Em uma sociedade aberta e democrática as ideias podem e devem circular livremente. As mais diversas (eventualmente fantasiosas) explicações competem em busca de apoiadores e evidências. Isso é parte fisiológica da ciência, e da democracia, saudável para o avanço do conhecimento. O problema surge quando são construídas mentiras deliberadas. Ou quando o objetivo não é discutir, mas destruir o debate, deslegitimando o adversário ou até mesmo a ciência.
Nos últimos anos, perigosas afirmações chegaram a fazer parte de declarações de campanhas políticas ou até mesmo programas de governo, como é o caso das “trilhas químicas”, teoria segundo a qual a fumaça de aviões seria agente químico ou biológico jogado na atmosfera para manipular o clima, a saúde ou até mesmo a mente da população. Muitos embates atuais não se dão no campo da discussão com base em argumentos e evidências, mas em um contexto de polarização política e moral em que teorias ou evidências científicas não são refutadas com base em fatos, mas retratadas como mentiras construídas por cientistas corruptos ou imorais.
Longe de pretender analisar ou julgar casos famosos – como o da cura do câncer, supostamente descoberta por um militar brasileiro, ou o do britânico Andrew Wakefield e seu artigo sobre a correlação entre vacinas e autismo, que o levou a ter sua licença médica cassada por fraude –, o ponto de interesse aqui é compreender a ciência da desinformação: por que certas afirmações se espalham e como podemos fortalecer nossas chances de não sermos enganados?
Parte da difusão de teorias alternativas tem origem em pessoas e grupos que acreditam nelas. Algumas pessoas que criticam a obrigatoriedade das vacinações, na Europa, levantam discussões legítimas sobre aspectos específicos da regulação, por exemplo, com respeito aos refugiados. Mas há grupos que espalham, propositalmente, informações inventadas. Circulam, por exemplo, afirmações absurdas sobre relações entre vacinas e dependência de drogas, insinuações sobre vacinas e nazismo, ou sobre supostas substâncias misteriosas (e que não existem) que “causariam” homossexualidade. Por que existem pessoas dispostas a criar suspeitas e ódio?
Uma das razões é monetária: donos de sites podem ganhar dinheiro se o que eles publicam é muito lido, comentado ou compartilhado, e isso estimula a multiplicação de páginas com conteúdo sensacionalista, ou até falso, mas que atraem o público. Há também os que inventam notícias, com fotos e depoimentos, até sobre atentados terroristas ou parentes desaparecidos com a única intenção de ganhar “curtidas”, “retweets”, seguidores.
Existem casos mais sofisticados. No livro Merchants of Doubt (ou Mercantes da Dúvida, em livre tradução), os historiadores Naomi Oreskes e Erik Conway analisam diversos casos – mudanças climáticas, DDT, chuvas ácidas etc. – em que empresas, grupos políticos ou cientistas decidiram “manter vivas” controvérsias, espalhando intencionalmente a dúvida sobre o consenso da comunidade científica, para adiar a tomada de decisão política ou favorecer interesses econômicos. No caso do cigarro, por exemplo, provas científicas da associação com câncer existiam desde o final do século 19. No final do século 20, quando a evidência era esmagadora, empresas do tabaco pagavam jornalistas e médicos para publicarem artigos discutindo causas ambientais associadas a câncer, desviando a atenção do público e diluindo a evidência para adiar a regulamentação.
Em alguns casos, então, o problema não são notícias falsas, fake news, mas sim fake issues, falsas questões, controvérsias construídas para descreditar o valor da evidência científica ou criar no público a sensação de que os cientistas discordam entre si e que, portanto, todas as explicações têm o mesmo valor.
No âmbito da política, segmento mais estudado, as pesquisas revelaram forte circulação de notícias falsas em redes sociais como o Facebook, e uma crendice maior por parte de grupos sociais específicos – nos Estados Unidos, por exemplo, pessoas idosas ou pessoas mais conservadoras. Um aspecto crucial dessa difusão é algorítmico: os algoritmos, que facilitam nossas escolhas online e acesso à informação, podem acabar selecionando informações provenientes de poucas fontes. Quem acessa notícias sensacionalistas, ou de apenas um campo político, corre o risco de entrar em “bolhas” com altas dose de notícias falsas e boatos, sem ter acesso a outras versões. Com uma agravante: as pessoas que mais consomem fake news são exatamente aquelas que tendem a não acessar sites de checagem de fatos.
Uma equipe do MIT estudou 126 mil histórias circuladas na plataforma Twitter ao longo de um ano, para compreender quais aspectos das fake news levam ao compartilhamento maciço. Descobriu-se que os humanos contribuem para a difusão de notícias falsas tanto quanto os sistemas automáticos (bots), devido a fatores emocionais: as notícias falsas tendem a parecer mais surpreendentes do que as verdadeiras, e também mais revoltantes ou assustadoras.
Um outro aspecto alarmante na difusão das fake news é a ineficácia do chamado debunking, isto é, da demonstração, com evidências rigorosas, de que um fato nunca aconteceu ou de que uma notícia é falsa. A desmistificação da desinformação funciona pouco. As pessoas que consomem notícias falsas não acessam os sites de checagem. E, como mostram estudos – como o de David Z. Hambrick e Madeline Marquardt, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, publicado na revista científica Science – algumas pessoas têm dificuldades cognitivas em atualizar sua opinião à luz dos fatos. Além disso, de acordo com pesquisas da Sociedade Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês), quando somos expostos repetidamente a uma afirmação, mesmo sabendo que é falsa, podemos ser influenciados por ela. Portanto, espalhar, como muitos fazem, insinuações, boatos, mentiras, pode destruir a legitimidade de pessoas, teorias, instituições, mesmo quando é evidente a falta de fundamento.
No campo da ciência, a crença em boatos e notícias falsas tende a ser atribuída à ignorância do público, mas diversos estudos, como o de Bastiaan T. Rutjens, psicólogo da Universidade de Amsterdã, na Holanda, mostram que o conhecimento científico nem sempre é o fator que mais influencia nossa chance de acreditar em teorias não fundamentadas. Visões e ideologias têm grande peso no ceticismo sobre ciência. A compreensão da ciência tem um peso na aceitação de vacinas, mas a religiosidade afeta fortemente a chance de uma pessoa ser antivacinação. No caso das mudanças climáticas, o posicionamento político tem peso bem maior do que o conhecimento para influenciar a escolha dos indivíduos: aceitação ou rejeição de determinadas evidências ou explicações científicas tem diferentes raízes, e não podemos considerar que ela dependa apenas de ignorância ou irracionalidade das pessoas.
De acordo com B. Rutjens, há ao menos quatro características que contribuem para a forma como interpretamos fatos e teorias: nossa ideologia, nossa religiosidade nossos valores morais e (em geral, em medida menor) o grau de conhecimento. Em alguns casos, as pessoas confiam na ciência – como método e instituição – mas não aceitam resultados ou consensos em uma área específica (por exemplo: não acreditam na teoria da evolução). Em outros casos, há pessoas com uma desconfiança sobre a ciência em geral.
Em artigo publicado na revista científica Plos One, os psicólogos Stephan Lewandowsky, Gilles E. Gignac e Klaus Oberauer, confirmam que, posições políticas conservadoras, bem como posições favoráveis ao livre mercado, tendem a aumentar a chance de uma pessoa não acreditar em evidências sobre mudança climática. E tem mais: o “negacionismo climático” não depende da ignorância das pessoas, pelo contrário, em contextos de polarização política, pode aumentar ao crescer no nível educacional ou de acesso ao conhecimento científico. A oposição a determinadas áreas ou resultados da ciência não se origina, nestes casos, da falta de conhecimento, mas de estilos cognitivos, modos de pensamento diferentes. Pessoas que tendem a acreditar em teorias da conspiração têm maior chance de rejeitar em bloco as afirmações de tipo científico em diversas áreas, enquanto que pessoas defensoras do liberalismo econômico tendem a ver com desconfiança o tema das mudanças climáticas, mas não o das comidas transgênicas.
Um dos mecanismos que mais afeta nossa convicção e confiança é chamado, por alguns cientistas cognitivos, raciocínio motivado. É uma forma de tomar decisões afetada pela emoção, um viés que consiste em desconsiderar informações e argumentos que entram em conflito com nossas crenças e, ao mesmo tempo, aceitar e valorizar toda afirmação ou dado que confirme nossas convicções. O aspecto talvez mais interessante
é que o conhecimento não nos torna imunes a tais processos. Pessoas que mais conhecem sobre um tema, pode eventualmente ser até mais seletivas em usar informações que confirmam suas crenças. Paul Slovic, especialista de estudos de percepção e professor de psicologia na Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, mostra que, em um contexto de polarização política, as habilidades cognitivas e o grau de conhecimento não tornam as pessoas mais capazes de tomar decisões com base em fatos.
As propostas para enfrentar as fake news são inúmeras: tecnológicas, jurídicas, educacionais, políticas. Nenhuma, sozinha, é suficiente. A complexidade do problema é tamanha que a Comissão Europeia encomendou um relatório específico para um grupo de especialistas. O comitê concluiu que o problema vai muito além das notícias falsas: compreende formas variadas de desinformação, que incluem propaganda política ou publicidade de produto mascaradas de informação, difamação, incitação
ao ódio. Os efeitos desta desinformação – afirmam os experts – podem ser muito sérios, mas soluções simplificadas, como a censura, não têm chance de funcionar, e podem ser perigosas. Mais seguro seria trabalhar em, pelo menos, cinco frentes:
1. Transparência dos veículos de notícias: deixar claro quem paga um veículo para impulsionar informações, que meios são usados para amplificar a visibilidade etc.
2. Alfabetização informacional: aumentar a competência dos públicos em compreender como funcionam a mídia e a tecnologia da informação.
3. Construir ferramentas: para ajudar o público e os jornalistas a barrarem a desinformação.
4. Proteger a diversidade: evitar a concentração da mídia nas mãos de poucos donos.
5. Fazer mais pesquisas.
Em outubro de 2018, mais de 20 grandes organizações de mídia lançaram o The Trust Project, um consórcio internacional contra a desinformação, para fortalecer a transparência e resgatar a confiança do público com base em indicadores de confiabilidade da informação. No Brasil, diversos cientistas vêm buscando soluções tecnológicas. Uma equipe da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal de São Carlos está testando uma ferramenta para detectar fake news online. Na Universidade Federal de Minas Gerais, o projeto Eleições sem Fake desenvolveu muitas ferramentas para o combate às fake news, especialmente as de tipo político.
Alguns autores consideram que estamos na era da “pós-verdade”. Contudo, boatos, mentiras ou “verdades alternativas” fazem parte desde sempre da vida social e política. A imagem do imperador Nero tocando sua lira ao contemplar o trágico incêndio de Roma representa um bom exemplo – ainda hoje, não está claro se o incêndio foi um acidente (provável, de acordo com os historiadores), se foi o Nero que espalhou um boato para culpar os cristãos ou, ainda, se grupos cristãos causaram o desastre para ver cumprida uma antiga profecia e deslegitimar o imperador. No jornalismo, a “pós-verdade” também é antiga. No final do século 19 surge o “jornalismo amarelo”: diários baratos que, para vender mais, recorriam ao sensacionalismo, aos escândalos e até mesmo às falsas informações.
No Brasil, na década de 1960, fala-se em “jornalismo marrom”, para indicar as narrativas sensacionalistas, simplistas e que manipulam a emoção do leitor. Apesar disso, a desinformação em política, saúde e ciência é, sem dúvida, um problema sério de nossos anos, por razões algorítmicas – a difusão rápida e incontrolável dos boatos, os efeitos de seleção – e por razões políticas. A “pós-verdade” não consiste tanto na existência de mentiras, mas talvez no efeito escasso, em determinados momentos, da verdade.
Em momentos de polarização acirrada, demonstrar que um líder mentiu não afeta tanto o entusiasmo de seus apoiadores. Muitos se utilizam propositalmente de fake news para deslegitimar os adversários, sabendo que o preço a pagar para espalhar desinformação é relativamente baixo. O problema se tornou tão sério que o New York Times publicou em 2018 uma carta aos seus leitores, culpando as plataformas de redes sociais de difundir sensacionalismo e boatos, gerando suspeitas e ódio contra a imprensa, ameaçando o pacto fundamental que “mantém unida a sociedade”, isto é, a ideia de que exista uma verdade comum.
Existem tutoriais, manuais e até cursos para orientar o cidadão a checar a veracidade das informações recebidas. Ressalto, no entanto, a necessidade de sermos céticos, qualidade crucial para bons jornalistas, bons educadores, bons cientistas e, em geral, para os cidadãos de uma sociedade aberta. E precisamos ser mais que céticos diante de estatísticas, experimentos ou fatos que nos deixam indignados, preocupados, entusiasmados, porque confirmam nossas visões e crenças, confortam nossa raiva, legitimam nossas batalhas. Afinal, as fake news que são construídas para nos tocar, para fortalecer nossos preconceitos, são as que compartilhamos sem hesitar, e não pensamos em checar.
Yurij Castelfranchi
Departamento de Sociologia
Universidade Federal de Minas Gerais
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creziane ferreira oliveira dos santos
falta de informação da verdade ,faz acreditar na mentira espalham-se rapidamente ,de material ‘noticioso’.
Maria Luiza Gomes Vieira
As fake news tem provocado um ódio nas pessoas,por falta de pesquisar os fatos veridicos,colocando em risco as suas proprias vidas e as que houve e acreditam,gerando um prejuizo arrazador mexendo com o piscologico e levando até a morte,um desespero total.
kaique rafel nogueira de oliveira
É crucial reconhecer que a ciência é um processo contínuo de investigação e descoberta, e que o consenso científico é baseado em evidências sólidas e revisão por pares. Desconfiar de informações que contradizem esse consenso é fundamental para evitar ser enganado por fake news da ciência.