O autoritarismo e seus tons

A década de 2010 é caracterizada pela ascensão de regimes políticos de vários tons de autoritarismo hostis a pilares da democracia como a liberdade de imprensa e os direitos de minorias. Na já vasta literatura acadêmica acerca do tema, “Como as democracias morrem” se tornou a obra mais citada e, em boa hora, a Editora Zahar publica a tradução brasileira. A ampla circulação do livro se deve à qualidade da análise, ao texto acessível a um público amplo e ao prestígio de seus autores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, cientistas políticos que lecionam em Harvard e são especialistas em processos de construção e queda de democracias.

Levitsky e Ziblatt afirmam que a motivação para escrever o livro foi a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas de 2016, que os levou a questionar se a democracia dos Estados Unidos estaria em risco por causa das atitudes autoritárias do novo mandatário: “O retrocesso democrático hoje começa nas urnas”.Na Guerra Fria,75% das quedas de democracias ocorreram por conta de golpes de Estado.No presente, a erosão das liberdades cívicas se dá por dentro do sistema, com presidentes que enfraquecem as instituições, cerceiam judiciário e mídia, e alimentam a polarização ideológica contra adversários, incitando ódios baseados em racismo, sexualidade e cultura. No limite, provocam violência contra opositores a quem negam a legitimidade. Os autores citam Hungria, Turquia e Venezuela atuais para ilustrar o ponto, e complementam com casos da primeira metade do século 20, como Alemanha e Espanha.

“As democracias funcionam melhor – e sobrevivem mais tempo – onde as constituições são reforçadas por normas democráticas não escritas”, escrevem Levitsky e Ziblatt. Em última análise, são os “códigos de conduta compartilhados” pela elite política, que atuam como freio decisivo a tentativas de subversão dessas regras. Os autores citam vários momentos da história americana, nas décadas de 1930 e 1960, em que esses valores foram cruciais para deter a ação de demagogos, mas discutem sua fragilidade atual em contexto de polarização e de descrença dos cidadãos nas instituições: “Não há nada em nossa constituição nem em nossa cultura que nos imunize contra colapsos democráticos.”

A América Latina é bastante presente no livro, em especial nos casos negativos de destruição democrática na Argentina, Peru e Venezuela. O Chile é citado nesse grupo, mas também como exemplo positivo, com a formação da Concertación entre socialistas e democratas-cristãos na reconstrução do Estado de Direito. O Brasil não aparece na obra, mas o leitor brasileiro encontrará com facilidade as aplicações à situação atual, ressaltadas por Levitsky em várias entrevistas nas quais manifesta sua preocupação com o país.

“Como as democracias morrem” se tornou o livro mais vendido na Amazon do Brasil durante o segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Oxalá o país entre em futuras edições como ilustração do sucesso na resistência e reinvenção democráticas.

Como as democracias morrem
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt; tradução: Renato Aguiar.
São Paulo, Editora Zahar, 272 p., R$ 44,90

Maurício Santoro

Departamento de Relações Internacionais
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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