Por uma ciência mais pop e diversa

Jornalista, especial para o ICH
Jornalista ICH

Diretora de Popularização da Ciência, Tecnologia e Educação Científica do MCTI, Juana Nunes fala das iniciativas do ministério para ampliar o interesse de todos os brasileiros pela área e incentivar o ingresso de jovens em carreiras de C&T

O nome já diz tudo. O Pop Ciência, Programa Nacional de Popularização da Ciência do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), foi lançado em outubro passado (2023) com a meta de superar dois desafios recorrentes na ciência brasileira: criar iniciativas para aproximá-la do público em geral e facilitar o acesso de jovens de grupos sociais vulneráveis a carreiras científicas e tecnológicas. À frente do projeto, Juana Nunes reconhece os obstáculos. “Precisamos de ampla divulgação científica para romper com os estereótipos da branquitude, óculos e jaleco”, diz a diretora de Popularização da Ciência, Tecnologia e Educação Científica da Secretaria de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social (Sedes/MCTI).

Entre os esforços para evoluir nessas questões estão parcerias com redes estaduais para ações locais e mais colaboração com os ministérios da Educação e da Cultura. Este último faz parte da trajetória de Juana, que, formada em História da Arte e professora da rede dos institutos federais, foi gestora de políticas culturais. “Minha passagem pelo Ministério da Cultura foi marcada pela coordenação de políticas de cidadania, diversidade cultural e comunicação. Essa experiência proporcionou uma compreensão profunda da importância de integrar diferentes perspectivas e saberes na construção de políticas públicas”, afirma. O objetivo agora, diz, é transformar a popularização da ciência em uma política pública de Estado.

CIÊNCIA HOJE: O Programa Nacional de Popularização da Ciência (Pop Ciência) foi lançado em outubro passado pelo MCTI. Que balanço faz dos meses iniciais? E o que podemos esperar no futuro?

JUANA NUNES: O decreto Pop Ciência é resultado de um diálogo com a comunidade científica e a sociedade civil. Ele nasce do desejo de fortalecer as ações de popularização da ciência que já existiam, como olimpíadas, feiras de ciência e mostras científicas, dentre outras, promovendo a institucionalidade necessária para a popularização se tornar uma política pública de Estado. Isso se expressou na assinatura do decreto pelo presidente Lula e pela definição do maior orçamento direto da história por parte da ministra Luciana Santos (da pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação). O Pop Ciência permite potencializar o alcance do que já existia ao mesmo tempo em que propõe uma atuação mais sistemática por parte do MCTI, com a criação dos Pontos de Ciência, que vão reconhecer e apoiar quem já atua nessa área e novos atores divulgadores da ciência; a Virada da Ciência, e o fomento a espaços científicos culturais permanentes.

Os primeiros meses do Pop Ciência foram de muito engajamento e interesse da sociedade e observamos uma receptividade positiva a iniciativas que visam a aproximar a ciência do público em geral. Em dezembro, realizamos em Brasília o Encontro Nacional de Popularização da Ciência, onde reunimos mais de 450 divulgadores de ciência de todo o Brasil, discutindo desafios e estratégias para a implementação do Pop Ciência. A criação de redes estaduais já está em andamento com adesão e já é uma realidade no Ceará e no Paraná. As redes estaduais visam a fortalecer o conjunto de instituições públicas e privadas que realizam ações de popularização da ciência. Serão estimuladas ações para a criação de clubes de ciência, participação de estudantes em feiras de ciências e olimpíadas científicas, dentre outras iniciativas.

Nossa meta é consolidar esta rede com todas as 27 unidades da federação. Para o futuro, planejamos implementar as novas ações do Pop Ciência, ampliando o público alvo da política, para além do universo escolar. Queremos chegar a toda sociedade com recorte claro de inclusão e diversidade dialogando mais com o campo da cultura e da comunicação.

CH: Apesar dos muitos esforços e transformações dos últimos anos, a comunidade acadêmica ainda é predominantemente branca, principalmente nos postos de liderança. Como o Pop Ciência contribui para mudar essa realidade?

JN: Temos uma ação voltada para fomentar maior participação de grupos sociais vulneráveis e historicamente excluídos para garantir mais diversidade na ciência. Teremos chamadas especificas com esse objetivo, com cotas para negros, indígenas e mulheres. A chamada da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia de 2023, por exemplo, teve 50% das vagas para coordenadoras mulheres. Nesse sentido, procuramos estimular projetos em diálogo com os povos e comunidades tradicionais, moradores de áreas rurais e periferias urbanas, população negra, quilombolas, povos indígenas, pessoas com deficiência. 

CH: Dos grupos menos representados na comunidade acadêmica, há algum que veja como ponto mais crítico e que encara maiores obstáculos para seguir a carreira científica?

JN: Certamente, grupos menos representados enfrentam desafios significativos. Temos como grande desafio atender a um percentual significativo de jovens em situação de desalento, objetivando o reingresso, a permanência nos estudos e a qualificação profissional. Segundo estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas) e dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), temos atualmente no Brasil um universo de 7,1 milhões de jovens em desalento, dos quais 73% são pretos/pardos, e em sua maioria, mulheres. Isso demonstra o tamanho dos desafios que temos para promover ações indutoras que permitam a esses jovens o acesso às carreiras científicas e tecnológicas.

Quero destacar o desafio de mais meninas e mulheres na ciência. Lançamos agora em março uma chamada via CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) de R$ 100 milhões para fomentar projetos de educação científica para meninas dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio em diálogo com pesquisadoras para estimular o ingresso, a formação, a permanência e a ascensão de meninas e mulheres nas carreiras científicas.

CH: A necessidade de mais diversidade nesses espaços acaba se refletindo na percepção que a população tem dos cientistas. O que está sendo e pode ser feito para que no imaginário da população o cientista não seja apenas um homem branco, de óculos, vestindo jaleco em um laboratório?

JN: Precisamos de ampla divulgação científica para romper com os estereótipos da branquitude, óculos e jaleco. A representação diversificada na ciência é fundamental para mudar a percepção pública. O Pop Ciência realizará esforços contínuos para representar a pluralidade de cientistas na mídia, contribuindo para uma imagem mais realista e inclusiva da comunidade científica. Temos um compromisso de estimular a comunicação pública da ciência. Isso foi destacado no decreto, quando definimos que serão realizadas ações que promovam a comunicação pública da ciência, em linguagem simples, que valorizem o engajamento do público na ciência e visem a alcançar diversas camadas da população. Precisamos dar visibilidade à ciência brasileira. Temos excelentes cientistas que contribuíram no passado, como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Johanna Döbereiner, Cesar Lattes, e também cientistas contemporâneos, como Thaisa Bergmann, Mayana Zatz, Miguel Nicolelis, Suzana Herculano-Houzel, Niède Guidon, Jaqueline Goes de Jesus (cientista que mapeou o genoma do coronavírus), e tantos outros que o Brasil precisa conhecer.

O Pop Ciência realizará esforços contínuos para representar a pluralidade de cientistas na mídia, contribuindo para uma imagem mais realista e inclusiva da comunidade científica

CH: Segundo a ministra Luciana Santos, em entrevista à CH, a cada quatro anos o MCTI encomenda uma pesquisa sobre a Percepção Pública da Ciência. A última foi em 2019. Será realizada nova pesquisa neste ano? Na de 2018, apesar de o nível de confiança na ciência ser bastante alto (73%), ficou evidente que a maioria dos brasileiros desconhece os pesquisadores, os laboratórios e as nossas unidades de pesquisas. Espera que esses ponteiros tenham se movido?

JN: A Pesquisa de Percepção Pública da Ciência está ocorrendo neste ano em todo Brasil, em parceria com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Acreditamos que ainda é muito cedo para observarmos uma mudança no comportamento do cidadão brasileiro acerca da percepção da ciência. Precisamos de uma política de popularização da ciência mais robusta. É o que estamos buscando com o Pop Ciência. Esse é um trabalho que deve começar na base, com ação massiva nas escolas. E para isso a parceria com o MEC é estratégica. As políticas públicas de ciência e tecnologia e a de educação devem andar juntas, para o desenvolvimento científico tecnológico do país.

CH: O trabalho de muitos divulgadores de ciência nas redes sociais mostra que a ciência pode, sim, ser pop. Como vê esse tipo de iniciativa? Contribui para a educação científica e o interesse por ciência pelos mais jovens? Há riscos de fazer uma comunicação superficial demais?

JN: A popularização da ciência nas redes sociais é uma ferramenta valiosa. Iniciativas online podem despertar o interesse dos jovens e proporcionar acesso fácil à informação científica de qualidade. Devemos, porém, enfatizar que o “despertar o interesse pela ciência” é um primeiro passo para uma alfabetização científica. Em muitos casos, esse despertar do interesse passa por uma informação simples, direta, encantadora, que em primeiro plano pode ser interpretada como uma comunicação superficial, porém é um processo educativo que envolve diversas etapas, no qual nas fases iniciais se constrói um conhecimento que vai sendo aprimorado com o decorrer do tempo. Em janeiro, criamos o grupo de Embaixadores Mirins do Pop Ciência que são crianças e jovens cientistas com idades entre seis e 15 anos que realizam e divulgam experimentos, conteúdos e ações de popularização da ciência nas suas redes. O objetivo é fomentar a educação científica junto à infância e juventude.

Devemos, porém, enfatizar que o “despertar o interesse pela ciência” é um primeiro passo para uma alfabetização científica

CH: Além de termos grupos menos representados na ciência, há também grande diferença entre as regiões do país. O Pop Ciência tem o foco de desenvolver mais as áreas que costumam ser menos favorecidas pelos investimentos?

JN: Sim, o Pop Ciência considera as desigualdades regionais. Em nossas ações, a prioridade de atendimento ocorrerá nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde há um menor número de equipamentos científicos em detrimento das regiões Sul e Sudeste, onde há maior concentração. Pretende-se atender de forma igualitárias todas as cinco regiões do Brasil, respeitando-se, portanto, as desigualdades regionais.

CH: Um dos grandes desafios da contemporaneidade é a proliferação da desinformação através das redes sociais. Como efetivamente a popularização da ciência pode combater a desinformação? De que forma isso está presente no Pop Ciência?

JN: A popularização da ciência é um instrumento poderoso contra a desinformação. Fornecer informações cientificamente embasadas e promover a literacia científica são estratégias-chave do Pop Ciência para combater a propagação de informações falsas. No decreto, por exemplo, instituímos o “Hackathon contra Desinformação”, ação do Programa Pop Ciência a ser realizada anualmente Esta ação será conjunta entre o MCTI e a Secretaria de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, com a colaboração das entidades científicas, de educação midiática, democratização das mídias e de promoção de direitos nas redes.

Fornecer informações cientificamente embasadas e promover a literacia científica são estratégias-chave do Pop Ciência para combater a propagação de informações falsas

CH: Este ano (2024) teremos a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. As conferências anteriores da área, em contraste com conferências de outros campos, como saúde, educação e cultura, acabam mobilizando apenas acadêmicos e cientistas, sem engajamento dos movimentos sociais e com pouca participação popular. O campo da popularização da ciência pode ajudar a dar uma cara diferente à conferência deste ano?

JN: Com certeza! A popularização da ciência é feita por estudantes, professores das escolas e divulgadores, que são verdadeiros militantes na construção de ações em diferentes níveis e com o lançamento do decreto estão em diálogo permanente com o MCTI. Além disso, estamos articulando e mobilizando conferências livres para a 5ª Conferência Nacional e a construção das Conferências Temáticas para o Desenvolvimento Social e de meninas e mulheres na ciência, promovendo a participação popular e o engajamento social desse público.

CH: O departamento que a senhora dirige inclui a área da educação científica. Sabemos pelos exames dos Pisa e outras formas de avaliação que a formação em ciências na educação básica é muito deficiente em comparação com outros países. Quais são as estratégias do ministério para contribuir com essa área?

JN: O MCTI está trabalhando em colaboração com o MEC para fortalecer a formação em ciências na educação básica. Em breve vamos lançar o Programa “Mais Ciência na Escola”, que tem a finalidade de disseminar a educação científica e o letramento digital na educação básica, por meio da implantação de laboratórios makers em escolas públicas, acompanhados de planos de atividades, formação de professores e bolsas para professores e estudantes nas escolas que conduzirão as atividades. A ideia é estimular a parceria entre escolas e iniciativas científicas, tecnológicas e de inovação. É nosso objetivo também contribuir com o processo de fortalecimento da educação em tempo integral, para oportunizar o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas a conhecimentos em ciência e tecnologia com abordagem STEAM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática) com vistas à inclusão produtiva e ao fomento do uso pedagógico de tecnologias digitais nas escolas. Vamos incentivar metodologias ativas para o ensino, como aprendizagem por investigação e experimentação científica voltados à solução de problemas estimulando o interesse dos estudantes pelas carreiras científicas e tecnológicas. O programa também vai fomentar a organização de clubes de ciência e a participação dos estudantes em atividades como feiras de ciências e olimpíadas científicas. Queremos incentivar as universidades a adotarem as vagas olímpicas, a exemplo da Unicamp, USP, Unesp, Unifei, Instituto Federal Sul de Minas e UFMS, que são referências no Brasil na concessão de cotas para alunos medalhistas de olimpíadas científicas.

Vamos incentivar metodologias ativas para o ensino, como aprendizagem por investigação e experimentação científica voltados à solução de problemas estimulando o interesse dos estudantes pelas carreiras científicas e tecnológicas

CH: Historicamente, a ciência foi muito pouco permeável a contribuições de fora, e sempre manteve posição hierarquizada em relação aos outros conhecimentos. Mesmo a divulgação científica, em seu modelo dominante, ou de déficit como também é chamado, desconsidera os outros saberes. Como pensar em modelos de popularização da ciência que de fato mobilizem e incluam a população no processo de produção da ciência?

JN: A ciência tem sido historicamente percebida como um domínio especializado e muitas vezes distante da compreensão pública. A abordagem tradicional de divulgação científica, conhecida como o modelo de déficit, frequentemente falha em reconhecer e valorizar os conhecimentos e perspectivas que as comunidades fora do meio acadêmico podem oferecer. Estamos cientes da importância de mudar essa dinâmica. A popularização da ciência, como buscada pelo Pop Ciência, não deve ser apenas uma via de mão única, onde os cientistas comunicam resultados para o público. Em vez disso, é crucial criar um ambiente que promova a cocriação do conhecimento, incorporando as experiências e saberes das comunidades tradicionais. Isso envolve a adoção de práticas de ciência cidadã , na qual membros da comunidade participam ativamente do processo científico, desde a formulação de perguntas de pesquisa até a coleta de dados e a interpretação dos resultados. Iniciativas como essa não apenas democratizam o acesso à ciência, mas também enriquecem a pesquisa ao integrar diferentes perspectivas e conhecimentos. Além disso, é fundamental reconhecer e respeitar os saberes tradicionais e indígenas, integrando essas formas de conhecimento na produção científica. Isso contribui para a diversidade epistemológica e fortalece a sustentabilidade e a relevância das pesquisas. O Pop Ciência está comprometido em avançar nessa direção, construindo uma cultura científica mais diversa, colaborativa e acessível a todos.

É fundamental reconhecer e respeitar os saberes tradicionais e indígenas, integrando essas formas de conhecimento na produção científica. Isso contribui para a diversidade epistemológica e fortalece a sustentabilidade e a relevância das pesquisas

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