Na região do rio Xingu, por causa do grande contingente de trabalhadores rurais que se deslocou para a construção da hidrelétrica de Belo Monte (2011-2015), houve um colapso da agricultura de cultivos temporários (arroz, feijão e mandioca) que abasteciam o mercado local.
Com isso, ocorreram mudanças no meio rural, como o crescimento da produção de commodities, como gado e cacau, que têm pouca demanda de mão de obra. Embora a geração de empregos tenha sido uma promessa da obra, ela se concretizou majoritariamente durante o pico da construção.
A ‘Volta Grande do Xingu’ – região em que o rio faz uma curva acentuada – passou a ter o desvio de vazão em um trecho de 130 km do rio desde a operação da hidrelétrica de Belo Monte em 2015. As análises das percepções dos indígenas Arara, da Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu, demonstram que, nesse trecho do rio, houve 81,9% de redução da vazão e do período de inundação, bem como aumento de 287% na frequência de oscilações da vazão.
Essas mudanças afetaram negativamente não só as florestas alagáveis, mas também as conexões bioculturais dos indígenas Arara, demonstrando que o acordo de partilha da água – implementado por meio do ‘Hidrograma de Consenso’ – não garantiu a resiliência do sistema socioecológico local.
Já as hidrelétricas Jirau e Santo Antônio diminuíram os bancos de areia – especialmente, nas áreas dos reservatórios, resultando em perda e alteração de hábitat para quelônios e aves migratórias. Além disso, a jusante, houve redução nos cultivos de praia (principalmente, feijão, melancia e arroz), pela ocorrência dos chamados repiquetes (inundações inesperadas).
Ocorreu também o aumento do desmatamento em áreas protegidas – Unidades de Conservação (UCs) e terras indígenas – nas proximidades das hidrelétricas Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, depois do início da operação dessas UHEs. Embora as barragens não promovam diretamente o desmatamento em áreas protegidas, elas atraem atividades agropecuárias e projetos de infraestrutura (como estradas), o que modifica a cobertura da terra ao seu redor.
Essa pressão – somada à gestão ineficaz das UCs e a fatores políticos, demográficos, econômicos e sociais – torna os territórios ao redor das barragens vulneráveis a invasões, grilagem de terras e desmatamento. Em Rondônia, por exemplo, as UCs de uso sustentável foram as mais desmatadas.
Os resultados de nossas pesquisas causam preocupação, principalmente, pelo fato de a maior parte das hidrelétricas inventariadas pelo Plano Nacional de Energia 2050 coincidir com áreas protegidas.