Por meio de diferentes estratégias, desde as mais éticas até as mais questionáveis, a mídia é capaz de disseminar informações nem sempre verdadeiras, moldando a realidade e afetando a vida das pessoas
Por meio de diferentes estratégias, desde as mais éticas até as mais questionáveis, a mídia é capaz de disseminar informações nem sempre verdadeiras, moldando a realidade e afetando a vida das pessoas
Orson Welles durante uma transmissão da rádio CBS
CRÉDITO: ANDY ZEIGERT/ FLICKR (CC BY-NC-SA 2.0)
Em julho de 1938, a emissora de rádio Columbia Broadcasting System (CBS) lançou um programa chamado Mercury Theatre on the Air, criado e apresentado pelo ator Orson Welles (1915-1985). Com trilha sonora de Bernard Herrmann (1911-1975) – que veio a se tornar um dos maiores compositores de cinema –, um grupo de atores liderados por Welles interpretava obras literárias clássicas, como Drácula, A volta ao mundo em 80 dias e O Conde de Monte Cristo.
No dia 30 de outubro daquele ano, às vésperas do Halloween, iniciou-se uma transmissão que entraria para a história. O programa começou às 20h com o aviso de que o espetáculo da noite seria uma adaptação do romance A guerra dos mundos, de H. G. Wells (1866-1946). Os próximos 50 minutos de programa simularam uma programação típica de rádio, com músicas tocando e um apresentador dando informações sobre elas. Porém, havia algo de diferente: de tempos em tempos, as músicas eram interrompidas por boletins de notícias que traziam informações em tempo real de fenômenos estranhos que estavam ocorrendo.
Nas primeiras interrupções, foram relatadas explosões estranhas na superfície de Marte, a queda de um objeto não identificado em uma fazenda na região de Grovers Mill (Nova Jersey, Estados Unidos) e a chegada das pessoas, da polícia e de repórteres ao local para descreverem tudo o que acontecia.
Mais tarde, o objeto revelou-se uma nave espacial, de onde saíram marcianos armados destruindo tudo e todos. As notícias seguintes foram cada vez mais catastróficas. Máquinas de guerra enormes lançavam fumaça venenosa por Nova Iorque, cidades eram evacuadas e os poucos sobreviventes narravam toda a destruição do planeta pelos marcianos.
Foram vários os elementos dessa dramatização que contribuíram para o realismo do programa: o formato de boletins de notícias ao vivo, a credibilidade jornalística do rádio, o trabalho dos atores (que interpretaram repórteres, cientistas, políticos e sobreviventes), a trilha e os efeitos sonoros, a precisão das descrições dos objetos marcianos e a ausência de novos lembretes de que se tratava de uma obra ficcional. Por essas razões, esse programa é considerado por muitos como uma obra-prima.
Jornais da época e da atualidade relatam que a transmissão instaurou pânico em toda a costa leste dos Estados Unidos. Mais de 1 milhão de pessoas acreditaram que aquilo, de fato, estava acontecendo. Linhas telefônicas ficaram sobrecarregadas, as ruas foram tomadas por pessoas desesperadas, estradas ficaram obstruídas por uma tentativa de fuga em massa de algumas cidades, delegacias ficaram cheias e até foram registrados casos de suicídio, homicídio e ataques cardíacos naquele dia. A manchete do dia seguinte nos maiores jornais do país era: ‘Guerra falsa no rádio espalha terror pelos Estados Unidos’.
Alguns estudiosos afirmam que a transmissão de A guerra dos mundos é um exemplo de como a mídia é capaz de moldar a realidade e criar informações falsas, capazes de afetar drasticamente a vida das pessoas. Se um programa de rádio foi capaz de convencer as pessoas de que a Terra estava sendo invadida e destruída por extraterrestres, imagine a facilidade que a mídia teria para nos enganar sobre coisas muito menos espetaculares e mais cotidianas.
A capa do jornal New York Daily News de 31 de outubro de 1938 estampava a manchete: “Falsa guerra do rádio provoca terror nos Estados Unidos” (tradução livre)
CRÉDITO: ARQUIVO DO NEW YORK DAILY NEWS VIA GETTY IMAGES
Até hoje, passados mais de 80 anos, conta-se sobre esse evento que marcou a história da comunicação.
Mas tem um detalhe sobre toda essa impressionante repercussão da dramatização de A guerra dos mundos: na realidade, ela nunca aconteceu. Por meio de uma vasta documentação, incluindo milhares de cartas de ouvintes, pesquisadores garantem que, apesar da cobertura jornalística e dos relatos de supostas vítimas, nunca houve um pânico generalizado e o impacto foi, na verdade, muito pequeno.
Em um livro de memórias, o editor de rádio Ben Gross afirma que as ruas de Manhattan estavam vazias e calmas naquela noite, contrariando as manchetes de alguns jornais, que afirmavam que a falsa guerra transmitida em rádio espalhou terror pelos Estados Unidos.
Outra evidência de que nada de espetacular aconteceu foi o fato de que nem a emissora, nem Welles sofreram qualquer processo ou sanção jurídica, o que seria esperado caso eles realmente tivessem causado todo esse caos no país. Além disso, o historiador W. Joseph Campbell mostra, em seu livro Dez das principais histórias mal contadas no jornalismo americano (em tradução livre), que os jornais abandonaram essa história muito rapidamente. Se a repercussão tivesse sido tão grande, porque ela não teria ocupado as manchetes dos jornais por mais do que dois dias?
Mas, se essa enorme repercussão não aconteceu, por que existem histórias sobre ela? Por que jornais da época foram categóricos ao narrar sobre o terror causado pela transmissão? Por que nós ainda vemos essa história ser contada até hoje como se fosse verdade, inclusive por jornalistas e professores em faculdades de comunicação?
Ao saber o que de fato aconteceu, você poderia chegar à conclusão de que a mídia não é tão poderosa assim, já que não foi capaz de causar todo esse surto coletivo. Mas você talvez não tenha se dado conta de que a responsável por inventar e lançar para o mundo essa lenda do terror causado por um programa de rádio foi a própria mídia. E por que ela fez isso?
Naquela época, o rádio estava ganhando muito espaço e credibilidade, o que atraía uma grande receita de publicidade (que antes ia para os jornais impressos). O que ficou evidente é que os jornais tradicionais se aproveitaram da situação e construíram uma história muito exagerada sobre a repercussão da transmissão para tentar abalar a credibilidade do rádio como fonte de notícias. Até jornais grandes, como o The New York Times, se uniram ao coro dos que denunciavam a irresponsabilidade do rádio, por meio de seus editoriais e de reportagens com supostas testemunhas.
Ou seja, não dá para negar que a mídia tem sim um poder, porque ela foi capaz de construir uma lenda que perdura até hoje, apesar de todas as evidências contrárias.
Mesmo sendo superpoderosa, a mídia depende de um fator crucial para exercer essa habilidade: pessoas. Assim como o som depende do ar (ou de outro meio físico) para se espalhar e viajar longas distâncias, uma informação (seja ela verdadeira ou falsa) depende de pessoas.
Para atrair a atenção das pessoas e fazer com que elas queiram espalhar informações, os veículos de comunicação e produtores de conteúdo usam todo tipo de estratégia, desde as mais tradicionais até as mais modernas, desde as mais éticas até as mais questionáveis e obscuras. Alguns veículos mais sensacionalistas costumam apelar para o lado emocional dos leitores, espectadores e ouvintes e manipulam, principalmente, a sua raiva e indignação. Sentimentos intensos como a raiva nos fazem compartilhar informações sem nem checar sua veracidade.
Além disso, a nossa tendência de interpretar e selecionar as informações de modo que confirmem nossas crenças e nossa constante preocupação em nos posicionarmos publicamente sobre tudo o que acontece fazem de nós excelentes meios de propagação de informações, principalmente as falsas.
Um estudo da Iniciativa de Economia Digital do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) analisou 126 mil publicações no Twitter e concluiu que uma informação verdadeira leva um tempo seis vezes maior para alcançar 1.500 pessoas do que uma informação falsa. Esse resultado nos faz lembrar de uma famosa frase frequentemente atribuída ao escritor norte-americano Mark Twain (1835-1910) – embora não tenha sido escrita por ele: “Uma mentira pode dar a volta ao mundo, enquanto a verdade está calçando os sapatos”.
Como defende o historiador cultural norte-americano Jeffrey Sconce, podemos encarar essa lenda do terror pelo rádio como um lembrete simbólico do quão poderosa a mídia pode ser. Ao mesmo tempo, o caso escancara a necessidade de uma educação midiática para a população, afinal, nós também temos o poder de escolher qual história ou notícia iremos espalhar e potencializar.
Em um mundo digital, fortemente mediado pela internet, precisamos ser mais críticos diante do oceano de informações a que temos acesso e mais capazes de diferenciar fontes confiáveis das não confiáveis e de checar a veracidade de uma notícia.
E nada disso vai adiantar se não formos capazes de abandonar nosso viés de confirmação, nossa busca incessante por provas que validem nossas crenças, nossas verdades absolutas. Precisamos ter ouvidos sensíveis ao contraditório e nos permitir pensar sobre aquilo em que não acreditamos ou discordamos, porque a verdade pode, muitas vezes, estar justamente nesses difíceis lugares.
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