O século 20 foi marcado por descobertas de alto impacto nas ciências biológicas. Nos anos 1950, foi revelada a estrutura do DNA; na década seguinte, cientistas mostraram como o material genético é regulado para resultar em proteínas; anos depois, comprovou-se que existem tesouras moleculares (enzimas) capazes de cortar o DNA em regiões específicas. Essas e outras conquistas da ciência resultaram em avanços extraordinários no século 21, como o sequenciamento do genoma humano, fundamental não só para o conhecimento da ancestralidade, mas também da propensão a doenças de um indivíduo. Além disso, outras ferramentas moleculares estão revolucionando a biologia, como a descoberta de um sistema de edição de DNA, que poderia aprimorar embriões antes mesmo de eles nascerem.
Todo esse conhecimento permite que biólogos façam engenharia molecular criando dispositivos ou sistemas não naturais (artificiais), área conhecida como biologia sintética. Mas não só biólogos estão envolvidos nisso. Se os trabalhos que abriram caminho para esse campo nasceram em renomadas universidades e centros de pesquisa e valeram muitos prêmios Nobel, hoje entusiastas e curiosos se reúnem para aprender sobre biologia e realizar seus projetos. São os biohackers (ver ‘Biohacker ou geneticista?’)
Para entender o universo desses hackers, é preciso tratar dos avanços proporcionados pela biologia sintética – muitos deles desenvolvidos de forma tradicional, dentro da universidade. Diversos produtos dessa área já estão beneficiando nossa sociedade, como a artemisinina (o principal medicamento para tratar malária) e enzimas mais eficientes, como as celulases, para a produção de combustível a partir do bagaço da cana-de-açúcar, entre mais de 100 produtos que podem ser encontrados no página da internet Synthetic Biology.
Algumas pessoas confundem geneticista com biohacker, mas esses dois conceitos são bem diferentes. O geneticista é um profissional, alguém que teve uma formação de vários anos e que atua no campo da genética (de microrganismos, plantas, animais, humanos etc.). Já o biohacker, em geral, é um curioso, não necessariamente alguém que teve uma formação na área de biologia ou qualquer outra. Podem ser alunos de graduação, artistas, empresários ou, simplesmente, curiosos. Além disso, não necessariamente eles trabalham com genes. Eles podem, por exemplo, lidar com eletrônica e produzir dispositivos de baixo custo. Mas um geneticista pode ser um biohacker.
Além disso, produtos para o diagnóstico de doenças e que não utilizem organismos geneticamente modificados estão sendo desenvolvidos, como os vasos sanitários inteligentes, capazes de detectar marcadores de doenças na urina, e ‘células habilidosas’ para o teste de resistência à insulina, da empresa francesa SkillCell.
Diversos cientistas no Brasil estão desenvolvendo pesquisas em biologia sintética. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), eu e meu grupo tentamos desenvolver ‘células inteligentes’ para o diagnóstico de acidentes causados por animais peçonhentos e, assim, facilitar o tratamento.
O pesquisador Tiago Mendes e seus colegas da Universidade de Viçosa, também em Minas Gerais, buscam criar um parasita geneticamente modificado para produzir drogas. Na Universidade Estadual de Campinas, o grupo do pesquisador Gonçalo Amarante tem trabalhado na melhoria de microrganismos e de enzimas para produção de biocombustíveis.
Na Universidade de São Paulo (USP), a pesquisadora Marie-Anne Van Sluys está desenvolvendo um kit de diagnóstico para monitorar canaviais. Já o ex-aluno da USP Andrés Ochoa e a ex-aluna da UFMG Carolina Reis se uniram para montar uma empresa de base tecnológica nos Estados Unidos para desenvolver pele sintética, a OneSkin.
Diversos outros pesquisadores brasileiros têm trabalhos muito interessantes na área. O quão perto ou longe estão de chegar ao mercado é difícil estimar.
Um dos impulsos para que esse movimento ultrapasse os muros da universidade nasceu dentro da própria academia. Com o avanço da biologia sintética e da ideia de facilitar a construção de sistemas biológicos a partir das estratégias de engenharia, um grupo visionário do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) criou, em 2004, a competição iGEM (sigla em inglês para Competição Internacional de Máquinas Geneticamente Modificadas) para alunos de ensino médio, graduação, pós-graduação e até para empresários. Em uma das edições dessa competição, estudantes inseriram um gene do vaga-lume em uma bactéria para que esta produzisse luz. Imaginem se isso puder ser usado para iluminar cidades?
A ideia de que a biologia pode ser acessível a todos alavancou não somente o compartilhamento e hackeamento do código genético (DNA), mas também das máquinas que o manipulam. Foi assim que nasceu a comunidade internacional Do-It-Yourself Biology ou DIYbio (em português, biologia faça-você-mesmo), aproveitando a ideia do movimento ‘faça você mesmo’, de que qualquer pessoa leiga pode aprender a construir objetos e dispositivos eletrônicos complexos, a um baixíssimo custo. Assim, a DIYbio, criada em 2008, promove o acesso às ferramentas modernas de biologia molecular (e biologia sintética), criando soluções mais baratas e simples.
Os biohackers podem ser vistos como parte da revolução da biologia do século 21, por terem descentralizado das mãos dos especialistas a pesquisa em ciências biológicas e saúde. Esses curiosos desenvolvem, por exemplo, equipamentos de laboratório, como pipetas, máquinas de PCR (usadas para amplificar sequências de DNA) e outros, com baixo custo, o que representa uma democratização. Além disso, compartilham o manual de como produzir essas máquinas com todos, como é o caso do Gaudi Lab. São capazes de produzir também kits mais acessíveis para sequenciamento de genomas, muitas vezes mais baratos do que uma passagem de avião para a Europa. Criaram ferramentas para o ensino da engenharia genética ao grande público, como o caso do amino labs, que vende kit para desenho com organismos vivos e um simulador para entusiastas da bioengenharia.
A área também atrai grande número de artistas. Um dos pioneiros da ‘bioarte’ é o brasileiro Eduardo Kacs, autor de GFP Bunny: a coelhinha transgênica. A criação de Alba, uma coelha fluorescente, levantou controvérsias e discussões filosóficas. Kacs criou ainda a obra Genesis, que consiste na tradução de um trecho da Bíblia para código Morse, que foi transformado em uma sequência de DNA, depois inserida em uma bactéria.
Muito interessante também é o trabalho da artista americana Heather Dewey-Hagborg, que coletou chicletes, bitucas de cigarros, entre outros resíduos com material genético pelas ruas de Nova Iorque para produzir retratos dos ‘donos’ das amostras. A obra, chamada de Stranger Visions, foi produzida em um dos primeiros biohackerspaces do mundo, o GenSpace. Esses espaços são laboratórios abertos e comunitários para os entusiastas de biologia sintética que promovem atividades de divulgação científica e utilizam ferramentas do tipo faça-você-mesmo (DIY). Geralmente, os projetos são realizados por meio de financiamento colaborativo. Já existem dezenas desses espaços no mundo; no Brasil, temos o IdeaReal, em Belo Horizonte.
Mas nem tudo é colaboração, avanço e democratização de ciência e tecnologia. O biohacking provoca muita polêmica, pois vários de seus entusiastas não demonstram qualquer preocupação com as questões bioéticas e querem, por exemplo, testar em si mesmos dispositivos ou sistemas que ainda não foram suficientemente estudados e, por isso, seus efeitos em humanos são desconhecidos.
No Brasil, no entanto, existem leis de biossegurança que devem ser obedecidas pelos laboratórios para trabalhar, por exemplo, com organismos geneticamente modificados. Além disso, esses laboratórios precisam ser cadastrados na Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio). Mesmo assim, a discussão ética precisa evoluir, já que temas como reprogramação de embriões e alterações dos códigos genéticos humanos estão avançando rapidamente.
Muitas pessoas se preocupam com os riscos que toda essa revolução pode trazer para as nossas vidas. Com razão! No entanto, hoje ainda é muito difícil estimar esse risco. Um exemplo da complexidade do tema são os alimentos transgênicos. Até hoje, não estão comprovados se existem riscos ou não. Sabe-se que a maior parte da soja e do milho produzidos no Brasil é transgênica. Mas isso apresenta risco para a nossa saúde? Provavelmente não, mas ainda não há estudos suficientes para provar. A transgenia pode ocorrer naturalmente: batatas doces gigantes, por exemplo, ‘roubam’ genes de hormônios do crescimento de microrganismos do solo e crescem muito rapidamente. São naturalmente transgênicas. Se fizermos isso em laboratório, o risco de ocorrer essa transferência de genes mais rapidamente entre os organismos seria acelerado? Acreditamos que não, mas não sabemos.
Portanto, ainda há muito o que se pesquisar nessa área. Os biohackers são realidade e devem ser cada vez mais numerosos com o passar dos anos. Mas, para quem se interessa pela área, ainda é uma boa opção procurar cursos de graduação como ciências biológicas, ciências da computação e áreas afins ou pós-graduações em bioquímica, genética e bioinformática.
Liza Felicori
Instituto de Ciências Biológicas,
Universidade Federal de Minas Gerais
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