A inclusão de alunos com necessidades especiais em escolas regulares é uma realidade para a qual nem sempre nós, professores da educação básica, estamos preparados. Compreender as dificuldades encontradas por eles no dia a dia pode subsidiar o planejamento de aulas em que se sintam respeitados e acolhidos, e que sejam também estimulantes para os demais alunos. As situações relatadas a seguir são voltadas a alunos cegos e alunos surdos, mas podem beneficiar quaisquer alunos, porque se referem ao reconhecimento de cédulas e moedas do sistema monetário brasileiro e à resolução de problemas diversos com o dinheiro.
Uma situação cotidiana são as compras no supermercado. Algo que parece simples, por envolver apenas a escolha de produtos e o pagamento ao final, pode ser consideravelmente complexo para pessoas cegas ou surdas. Seja no ensino fundamental ou médio, podemos promover a sensibilização de nossos alunos sem deficiência convidando-os a experimentar, por exemplo, alguns minutos no papel de uma pessoa que vive sem o sentido da visão. Com vendas ou outro recurso para cobrir os olhos, estimule-os a pensar que não conseguem enxergar. A vivência obtida será, mais ou menos, a seguinte:
O cego vai realizar suas compras em um supermercado e começam os problemas. A primeira dificuldade é a indisponibilidade de um funcionário do estabelecimento para acompanhá-lo. O cego necessita de alguém ao seu lado nas seções para lhe dizer as marcas e os preços dos produtos, dado que não há acessibilidade alguma nem nos produtos nem nas indicações de preços. Por não conseguir “ler” os rótulos dos produtos, a pessoa com deficiência visual perde informações importantes: preço promocional, validade e condições da embalagem, entre outros. Ao fazer o pagamento, enfrenta-se a dificuldade com relação ao reconhecimento das notas, porque as cédulas da nossa moeda, o real, não foram elaboradas considerando a pessoa que não enxerga. Não há informação em relevo que possa auxiliá-la. Alguém poderia mencionar que os tamanhos das notas são diferenciados, mas cabe destacar que somente podem ser discriminados comparativamente. Sem falar que há duas versões de notas do real circulando com tamanhos diferentes: uma mais antiga (1994) e outra desde 2010. Isso é apenas uma amostra do quanto a nossa sociedade ainda precisa adaptar e desenvolver recursos para que a pessoa cega possa realizar, com autonomia, atividades diárias.
Seguindo a mesma linha, a proposta agora é criar algum mecanismo de abafar os sons – com algodão e fones, por exemplo – para que os alunos vivenciem a experiência de não ouvir. Repetindo o roteiro da atividade anterior, quais desafios são enfrentados pelas pessoas surdas ao fazer compras no supermercado?
As pessoas cegas são facilmente identificadas: boa parte usa óculos escuros, bengalas, anda apoiada no ombro de outras pessoas ou sai acompanhada de cão-guia. O mesmo, no entanto, não ocorre com as pessoas surdas. Assim, o primeiro desafio é saber que essas pessoas não ouvem e, provavelmente, não se comunicam da mesma forma que nós. No supermercado, se querem saber onde fica a calda de chocolate para tomar com sorvete, a quem irão perguntar? Como pedir meio quilo de queijo e 250 gramas de presunto ao atendente? Por último, chega o momento de pagar as compras. Ao entregar, por exemplo, uma nota de 20 reais para pagar uma conta de R$ 11,50, o caixa lhe pergunta: – Teria cinquenta centavos ou um real e cinquenta para facilitar o troco? Ou, ao pagar com cartão, como fazer para responder se o pagamento deve ser feito a crédito ou débito? Assim, por conta de questões comunicativas, nossa sociedade também precisa fazer muitas adaptações e desenvolver recursos para que a pessoa surda possa realizar, com autonomia, atividades diárias.
Como lidar com as questões comunicativas que cercam as pessoas que não ouvem? Os surdos que vivem nos grandes centros urbanos do Brasil costumam se comunicar em Libras, a Língua Brasileira de Sinais. Contudo, para aprendê-la é preciso conviver com pessoas que a utilizam ou entrar em um curso, pois se trata de uma língua possivelmente nova para você. Assim, essa é a primeira grande dificuldade que as pessoas surdas enfrentam: as crianças surdas, em sua maioria, pertencem a famílias ouvintes – os pais não sabem falar a mesma língua que seus filhos. Logo, tanto os pais quanto as crianças precisam ir à escola para aprender a falar por meio de sinais. Caso estudem em escolas inclusivas precisarão de intérpretes, que venham a atuar como mediadores entre elas e seus colegas e professores. E, diante dessas dificuldades, como podemos pensar na aprendizagem da matemática por esses alunos?
Não há diferença quanto aos conteúdos escolares que irão aprender: eles devem ser os mesmos para todos os alunos. A diferença está na forma como a matemática deve ser ensinada para que a aprendizagem seja efetiva. No caso dos surdos, ter um professor que saiba Libras ou a presença de um intérprete é condição necessária, mas não suficiente. O aluno precisa ser ensinado por meio de estratégias visuais, porque a visão é o principal canal de aprendizagem da pessoa surda.
Partindo desta premissa, no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), foi montado um minimercado com embalagens vazias que os próprios alunos surdos trouxeram. Desta forma, eles simularam atividades de compra e venda, incluindo dar troco e fazer cálculos, utilizando cópia colorida e reduzida das notas do real. A montagem deste mercado envolveu a organização dos produtos e a colocação de preços a partir de pesquisa em encartes de supermercados. Atividades como esta podem ser estimulantes para todos os alunos, que se sentirão responsáveis por esse espaço de aprendizagem.
Para os cegos, utilizamos cédulas adaptadas no Instituto Benjamin Constant (IBC), ou seja, cédulas “falsas”, com os respectivos valores registrados em Braille, com o propósito de iniciar a compreensão do nosso sistema monetário e resolver problemas cotidianos, como dar troco, entre outras possibilidades. No entanto, mesmo que haja essa ação pedagógica, a pessoa com deficiência visual terá de superar a dificuldade em diferenciar as cédulas no dia a dia, porque elas não são feitas em Braille, dado o desgaste rápido do papel-moeda. Os tamanhos diferentes das notas também não são muito eficientes pelo fato de, como já mencionamos, a discriminação somente ser possível comparativamente. É verdade que existem aplicativos que reconhecem cédulas e que, de alguma forma, auxiliam a pessoa que não enxerga. Mas esses são restritos a quem dispõe de telefone celular com tecnologia minimamente avançada.
Em resumo, para aulas verdadeiramente inclusivas, o trabalho dos professores necessita de grande respaldo de outras áreas da sociedade.
Claudia Segadas-Vianna
Instituto de Matemática, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Luigi Amato Bragança Amorim
Instituto Benjamim Constant
Silene Pereira Madalena
Instituto Nacional de Educação de Surdos
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