Uma análise do adjetivo ‘imundo’, empregado exclusivamente na classificação das pessoas pobres internadas em hospital psiquiátrico nas primeiras décadas do século 20
Uma análise do adjetivo ‘imundo’, empregado exclusivamente na classificação das pessoas pobres internadas em hospital psiquiátrico nas primeiras décadas do século 20
HOSPÍCIO PEDRO II, EM 1861 / CRÉDITO:ARQUIVO NACIONAL
A opção por nomear este artigo com uma paráfrase do título do livro Pureza e Perigo, da antropóloga britânica Mary Douglas (1921-2007), decorre da intenção de investigar e problematizar o adjetivo ‘imundo’, utilizado como operador clínico para identificar um número bastante significativo de crianças internadas no antigo Hospício de Pedro II, depois Hospital Nacional dos Alienados (HNA), no Rio de Janeiro, no período que vai do final do século 19 aos anos 1940.
No referido livro, Douglas parte de uma discordância sobre o pensamento dominante no século 19, que via nas religiões chamadas primitivas o medo manifestado por seus adeptos de serem punidos por descumprirem as regras estabelecidas pelos seus deuses. Por exemplo: deixar-se contaminar pelas impurezas, ou seja, entrar no reino da sujeira, tornar-se impuro. Nesse sentido, a ideia de profanação estaria comumente ligada à ideia de higiene. Em função disso, a autora se pôs a analisar as dicotomias que atravessam os diversos cotidianos, como pureza/impureza, limpeza/sujeira, contágio/purificação, ordem/desordem. Técnicas que ela utilizou também para analisar a própria sociedade.
Ainda que o foco da pesquisa da antropóloga siga em uma direção diferente daquela que se deseja chegar neste trabalho, não há como negar a possibilidade de diálogo entre os dois caminhos. Antes de tratar propriamente do uso do nefasto adjetivo e de suas implicações, é importante destacar que, durante muito tempo, a população pobre no Brasil, diante do estranhamento e asco que a condição de miséria provocava nos bem-nascidos, tinha como resposta frases do tipo: “somos pobres, mas somos limpos”; “nosso barraco é pobre, mas é limpinho”. Expressões que se transformaram em bordão de programas de humor: “sou pobre, mas sou limpinha”.
No entanto, mesmo transformada em anedota, essas frases me causam certo incômodo, principalmente pelo fato de me reconhecer como pessoa que morou em uma meia-água feia e acanhada, cujo minúsculo banheiro era de cimento bruto e não tinha descarga, nem chuveiro. Mesmo diante de condição tão precária, naquela época, eu sequer imaginava que pobreza pudesse ser sinônimo de sujeira, tampouco que pobres fossem reconhecidos como pertencentes à classe perigosa.
Daí meu assombro diante dos prontuários de dois irmãos de minha mãe, internados no Pavilhão Bourneville do HNA, no ano de 1936. Foram classificados como imundos, como se a sujeira constituísse a identidade deles e de outras tantas crianças nas mesmas condições. A pergunta “É imundo?” está presente em todos os prontuários, na parte dedicada à anamnese. É uma pergunta bastante objetiva, que não deixava nenhuma dúvida sobre como eram vistas e tratadas aquelas crianças pelos grandes nomes da medicina brasileira do início do século 20, como Antônio Fernandes Figueira e Fábio de Azevedo Sodré, diretores do pavilhão infantil do HNA.
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