Os primeiros registros escritos do uso do transplante de microbiota vêm da China, cerca de 700 anos antes da Era Cristã. Um texto chamado ‘Cinquenta e duas fórmulas de tratamento’ traz detalhes da preparação do “suco dourado”, feito a partir de fezes humanas frescas ou fermentadas e usado de forma genérica para desintoxicação. Textos posteriores, no século 4, também da China, descrevem o uso de preparações contendo fezes humanas para o tratamento de diarreias graves, constipação ou dor abdominal.
Na medicina moderna, o primeiro uso do transplante de microbiota fecal descrito foi uma tentativa feita pelo microbiologista norte-americano Stanley Falkow (1934-2018) na década de 1950. Falkow coletou amostras de fezes de pacientes que receberiam um tratamento com antibióticos em preparação para um procedimento cirúrgico. Apesar do sucesso da cirurgia, os pacientes constantemente reclamavam de sintomas gastrointestinais.
Falkow sugeriu que os antibióticos estavam destruindo a microbiota intestinal dos pacientes e pediu para que eles coletassem fezes antes de tomar os antibióticos. Ele colocou essas fezes secas em capsulas de gelatina e produziu pílulas para que os pacientes ingerissem após a recuperação da cirurgia.
O diretor do hospital descobriu o que estava acontecendo e demitiu Falkow imediatamente. Os pacientes que receberam e ingeriram essas pílulas reportaram menos problemas intestinais do que os que não as receberam; mas esses resultados nunca foram publicados.
Em 1958, um grupo de cientistas liderados pelo cirurgião norte-americano Ben Eiseman (1917-2012), na Universidade do Colorado (EUA), obteve um sucesso estrondoso tratando quatro pacientes com colite pseudomembranosa grave, usando enemas (inserção de líquidos pelo ânus) com material fecal de doadores saudáveis. Outros 16 casos foram selecionados para serem submetidos ao mesmo procedimento, com uma taxa de sucesso de 94%.
Em 2013, foram publicados os resultados do primeiro grande teste clínico randomizado do uso de transplante de microbiota fecal para tratamento de infecção recorrente por C. difficile nos EUA. A taxa de sucesso chegou a 80% em comparação aos 31% obtidos com o uso de antibiótico (vancomicina). Esses dados foram confirmados por inúmeros estudos e testes clínicos na década passada.
Nas últimas duas décadas, diversas publicações e estudos acadêmicos vêm correlacionando e até estabelecendo relações de causalidade entre a disbiose intestinal e doenças extraintestinais. Esses estudos, somados ao marcante sucesso no tratamento da infecção recorrente por C. difficile, despertaram grande interesse da comunidade médica no transplante de microbiota fecal, e novas pesquisas e testes clínicos com alvos em outras doenças estão em curso atualmente.
Tais testes estão mostrando que o transplante de microbiota fecal pode ser útil no tratamento de condições que afligem outros órgãos fora do trato gastrointestinal, como psoríase, síndrome metabólica e obesidade, arteriosclerose, esteatose hepática, encefalopatia hepática, resistência à insulina, diabetes, esclerose múltipla, doença de Parkinson, entre outras.