças etc.), destacando os aspectos mais inspiradores de suas lutas e histórias de vida. Exemplos como esses podem ter grande influência sobre as posturas e decisões assumidas pelas pessoas, especialmente entre o público mais jovem.

CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS – CGEE. (2023). Percepção pública da C&T no Brasil. Disponível em: https://percepcao.cgee.org.br/estudo

De Oliveira Gil, T. M. T. (2024). Preocupação Ambiental, Emoções associadas aos Problemas Ecológicos e Ação pelo Ambiente – Resultados de uma amostra de estudantes do Ensino Superior. Tese de Doutorado. Universidade de Coimbra.

Hickman, C., Marks, E., Pihkala, P., Clayton, S., Lewandowski, R. E., Mayall, E. E. & Van Susteren, L. (2021). Climate anxiety in children and young people and their beliefs about government responses to climate change: a global survey. The Lancet Planetary Health, 5(12), e863-e873.

Layrargues, P. P., & Sato, M. (2024). Se o mundo vai acabar, por que deveríamos reagir?: a agenda da educação ambiental no limiar do colapso ambiental. Editora da Universidade de Brasília. Brasília – DF. Disponível em: https://livros.unb.br/index.php/portal/catalog/view/600/833/7656

São Pedro, V. A., Trierveiler-Pereira, L., & Baltazar, J. M. (2022). Adapt conservation biology teaching to address eco-anxiety in students. PLoS Biology, 20(9), e3001774.

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