No começo da década de 1930, Albert Einstein (1879-1955) recebeu um convite do Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (antecessor da Unesco): poderia escrever a quem quisesse sobre assunto que fosse de interesse da humanidade. O físico de origem alemã escolheu o psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939), e o tema: guerra e mente humana.
Mas, por que Freud, com quem Einstein nunca teve amizade? A resposta, talvez, tenha a ver com o momento político: ascensão do nazismo; escalada armamentista da Alemanha; indecisão das grandes potências frente a um belicismo crescente etc.
A Europa começava a feder a guerra naquele momento.
Em sua carta datada de 30 de julho de 1932, escrita de Caputh (Alemanha), Einstein lança logo de início sua dúvida central: “Há algum caminho para evitar que a humanidade sofra os estragos da guerra?”. Em seguida, entre várias considerações, faz relação entre direito e poder.
A resposta de Freud, em 12 de setembro de 1932, de Viena (Áustria), começa por aí. Mas troca ‘poder’ por termo mais incisivo: violência. Concorda que direito e violência estão correlacionados. E, para explicar isso, descreve a humanidade como processo: a violência física – com a qual o H. sapiens resolvia suas diferenças – passou à armada, com a destruição total ou escravização do inimigo. Impérios se formaram e foram derrubados pela união dos mais fracos insatisfeitos (“A união faz a força”). Em busca de estabilidade, o novo governo cria diretrizes (leis) que devem ser seguidas por todos – o Estado detém o monopólio da violência. Os descontentes tratam novamente de se juntar para tomar o poder. E o ciclo se repete: conflitos locais, genocídios, guerras, revoluções etc.
Einstein diz que os humanos carregam necessidade latente de ódio e destruição, a qual se manifesta em tempos extraordinários. E faz pergunta contundente: “É possível orientar o desenvolvimento humano de modo a que se possa estar mais bem equipado contra a psicose do ódio e da destruição?”
Em resposta, Freud descreve o que denomina teoria das pulsões na psicanálise. Humanos são dotados de duas delas: uma ligada ao erotismo e sexo – portanto, relacionada com preservação e reunião –; outra, à violência, destruição e morte. Ambas entrelaçadas como um uno indissociável. Diz ele: “Parece-nos ter pouca probabilidade de êxito, ou mesmo ser inútil, o propósito de eliminar as tendências agressivas dos homens”.
Einstein, em resposta, acredita que o único caminho rumo à segurança internacional seria a criação de um ‘governo mundial’ a cujas decisões os Estados, abandonando parte de sua soberania, teriam que obedecer – a ONU, criada em 1945, e seu Tribunal Internacional de Justiça estariam longe se ser tal organismo. Freud não responde a tal utopia.
Freud escreve: “Acho que a principal razão pela qual nos sublevamos contra a guerra é pelo fato de não podermos fazer outra coisa […]. Somos pacifistas porque nos vemos obrigados a isso, por razões orgânicas […]”.
O psicanalista se refere a si mesmo e a Einstein como pacifistas. Ambos já haviam emprestado seus nomes à causa. Este último havia começado em 1914, ao assinar manifesto, com mais dois colegas, contra a entrada da Alemanha na Primeira Guerra. Depois da Segunda Guerra, integrou organizações pacifistas – o temor, agora, era a destruição do mundo por armas nucleares.
Mas Einstein tem suas nódoas. Colaborou para desenvolver uma asa de avião na Primeira Guerra e uma hélice de navio na Segunda Guerra – ambos, trabalhos remunerados. Mais: conclamou jovens pacifistas europeus – ameaçados de prisão ou fuzilamento – a pegarem em armas contra o ditador Adolf Hitler (1889-1945). Disse que, se tivesse idade, ele mesmo faria isso, dado o perigo do avanço do nazismo.
As cartas trocadas entre Einstein e Freud resultaram em Por que a guerra?, um livro de cerca de 50 páginas, publicado em 1933, que não trata dos conflitos em si, mas das profundezas (obscuras) da mente humana.
Podemos tentar transpor a discussão Einstein-Freud para hoje. A invasão da Ucrânia fez renascer lugar-comum: é inadmissível que “neste século [21]” haja tal conflito. Eis afirmação atemporal, que serviria para as invasões napoleônicas no século 19, para as duas Guerras Mundiais, bem como as da Coreia, do Vietnã, Irã-Iraque, dos Bálcãs, da Síria, do Afeganistão etc. – e para um sem-número de genocídios.
Sempre achamos que, em ‘nosso’ tempo, estamos equipados com o mais alto ferramental moral e civilizatório, esquecendo-nos de lição fundamental: ética e política são expedientes temporários.
A correspondência entre os dois luminares da ciência suscita outra discussão pertinente: guerra é cultural ou está entranhada em nosso âmago?
A resposta de Freud é clara: nunca nos livraremos de nossas pulsões destrutivas – alerta dele em outro texto: psicopatas sempre desempenharam papéis importantes na história. Ao fim de sua carta, o psicanalista revela a esperança de que a elevação do intelecto humano ajude a evitar conflitos no futuro.
A isso já respondeu o filósofo político britânico John Gray. Para ele, vivemos a ilusão de que “o amanhã será melhor”, expressão que embute o fato de acreditarmos que o acúmulo de conhecimento fará, dos humanos, criaturas mais benevolentes, lógicas e racionais. Ou seja, conhecimento transformará (para melhor) a natureza humana.
Exatos 90 anos depois daquelas cartas, a história da humanidade – a história das guerras, não? – mostra que isso não ocorreu. E, segundo Gray, nunca acontecerá. Estima-se que o século passado tenha matado cerca de 150 milhões de pessoas em guerras.
Freud, também judeu, exilado em Londres, morreria ali, poucos dias antes da invasão, em 1 de setembro de 1939, da Polônia por tropas nazistas, o que desencadearia a Segunda Guerra, primeiro conflito da história em que morreriam mais civis do que militares.
Cássio Leite Vieira
Historiador da física e jornalista
Especial para a Ciência Hoje
A publicação de artigos científicos passa por uma revolução nos últimos anos na busca por tornar o acesso ao conteúdo livre e gratuito. No entanto, esses novos modelos fazem os cientistas arcarem com custos e ampliam a desigualdade entre países ricos e pobres
Altas temperaturas e eventos climáticos extremos, como secas, ondas de calor e enchentes, já prejudicam a produção de alimentos e colocam em risco populações mais pobres, afirma Argemiro Teixeira, pesquisador do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG
Restaurar ambientes degradados pela ação humana, adotando um arranjo bioeconômico efetivo com espécies nativas da flora tropical, pode levar o Brasil ao desenvolvimento sustentável, colocando-o em uma posição de destaque na economia global, sendo protagonista de seu próprio crescimento
Novos estudos mostram que restos encontrados em rochas de 225 milhões de anos no Rio Grande do Sul não pertencem a um réptil alado, como se acreditava, e identificam no material uma segunda espécie, denominada de Maehary bonapartei
No final da Segunda Guerra Mundial, dez cientistas alemães foram encarcerados em uma casa na Inglaterra, onde todos os aposentos estavam equipados com microfones ocultos, permitindo que as forças aliadas escutassem as conversas entre mentes brilhantes
A história do uso da impressão digital para reconhecimento de pessoas tem início sombrio: o assassinato de duas crianças. Pioneiro no campo da criminologia, o croata naturalizado argentino Juan Vucetich usou a papiloscopia pela primeira vez em 1892 para desvendar o verdadeiro autor do crime.
As descobertas do bioquímico brasileiro Leopoldo De Meis tiveram um papel fundamental na compreensão do mecanismo de funcionamento da enzima ATP-sintase para sintetizar o ATP, a molécula-chave nas conversões de energia nas células dos seres vivos.
Figurinhas carimbadas hoje em desenhos infantis e filmes de Hollywood, esses animais fossilizados e extintos eram conhecidos de povos indígenas das Américas, Ásia e Oceania, mas só foram descritos pela ciência moderna no século 19
Pioneira da física no Brasil, ela deu contribuições importantes para o entendimento dos raios cósmicos, núcleos atômicos de alta energia que chegam do espaço e bombardeiam a atmosfera terrestre a todo instante, criando uma ‘chuveirada’ de novas partículas que penetram nossos corpos
Data de 1912 a primeira tentativa de se criar um método para medir a ardência das pimentas, e o feito coube a um promissor farmacêutico, que iniciou na carreira fazendo entregas, lavando chão e limpando vitrines.
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |