Vírus! Essa palavra nunca esteve tão em voga, especialmente devido à pandemia de COVID-19, provocada pelo vírus Sars-CoV-2. Apesar disso, os vírus ainda estão cercados de perguntas e debates complexos: Quando surgiram os vírus? O que o registro fóssil nos conta sobre eles?
Para começar, existe uma discussão nada trivial sobre os vírus: eles podem ser considerados organismos vivos? Para alguns cientistas, a resposta é sim, já que os vírus são compostos por material genético (DNA ou RNA) – que, nesse caso, está envolto por uma estrutura chamada de capsídeo, formada por uma proteína. Por outro lado, lhes faltam muitas características inerentes aos seres vivos, como ter uma estrutura celular simples com citoplasma, bem como desenvolver ação metabólica e se reproduzir de forma independente – os vírus só se reproduzem dentro de uma célula à qual parasitam. Eles também não crescem em tamanho e não se dividem.
Os vírus podem infectar todos os tipos de formas de vida, desde bactérias até plantas e animais. Quando invade uma célula, o vírus a ‘obriga’ a produzir várias cópias idênticas dele mesmo, que terminam por infectar todo o organismo.
Os vírus têm tamanho muito pequeno, sendo medidos em nanômetros (nm) – um nm equivale a um milionésimo de milímetro. A maioria tem entre 20 e 300 nm e o maior vírus registrado até o momento tem 1.500 nm. Para se ter uma ideia, a espessura média de um fio de cabelo gira em torno de 100.000 nm. Por isso, os vírus só podem ser observados com microscópios eletrônicos.
Os vírus são extremamente abundantes na natureza e a maioria deles não tem nenhum efeito na saúde das pessoas ou dos organismos nos quais se alojam. Mas, em alguns casos, podem ser extremamente mortíferos, como o vírus da raiva, doença que, quando não tratada a tempo, tem uma mortalidade perto de 100%.
Com essas características, percebe-se que as chances de fossilização de um vírus e, principalmente, de ele ser descoberto nas camadas de sedimentos são muito próximas de zero. Mas existe um ramo da ciência dedicado à pesquisa dos vírus ‘fósseis’: a paleovirologia!
O principal modo como um pesquisador encontra evidências de um vírus extinto é examinando o material genético de outros organismos. Quando um vírus invade um organismo, existe a possibilidade de que parte do seu material genético se aloje nas células germinativas do hospedeiro. Então o vírus fica inativo, sem afetar o organismo, fazendo com que o ‘novo’ material genético possa ser repassado aos descendentes e acabe sendo incorporado ao genoma da espécie. Fala-se, inclusive, que o próprio genoma humano tem em torno de 8% de material genético procedente de vírus.
Um bom exemplo dessa situação foi a pesquisa realizada em algumas aves, mais especificamente no mandarim (Taeniopygia guttata), que vive em países como Austrália e Brasil. Foram encontrados no genoma dessa espécie resquícios de material genético de vírus do grupo Hepadnaviridae – que inclui o vírus da hepatite B. Usando técnicas moleculares e estudos de parentesco entre aves proximamente relacionadas, pesquisadores conseguiram estabelecer que o hepadnavírus teria se ‘infiltrado’ no código genético do mandarim há pelo menos 19 milhões de anos, demonstrando que esse tipo de vírus é bastante antigo. Uma continuação desse estudo chega a estimar a idade mínima de hepadnavírus em cerca de 35 milhões de anos.
As evidências indiretas mais antigas de vírus foram encontradas em insetos preservados em âmbar (resina vegetal fóssil) de 99 milhões de anos em Mianmar. O mais interessante caso é o de uma mosca hematófaga (que se alimentava de sangue) do grupo Phlebotomidae. Ao estudar o seu trato digestivo, pesquisadores encontraram muitas estruturas compatíveis com infecções virais semelhantes às causadas pelo Cypovirus – gênero de vírus do grupo Reoviridae, ao qual pertence também o Rotavírus.
Comparando diversos tipos de vírus presentes em insetos, os cientistas puderam determinar que alguns vírus existentes hoje em dia possivelmente tiveram origem há pelo menos 310 milhões de anos. Existe ainda o caso de um vírus extinto há 30 mil anos que acabou ressuscitado.
Para algumas pessoas, esses dados podem não ser muito convincentes. É claro que o ideal seria termos um fóssil de um paleovírus propriamente dito para dirimir todas as dúvidas. E isso pode – e deverá – acontecer no futuro. Recentemente, cientistas foram capazes de ‘fossilizar’ um vírus em laboratório. O vírus foi substituído por sílica, um mineral muito comum e que preserva organismos fósseis, entre eles, alguns dos microrganismos mais antigos encontrados até o momento, como bactérias. Em um exercício de futurologia, acho que encontrar vírus silicificados é apenas uma questão de tempo, quando pesquisadores utilizarem os equipamentos e métodos apropriados nas rochas corretas.
Alexander W. A. Kellner
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Academia Brasileira de Ciências
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