Compreender as representações do espaço geográfico é um desafio para as crianças em idade escolar. Mas há alternativas para vencer esse obstáculo. Usar a tecnologia e atividades lúdicas para que os alunos possam, em sala de aula, fazer uma imersão na realidade facilita a interpretação e uso dos mapas para a vida cotidiana, por exemplo. Uma dessas ferramentas tecnológicas que oferecem possibilidade de interação e conhecimento é a realidade aumentada (RA).
Por meio das câmeras de smartphones e tablets, a realidade aumentada proporciona a integração de imagens e informações virtuais ao mundo real. Um dos exemplos mais conhecidos do público é o jogo Pokémon Go, febre no Brasil durante o início das Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016. No game, o objetivo é capturar os diferentes Pokémons, explorando regiões da cidade com o auxílio de mapas do mundo real. O localizador existente nos smartphones orienta os jogadores em sua “caça” e exploração do espaço; e eles podem visualizar os bichinhos virtuais no mundo real. Portanto, mais gente convive com a realidade aumentada do que se imagina.
Um pouco dessa emoção que as pessoas – especialmente crianças e adolescentes – encontram nesse e em outros jogos pode ser levada para a sala de aula. A visão de modelos tridimensionais sobre o ambiente real propicia diferentes possibilidades para ensinar os conteúdos da área de ciências da natureza que estão na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), nos ensinos fundamental e médio.
Um dos tópicos da BNCC que podem ser ensinados com realidade aumentada é o Sistema Solar. A atividade pode ser feita com o Merge Cube (idealizado pela Merge Labs Inc.), um cubo holográfico com o qual é possível estudar vários conteúdos, até anatomia. No caso do Sistema Solar, o aluno poderá visualizar os planetas girando em torno do Sol e os satélites planetários, e, quando tocar em algum elemento, terá acesso a informações detalhadas. O Merge Cube pode ser comprado em lojas virtuais ou impresso para montagem em papel. Para usá-lo é preciso baixar aplicativos de realidade aumentada no smartphone. Algumas sugestões são: Galactic Explorer, Things, Mr. Body, Tilt Ball for Merge Cube, Dig, HoloGlobe, Object Viewer for Merge Cube, Merge Explorer.
Outra atividade interessante proporcionada pela RA é a construção de modelos tridimensionais de relevo, para estudar geomorfologia e cartas topográficas. Neste caso, é preciso baixar o aplicativo LandscapAR (desenvolvido pela empresa Weekend Labs UG), disponível somente para Android. O professor pode fazer com que os próprios alunos desenhem curvas de nível fechadas em uma folha de papel branca, que deve ser sobreposta em uma superfície escura. O app vai utilizar a câmera do smartphone para digitalizar esse desenho – a representação do relevo em curvas de nível – e convertê-lo em um modelo de relevo tridimensional. O resultado é surpreendente para crianças e adultos.
Para que a atividade não seja apenas uma brincadeira, mas sim uma aula sobre o relevo brasileiro, no âmbito da geografia física, é necessário buscar as bases cartográficas existentes em diferentes escalas nas cartas topográficas de órgãos oficiais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Diretoria de Serviço Geográfico do Exército (DSG), entre outros. Nesses dados oficiais estão acessíveis as curvas de nível com equidistância padronizada, que podem ser usadas para a construção dos modelos tridimensionais com o LandscapAR.
Uma alternativa para os professores obterem dados hipsométricos (representação gráfica das altitudes) são os modelos digitais de elevação (MDE), que representam as altitudes da superfície topográfica agregada aos elementos geográficos existentes sobre ela, como cobertura vegetal e edificações. Os MDE estão disponíveis na internet em projetos como Topodata e SRTM (do inglês, Shuttle Radar Topography Mission), que são encontrados nos sites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e Earth Explorer da Agência Espacial Norte Americana (NASA). A inserção desses dados altimétricos, em imagens no formato raster, permite a extração das curvas de nível por meio de diversos softwares de Sistema de Informações Geográficas (SIG). Os MDE podem também ser materializados em impressoras 3D, uma outra forma de representação da paisagem que permite a observação da geomorfologia.
Esses processos educativos também demonstram, de maneira inversa, como se dá a construção dos mapas. Os estudantes podem compreender que o cartógrafo parte das interpretações do mundo real até chegar ao resultado final, que é a representação do relevo. Com esse fim, levar para a sala de aula pontos conhecidos da região onde se localiza o colégio é uma ótima opção. No Rio de Janeiro, por exemplo, são boas alternativas fazer as atividades com base nos morros da Urca e Pão de Açúcar, cartões postais da cidade.
A troca de conhecimentos entre diferentes áreas é a chave para usar a RA e construir modelos tridimensionais, que podem contribuir para ensinar os conteúdos de todas as disciplinas escolares. O conhecimento de programação, visto nas aulas de robótica em algumas escolas atualmente, por exemplo, pode ser o início do desenvolvimento dos novos desafios que se dão a partir da ideia do “faça você mesmo”, tão difundida a partir de laboratórios de fabricação digital (FabLab), que usam as impressões 3D com diferentes materiais para diversas finalidades.
Manter-se em dia com essas tecnologias é um grande desafio para professores de todas as disciplinas e, também, para os alunos nos dias de hoje. A exploração dessas novas possibilidades para desenvolver o conhecimento deve ser feita de maneira compartilhada e interdisciplinar para incluir os conteúdos de todas as áreas científicas debatidas na escola.
Gustavo Mota de Sousa
Laboratório Integrado de Geografia Física Aplicada (LiGA)
Instituto de Agronomia
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
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