Já avançava a noite do último dia 2 de março, um domingo de Carnaval, e milhões de brasileiros estavam à frente de alguma tela acompanhando, com certo nervosismo e ansiedade, a cerimônia de entrega do Oscar, o prêmio de cinema mais famoso do mundo. A obra brasileira Ainda estou aqui concorria em três categorias: melhor filme internacional, melhor atriz, com Fernanda Torres, e melhor filme do ano de 2024.
Quando a atriz espanhola Penélope Cruz anunciou a vitória de Ainda estou aqui na primeira delas, a celebração explodiu nas praças repletas de foliões, nos cinemas que organizaram eventos especiais para exibir o Oscar e em casas e apartamentos país afora. Era, de alguma forma, o auge de uma trajetória de sucesso iniciada com o lançamento do filme em festivais internacionais e no Brasil, onde já foi assistido por mais de 5 milhões de pessoas – uma audiência muito boa para produções nacionais.
Mas, a história de Ainda estou aqui vai além de ser um sucesso comercial e de crítica. Milhões de espectadores, prêmios, elogios de jornalistas especializados e a projeção internacional alcançada por Fernanda Torres se relacionam diretamente com as questões sensíveis tratadas no filme: as diversas violências que a ditadura brasileira praticou contra a família Paiva, e a luta de Eunice para sobreviver a elas e conhecer a verdade sobre o que aconteceu com seu marido, Rubens.
Ainda estou aqui é uma obra sobre dor, resiliência, angústia, tristeza e resistência vividas em um tempo ditatorial, lançada no momento em que ideologias autoritárias ganham força e votos, e a tentativa de um novo golpe de estado é dissecada no Brasil por meio de um inquérito policial – fala, assim, do passado, mas nos ajuda a refletir também sobre o presente.
Baseado no livro de mesmo nome escrito por Marcelo Rubens Paiva, filho do casal, o filme concentra sua narrativa no início dos anos 1970, quando a família Paiva, formada por Eunice, Rubens e cinco filhos, vivia na cidade do Rio de Janeiro. Formado em engenharia civil e com filiação política de esquerda, Rubens Paiva foi eleito deputado federal pelo estado de São Paulo em 1962, mas teve seu mandato cassado pelo Ato Institucional nº 1, logo após o golpe de 1964.
Afastado da política partidária, Rubens voltou-se para a iniciativa privada, mas manteve contato com opositores da ditadura no Brasil e em outros países. Em 20 de janeiro de 1971, agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica o prenderam em casa e o levaram para uma base militar dessa força, onde sofreu as primeiras torturas. No mesmo dia, o ex-deputado foi transferido para o Destacamento de Operações e Informações (DOI) do I Exército, e as torturas se tornaram mais violentas.
No dia 21, sua mulher, Eunice, e a filha Eliana, de 15 anos, também foram presas e levadas para o DOI. Ambas foram interrogadas, submetidas à violência e liberadas nos dias e semanas seguintes. Enquanto isso acontecia no centro de tortura, jornais publicavam a versão falsa criada pelas autoridades da ditadura: um grupo armado interceptou o carro em que estavam militares e Rubens Paiva, e ele teria fugido.