Os avanços tecnológicos são capazes de proporcionar novas experiências e facilitar a vida das pessoas, mas também podem gerar graves problemas para sua saúde física e mental
Os avanços tecnológicos são capazes de proporcionar novas experiências e facilitar a vida das pessoas, mas também podem gerar graves problemas para sua saúde física e mental
CRÉDITO: ADOBE STOCKPHOTOS
A cada nova tecnologia que surge e passa a ser incorporada ao nosso dia a dia, o ser humano reajusta seus hábitos, seus modos de consumir informação e produtos e seus modos de se divertir.
Os poderes que as tecnologias mais modernas nos dão – de processamento ultrarrápido de dados, comunicação quase instantânea com o mundo inteiro, conhecimento da geolocalização com alta precisão etc. – são comparáveis aos de muitos super-heróis.
Mas se, por um lado, a tecnologia nos dá habilidades sobre-humanas, ela também pode trazer consequências profundas para nossa vida.
Embora seja difícil investigar cientificamente fenômenos muito recentes, já existem pesquisas científicas e relatos de pesquisadores, médicos, psicólogos e demais estudiosos sobre os impactos negativos de usos problemáticos das tecnologias na saúde física e mental da população.
Os celulares começaram a ser comercializados na década de 1980, com o único objetivo de ser um dispositivo de telefonia móvel que pudesse ampliar nossas capacidades de comunicação. Já na década 1990, os primeiros smartphones, com funções além da ligação telefônica, começaram a surgir.
Atualmente, uma pessoa pode utilizar o celular para jogar (com qualidade cada vez maior), ouvir músicas, acessar redes sociais, navegar na internet, orientar-se espacialmente por meio de mapas, tirar fotos, assistir séries e filmes, ler livros, pagar contas e fazer transferências bancárias, pedir lanches ou transporte por aplicativo etc. Essa enorme convergência tecnológica, que embutiu diversas outras tecnologias dentro do aparelho celular, fez dele um item indispensável para grande parcela da população e o tornou tão íntimo que até durante o banho o dispositivo costuma acompanhar seu dono.
Nesse contexto, o apego emocional ao aparelho e às suas funções tornou cada vez mais difícil a separação entre uma pessoa e seu celular, a ponto de passar a ser um problema nas salas de aula, no trânsito e até no ato de atravessar uma rua. Uma matéria da CNN Brasil de 2021 afirma que o celular é a principal causa de acidentes de trânsito com pessoas de 20 a 39 anos, segundo dados divulgados pela Associação Brasileira de Medicina do Tráfego.
Os smartphones também provocaram uma importante alteração nos hábitos dos indivíduos. Hoje, são muitas as pessoas que vão a shows e os assistem pela tela do celular, enquanto filmam o espetáculo, ou que vão a confraternizações e se isolam para socializarem virtualmente.
Uma vez que o celular se tornou um símbolo de bem-estar, de conexão com o mundo e até de fuga social, a sua ausência passou a ser um fator causador de ansiedade e estresse. Pesquisas científicas detectaram correlação entre o uso problemático de celulares e ansiedade, estresse crônico e depressão.
A simples proximidade do aparelho pode ser uma distração tentadora, levando as pessoas ao abandono de uma atividade que estejam fazendo ou à multitarefa. Pesquisas também apontam os impactos negativos do uso excessivo do celular no desempenho educacional.
É difícil dizer com exatidão o que faz com que o celular impacte negativamente o desempenho escolar e profissional, mas podemos elencar algumas causas potenciais: a distração gerada pelas notificações; o medo de ficar desatualizado ou ficar de fora do que está acontecendo no mundo virtual (também conhecido como ‘FOMO’ ou, em inglês, ‘fear of missing out’); a utilização do celular como fuga e procrastinação das tarefas (fenômeno denominado ‘cyberslacking’); e a crescente dificuldade de lidarmos com os micro tédios diários que experimentamos, já que o celular está sempre à disposição e oferece um rápido alívio desse sentimento, deixando-nos menos aptos a lidar com tédios e desprazeres maiores.
Essa inseparável ligação entre o humano e sua máquina portátil acabou levando à elaboração do conceito de nomofobia, uma contração do termo em inglês no-mobile phobia (em tradução livre, ‘fobia pela ausência do celular’). Assim, a nomofobia caracteriza-se por um medo desproporcional (ou angústia) de ficar sem o celular ou de ficar desconectado do mundo virtual.
Além da nomofobia, outras condições relativas ao uso frequente do celular estão sendo reportadas por médicos e pesquisadores, embora não se saiba ainda se são condições malignas ou benignas, ou se podem levar a outros sintomas. Uma dessas condições é a ‘síndrome da vibração fantasma’, que consiste em uma falsa percepção de que o seu celular está vibrando no seu bolso. Similarmente, há a ‘síndrome do toque fantasma’, condição na qual o indivíduo tem a falsa percepção de que seu celular está tocando. E fala-se ainda da ‘ansiedade pelo toque de celular’ (ou ‘ringxiety’, em inglês), que consiste em um quadro de ansiedade ao ouvir qualquer toque de celular e em achar que todo toque de celular é do próprio aparelho.
Pesquisas sobre celular e saúde mental ainda são incipientes e pouco conclusivas, mas a variedade de estudos sobre o assunto já nos dá pistas de que o uso compulsivo do aparelho pode representar uma perda na qualidade de vida e no bem-estar do indivíduo.
A rede social com maior número de usuários segue sendo o Facebook. Com suas mais de 2,8 bilhões de contas, a plataforma oferece não apenas um espaço de socialização virtual e trocas de informações e conteúdos variados, como também permite que o usuário construa uma espécie de currículo social, que deverá ser a melhor vitrine de si mesmo, deixando todo o lado ruim de sua vida inacessível aos olhos alheios.
Por mais que se saiba que um perfil virtual não reflete quem a pessoa é de fato ou que as fotos publicadas, por mais incríveis que possam ser, não representam a vida cotidiana dela, é natural ter a sensação de que a nossa vida é muito mais sem graça do que a das pessoas que seguimos nas redes sociais, ou de que nosso corpo não está à altura dos corpos expostos nas vitrines virtuais.
Essa comparação social – que sempre existiu, mas foi intensificada pelas redes sociais – nos faz colocar lado a lado a melhor imagem sobre o outro (mesmo que falsa) e o pior (ou o mais mundano) que há em nós, podendo nos levar a um desinteresse pela nossa própria vida, a uma percepção de que temos menos amigos do que os outros, a uma insatisfação corporal, entre outros sentimentos ruins sobre nós mesmos.
É evidente que o efeito provocado pela comparação social depende muito do indivíduo. Qualquer pessoa que assistiu aos desenhos e filmes dos X-Men sabe que os superpoderes de um super-herói (bem como suas fraquezas) podem destruir sua vida, se ele não souber lidar com eles e controlá-los. Alguns fatores de risco deixam a pessoa mais vulnerável frente aos padrões de comparação expostos nas redes sociais, entre eles, baixa autoestima, baixa resiliência, insegurança e predisposição à autodepreciação.
Além da insatisfação corporal, outras condições vêm sendo associadas por algumas pesquisas ao uso frequente das redes sociais, como a diminuição da qualidade do sono, o sentimento de fadiga ao acordar e maiores níveis de ansiedade, hiperatividade e distração.
Para buscarmos soluções para essa potencial perda de qualidade de vida decorrente do uso excessivo das tecnologias, precisamos compreender que se trata de um problema multifatorial, cuja ‘culpa’ não é de um agente específico.
Um passo importante, certamente, é o de uma regulamentação mais adequada da internet e das redes sociais. Deixar que essas plataformas se autorregulem é como deixar que uma criança regule quantos doces vai poder comer antes do almoço.
É necessário também que se promova a alfabetização digital da população e a educação para a mídia, ou seja, uma educação que vá além do ensino ferramental e tecnicista e que prepare melhor os jovens e adultos para lidar com a tecnologia de forma mais saudável.
Na esfera individual, é altamente recomendável que a pessoa que percebe sua qualidade de vida reduzida – devido ao vício em internet e outras tecnologias, à insatisfação corporal ou a qualquer psicopatologia – procure ajuda profissional. Algumas pesquisas no campo da psicologia apontaram a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a terapia cognitiva baseada na atenção plena (mindfulness) como eficientes na diminuição do tempo de uso de celular e na redução de sintomas decorrentes do vício em algumas tecnologias.
Portanto, assim como o professor Charles Xavier, o poderoso telepata que lidera os X-Men, nunca foi a favor de acabar com os poderes dos mutantes, mas de ensiná-los a lidar com eles, podemos fazer o mesmo com as tecnologias e as redes sociais. Não se trata de bani-las, pois isso seria como tentar impedir um furacão de seguir seu curso natural, mas sim de aprendermos a lidar com essas ferramentas e a fazer um uso eficiente, seguro, útil e saudável delas.
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