Doutor Voronoff e sua estranha fórmula da juventude

Instituto de Microbiologia Paulo de Góes
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Com promessa de curas milagrosas, médico fez fama e fortuna transplantando testículos de macacos para humanos no início do século 20, com direito à marchinha no carnaval carioca

CRÉDITO: WIKIMEDIA COMMONS

Serge Voronoff (1866-1951) foi um médico russo, radicado na França, que ficou rico e famoso na Europa, oferecendo um tratamento inusitado para rejuvenescer seus pacientes: um enxerto de testículos de macaco. Voronoff prometia vigor, disposição e um rejuvenescimento de até 30 anos a seus transplantados.

Voronoff nasceu na pequena vila de Shekhman, na Rússia. Não sabemos muito sobre sua infância, mas, aos 18 anos, ele decidiu estudar medicina em Paris. Bom aluno, ele se tornou pupilo de um famoso cirurgião, Alexis Carrel (1873-1944), que recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1912 por desenvolver técnicas de sutura em vasos sanguíneos. Dr Carrel foi o tutor ideal para Voronoff, que aprendeu técnicas de cirurgia, incluindo transplantes de órgãos e enxertos (a transferência de tecidos de um organismo para outro).

Em 1889, Voronoff trabalhou com o médico Adolphe Brown-Séquard (1817-1894), que defendia o uso de tecidos e, principalmente, glândulas sexuais de animais para promover o rejuvenescimento e a saúde humana. Essa prática era conhecida como “opoterapia”, mas não tinha respaldo científico. Além do mais, muito pouco se sabia sobre hormônios sexuais naquela época. A testosterona, por exemplo, só foi isolada e estudada em detalhes em 1929. Tudo isso era irrelevante para o Dr. Brown-Sequard, que chegou a injetar a si próprio com um extrato de testículos de cachorros e porquinhos-da-índia. Ele não obteve qualquer resultado, e seu experimento foi ridicularizado pela classe médica. Mas Voronoff não desanimou e concluiu que a simples ingestão de extratos de glândulas não seria suficiente para promover o rejuvenescimento. Ele acreditava que os reais benefícios somente seriam colhidos se as glândulas fossem transplantadas ainda intactas de um animal mais jovem.

No início, ele se dedicou a estudar animais e fez centenas de transplantes e enxertos de testículos em cavalos, bois, bodes, cabras e outros bichos, sempre relatando efeitos miraculosos

Surpreendido pelo eunucos

Em 1896, Voronoff se mudou para Cairo, no Egito, onde trabalhou como médico na corte do sultão e em um hospital da cidade por 14 anos. No Egito, ele pôde observar e examinar pacientes muito peculiares, bem diferentes de pessoas que encontrou na Europa, os eunucos. Eunucos são homens que tiveram seus órgãos sexuais (em parte ou por inteiro) castrados na infância, seja pela remoção ou por algum outro método que causa a morte do tecido. Voronoff observou que os pacientes eunucos adultos apresentavam características femininas. Eunucos podem ter pouco ou nenhum pelo no corpo, sua voz permanece aguda após a puberdade, desenvolvem ginecomastia (acúmulo de gordura nas mamas) e a pelve alargada.

Voronoff também reportou que os eunucos eram menos musculosos e apresentavam movimentos letárgicos, além disso, ele questionou a inteligência desses pacientes, que considerava abaixo da média. Os eunucos egípcios também eram obesos e tinham muitas doenças, e uma expectativa de vida abaixo da média da população do país. Essas observações reforçaram a crença de Voronoff sobre a importância dos testículos para o desenvolvimento de certas características. Nesse ponto ele estava certo, a testosterona, um hormônio que promove o dimorfismo sexual, ou seja, as características associadas ao gênero masculino, é produzida nos testículos (as gônadas masculinas). Mas naquela época a testosterona e seus efeitos sobre a fisiologia humana ainda não eram bem conhecidos, e a pesquisa de Voronoff era, na verdade, apenas especulação.

Em 1910, Voronoff retornou à França e decidiu aprofundar sua pesquisa sobre o assunto. No início, ele se dedicou a estudar animais e fez centenas de transplantes e enxertos de testículos em cavalos, bois, bodes, cabras e outros bichos, sempre relatando efeitos miraculosos. Ele testou até transplantes entre diferentes espécies de animais. Segundo seus relatos, os animais rejuvenesciam e se tornavam mais fortes e vigorosos. Em 1913, uma oportunidade bateu à porta, e Voronoff fez seu primeiro transplante em humanos, mas não com testículos ainda. Ele transplantou uma glândula tireóide de macaco para um menino de 13 anos com hipotireoidismo. Ele reportou a cirurgia como um sucesso absoluto, com franca recuperação do paciente.

Os anos seguintes foram marcados pela Primeira Guerra Mundial, que tinha como palco principal a Europa. Voronoff trabalhou como médico de campo, em hospitais de campanha do exército francês e realizou muitas cirurgias bem-sucedidas, ganhando uma reputação de bom médico. Voronoff nunca abandonou sua pesquisa e suas ideias sobre os enxertos de glândulas, especialmente transplantes entre espécies. Existem até relatos de que ele teria feito um enxerto de osso de um macaco para um soldado ferido.

Homens milionários em busca de rejuvenescimento faziam fila na sua clínica em Paris, pacientes do mundo inteiro buscavam sua ajuda

Teste em humanos

Estimulado pelos resultados de seus experimentos em animais, Voronoff decidiu testar sua técnica em humanos. O primeiro xenotransplante (transplante de órgãos e tecidos entre diferentes espécies) de testículo de símio para humano ocorreu em algum momento entre 1916 e 1920. A incerteza das datas se deve à pouca documentação histórica do caso. De qualquer maneira, Voronoff coletou testículos de macacos do gênero Cynocephalus, os babuínos, fez fatias muito finas desse tecido, e as enxertou nos testículos de um homem de 74 anos, diagnosticado com senilidade. Os resultados registrados pelo médico não foram menos do que milagrosos. De acordo com Voronoff, o paciente recobrou o vigor físico, se curou da senilidade e acabou com a sua perda de memória. Esse padrão de resultados sempre se repete em sua autoproclamada obra, Voronoff era um gênio da propaganda. Sempre com sucesso, na década de 1920, ele reportou ter realizado mais de uma centena dessas cirurgias, mas, novamente, a documentação histórica desses fatos é muito vaga.

Pesquisas demonstraram que administração de testosterona não era suficiente para restaurar ou rejuvenescer tecidos e organismos como Voronoff pregava

Castelo e marchinha

Por incrível que pareça, o tratamento de Voronoff se tornou um grande sucesso na Europa! Homens milionários em busca de rejuvenescimento faziam fila na sua clínica em Paris, pacientes do mundo inteiro buscavam sua ajuda. No melhor estilo cientista maluco, Voronoff comprou até um castelo na França (o Castelo Grimaldi) e transformou os jardins do castelo em um criadouro para macacos para abastecer a demanda por enxertos de testículos dos animais. Essa propriedade ficou conhecida como Castelo de Voronoff, e um antigo tratador de animais de circo era responsável por manter os macacos.

Voronoff viajou por toda Europa, além de vários países do mundo, promovendo seu rejuvenescimento milagroso. Ele até visitou o Brasil em 1928, quando participou de seminários médicos, demonstrou sua técnica cirúrgica em universidades pelo país, e, para completar, até inspirou a   Seu Voronoff, na   dos grandes Lamartine Babo e João Rossi:

“Toda gente agora pode
Ser bem forte, ser um taco
Ser bem ágil como um bode
E ter alma de macaco
A velhice na cidade
Canta em coro a nova estrofe
Já se sente a mocidade
Que lhe trouxe o Voronoff”

A sorte de Voronoff foi se acabando à medida que seus pacientes envelheciam. Os benefícios dos enxertos desapareciam rapidamente. Voronoff argumentava que isso era causado pela morte da glândula transplantada, e que poderia corrigir o problema com um novo enxerto, com uma nova cobrança, é claro. Mas isso não era tudo. Novas descobertas sobre hormônios sexuais foram se empilhando, até que, em 1935, a testosterona foi sintetizada no laboratório, estando prontamente disponível para pesquisas clínicas. Essas pesquisas demonstraram que administração de testosterona não era suficiente para restaurar ou rejuvenescer tecidos e organismos como Voronoff pregava, e o médico caiu em franco descrédito com a classe médica.

Na década de 1930, Voronoff cessou seus procedimentos e, por pouco, escapou do pesadelo nazista da Segunda Guerra mundial na Europa, pois estava nos Estados Unidos quando o conflito foi deflagrado. Ele faleceu como um homem rico em 1951, porém ridicularizado por cientistas e médicos

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