Substâncias descobertas em meados do século 20 foram usadas em muitos produtos, como inseticidas, tintas, adesivos e lubrificantes, foram banidas, mas ainda continuam no meio ambiente
Substâncias descobertas em meados do século 20 foram usadas em muitos produtos, como inseticidas, tintas, adesivos e lubrificantes, foram banidas, mas ainda continuam no meio ambiente
CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK
Era o início dos anos 1960, e o mundo estava encantado com o otimismo da era pós-guerra, assistindo a um grande desenvolvimento industrial, em especial da indústria química, impulsionado pela retomada da economia. Durante e após a Segunda Guerra Mundial, houve um aumento em descobertas, produção e uso de substâncias químicas. Muitas destas foram benéficas para a humanidade e mudaram o curso de enfermidades devastadoras, como malária e tifo – doenças transmitidas por insetos. Nesse período descobriu-se um composto sintético com poder inseticida jamais visto, conhecido como DDT (dicloro-difenil-tricloroetano). Chamado até de milagroso, o DDT foi largamente empregado em regiões endêmicas de malária e em plantações, resultando em um sucesso no controle de doenças e de pragas. Até hoje utilizamos o termo dedetização, um neologismo de DDT, para o processo de eliminação de insetos.
Além do DDT, outros compostos sintéticos ganharam destaque, como as PCBs (bifenilas policloradas) e os PBDEs (éteres difenílicos polibromados), ambos com resistência às chamas e excelentes isolantes elétricos. Então, esses compostos foram usados em fluidos de transformadores, equipamentos elétricos, tintas, adesivos, lubrificantes, plásticos, borrachas, materiais antichamas, entre outros.
Paralelamente à fachada milagrosa desses compostos, uma história mudaria para sempre a forma como percebemos os perigos invisíveis que cercam o ambiente. Publicada em 1962, essa história foi contada no livro Primavera silenciosa, escrito pela bióloga marinha Rachel Louise Carson (1907-1964). O título do livro reflete a relação entre a aplicação em larga escala do DDT e a redução ou ausência do canto de pássaros. O DDT causa a fragilização das cascas dos ovos, tornando-os suscetíveis à quebra durante o período de incubação, provocando a diminuição das populações de aves. Ou seja, o canto dos pássaros estava sendo silenciado pela redução de suas populações devido ao envenenamento por DDT. Rachel argumentava que o uso indiscriminado de pesticidas além de prejudicar a vida selvagem, também ameaça a saúde humana. Ela defendia a necessidade de regulamentação e restrição no uso desses produtos químicos.
Assim como o DDT, as PCBs e os PDBEs possuem uma grande estabilidade química, ou seja, são compostos que degradam muito lentamente, de forma que, uma vez dispersos, permanecerão por décadas ou séculos no ambiente. E por isso eles são conhecidos como Poluentes Orgânicos Persistentes, os POPs.
O livro Primavera silenciosa contribuiu para a conscientização sobre os perigos dos POPs e desempenhou um papel fundamental na criação de regulamentações ambientais mais rigorosas em todos os países, desencadeando o movimento moderno de conservação ambiental e influenciando a proibição do DDT e de outros POPs em quase todo o mundo. Os países signatários da Convenção de Estocolmo, dentre eles o Brasil, se comprometem a banir a produção e o uso de POPs.
Apesar da proibição dos POPs desde a década de 1980, por serem persistentes, até hoje eles são encontrados no ambiente. Transportados pela circulação atmosférica e pelas correntes oceânicas, eles são detectados em todo o planeta – até mesmo em locais onde nunca foram produzidos ou utilizados, como na Antártica e no Ártico. Uma vez em contato com os organismos, os POPs tendem a se acumular nos tecidos biológicos, e são transferidos ao longo da teia alimentar. Como eles não são metabolizados, as suas concentrações aumentam em direção aos animais de topo de cadeia, o que inclui os humanos. Dentre as doenças causadas pelos POPs, estão câncer, malformações fetais, problemas nos sistemas reprodutivo e endócrino.
A vida no oceano não está livre dos perigos dos POPs. Uma vez que o oceano funciona como uma via de transporte para os poluentes, esses compostos se acumulam também em todos os organismos marinhos, desde os microrganismos até os de topo de cadeia, como tubarões e grandes mamíferos marinhos. Assim, os POPs são uma ameaça real ao oceano e à vida que ele sustenta.
Em fevereiro deste ano, a Marinha do Brasil decidiu afundar um navio desativado, o porta-aviões São Paulo, a 350 km da costa brasileira, em área com profundidade de 5.000 metros. A presença de POPs, como as PCBs, em componentes elétricos nesse tipo de navio é muito comum. Não se sabe ao certo a quantidade de PCBs utilizada na fabricação dos componentes do navio, mas a estimativa é que a embarcação foi construída com cerca de 200 toneladas de componentes elétricos. É, então, de se esperar que ele contenha uma grande quantidade de PCBs. Portanto, esse POP está sendo liberado de forma lenta e contínua no oceano, conforme o navio se desintegra no fundo do mar, contribuindo ainda mais para o prejuízo causado por esses tipos de compostos, um dia considerados milagrosos.
Assim como o DDT, as PCBs e os PDBEs possuem uma grande estabilidade química, ou seja, são compostos que degradam muito lentamente, de forma que, uma vez dispersos, permanecerão por décadas ou séculos no ambiente
*A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo e com o Projeto Ressoa Oceano, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
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