Para grande parte das pessoas, a Etiópia é sinônimo de fome, doenças e outros problemas relacionados à extrema pobreza. O país, no entanto, tem uma história peculiar, assim como personagens que se destacam na jornada pela educação, pela ciência e pela democracia, como é o caso do físico Mulugueta Bekele.
A Etiópia é um dos mais antigos países do mundo. Suas raízes remontam ao século 10 a.C, quando teve origem o regime monárquico conhecido como Dinastia Etíope.
Ao longo de toda a sua história, a Etiópia manteve sua independência. É um dos dois únicos países do continente africano que não foi colonizado por europeus – o outro é a Libéria. Embora tenham escapado da colonização, os etíopes tiveram de se opor, já no século 20, a uma tentativa de exploração pelos italianos e também ao domínio do Império Árabe. Hoje, a população conserva sua forte tradição cristã – que teve origem ainda no século 4 –, embora o país também seja berço da mais antiga população muçulmana na África e atualmente um terço de seus habitantes sejam muçulmanos.
O regime monárquico na Etiópia permaneceu até o século 20. A queda da monarquia aconteceu na década de 1970, período em que uma seca prolongada levou à escassez de alimentos e à morte de milhares de pessoas. A situação motivou a realização de greves e passeatas em todo o país em 1974, quando a Dinastia Etíope foi então deposta por militares que planejavam estabelecer um regime socialista, com o Estado controlando a economia. Parte da população da Etiópia se opunha ao golpe militar e oferecia resistência ao novo governo, o que provocou conflitos frequentes com as forças governamentais e milhares de mortes.
Na década de 1980, os militares aumentaram a repressão, com perseguições e prisões em massa. Nesse período, a ocorrência de outras grandes secas – que novamente causaram milhares de mortes –, entre outros fatores, fizeram a economia etíope entrar em crise, aumentando a insatisfação popular. Em 1991, quando houve a dissolução da União Soviética, o governo militar etíope perdeu seu principal aliado e foi deposto pelas forças populares de oposição. Em 1995, a Etiópia ganhou uma nova Constituição e se tornou uma república federativa, com regime parlamentarista.
Mas qual o papel de Mulugueta Bekele nessa história?
Bekele nasceu em Arsi, na Etiópia, em 1947. Formou-se em física em 1970 pela Universidade Haile Selassie I, atualmente chamada Universidade de Addis Abeba (AAU). Em seu último ano de graduação, por ser o único estudante de física da instituição, teve a oportunidade de frequentar a Union College, uma faculdade privada em Nova Iorque, nos Estados Unidos, para concluir seus estudos. Em 1973, seguiu para um mestrado em física pela Universidade de Maryland, também nos Estados Unidos. Depois, retornou à Etiópia como professor no Departamento de Física da Universidade de Addis Abeba.
Enquanto Bekele investia em seu desenvolvimento acadêmico, a Etiópia vivia o conturbado período de deposição da monarquia pelo golpe militar e posterior resistência das forças populares de oposição. Nessa época, Bekele também participou da organização de manifestações na luta pela democracia. Por sua atuação contra o governo militar, foi preso duas vezes – na primeira, em 1978, ficou nove meses na prisão e na segunda, em 1979, permaneceu seis anos.
Em 1987, aos 39 anos, Bekele já estava livre e voltou à Universidade de Addis Abeba para lecionar. Em 1991, ingressou no Instituto Indiano de Ciência de Bangalore, onde concluiu seu doutorado em física. Em 1998, tornou-se membro associado sênior do Centro Internacional de Física Teórica Abdus Salam (ICTP), instituição com sede na Itália que opera por meio de um acordo entre o governo italiano, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e Agência Internacional de Energia Atômica. Bekele foi também um dos fundadores da Sociedade Física Etíope, onde atuou como presidente por quatro anos.
Por seus esforços em defesa dos direitos humanos, da liberdade de expressão e da educação no mundo, Bekele recebeu, em 2012, o Prêmio Andrei Sakharov, uma premiação internacional pela liberdade de pensamento.
Bekele viu na ciência, na educação e na física uma forma de se manifestar e ajudar na luta pela democracia. Ele se tornou uma importante figura no campus da Universidade de Addis Abeba. Sua história e experiência servem de inspiração para outros pesquisadores e para jovens estudantes etíopes, contribuindo para a formação de uma nova geração que, ao invés de sair do Etiópia, investe na educação e na tecnologia do próprio país.
Mulugueta Bekele se tornou exemplo vivo de como a ciência pode mudar vidas e, até mesmo, toda a sociedade, e de como o acesso ao conhecimento científico pode revolucionar e ser um verdadeiro braço da democracia.
Ana Carolina da Hora
Projeto Ogunhê
Janderson Pereira Toth
Programa de Pós-graduação em Informática,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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