A vida no nosso planeta vem da luz solar captada pela fotossíntese que ocorre nas cianobactérias, algas e plantas. A energia resultante desse processo permite que todos os seres vivos se construam, reconstruam e reproduzam, desde que estejam num ambiente favorável, que lhes garanta espaço, acesso a oxigênio, carbono, água e uma série de outros componentes orgânicos e inorgânicos em condições climáticas vantajosas. Na pirâmide alimentar do ciclo da vida, as plantas têm o papel de produtores primários. Sem elas, a vida animal, inclusive a nossa, seria impraticável.
A humanidade se preocupa com a saúde das plantas apenas quando sofre ameaças que afetam a economia e a saúde pública. Já no século 19, o biólogo francês Louis Pasteur (1822-1895) pesquisava os micróbios que causavam doenças nas videiras, com consequentes prejuízos na produção de vinho.
Nessa mesma época, o vírus do mosaico do tabaco (TMV) foi estudado em detalhe pelos danos que causava às plantações, muito antes de se avaliarem os prejuízos provocados pelo uso da planta à saúde humana. A Tradescantia pallida (conhecida como trapoeraba-roxa ou coração-roxo) muda a coloração dos tricomas (órgãos da flor que produzem o pólen) quando exposta à radiação ionizante (aquela capaz de modificar o DNA das células). Por isso, a espécie é usada como indicador de níveis tóxicos de radiação.
Dependemos das plantas para quase tudo. Então, por que esperamos tanto tempo para dar atenção especial à saúde delas?
Os seres que fazem fotossíntese, absorvendo gás carbônico (CO2) e liberando o oxigênio (O2) que respiramos, somam aproximadamente 374 mil espécies de plantas, sendo 308 mil vasculares (que têm vasos condutores de seiva) – das quais 295 mil são angiospermas (com frutos) –, 44 mil espécies de algas e cerca de 6.300 espécies de cianobactérias. Estas últimas representam 0,0005% da biomassa de carbono global.
Ao conquistarem o ambiente terrestre há 470 milhões de anos, as plantas se depararam com uma atmosfera muito mais quente do que a atual, com uma concentração de CO2 bem maior que a de hoje. Ao longo do tempo, a expansão da vegetação consumiu parte do CO2, aumentando a concentração de oxigênio e resfriando a atmosfera.
Coincidência ou não, as concentrações de CO2 na atmosfera vêm aumentando, sobretudo a partir da Revolução Industrial. O nível de CO2 era de 296 ppm (partes por milhão) em 1900. Já, em 2020, o índice medido pelo observatório da NOAA (sigla em inglês para Administração Norte-americana Oceânica e Atmosférica) em Mauna Loa, Havaí, era de 413 ppm – 40% a mais.
A respiração de um ser humano adulto consome, em média, 427 kg de oxigênio por ano – os atuais 8 bilhões de pessoas consomem, anualmente, 3,42 gigatoneladas (Gt) de O2 por ano. O consumo dos animais domesticados, como bois, cabras, ovelhas, porcos e aves, tira da atmosfera mais 2,53 Gt de oxigênio a cada ano.
No Antropoceno, a atual era geológica moldada pela presença humana na Terra, o consumo anual global de O2 aumentou de 2 Gt em 1900 para 38,2 Gt em 2015, com projeção de 100 Gt para 2100 – reduzindo assim, em apenas dois séculos, a concentração desse gás na atmosfera em 0,12%.
A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2020 como o Ano Internacional da Saúde das Plantas (IYPH), um ato pioneiro – porém atrasado –, de nobres intenções, que a humanidade poderia abraçar. Finalmente, a ONU reconheceu que a saúde de qualquer grupo natural de seres vivos, inclusive humanos, só é possível quando há algum grau de equilíbrio na biosfera terrestre. Esse equilíbrio só existe mantendo proporções sustentáveis de populações de todos os agentes da pirâmide ecológica: produtores, consumidores primários a quaternários e decompositores.
A maioria das espécies vivas se enquadra apenas em uma dessas categorias, mas os seres humanos atuam em praticamente todas, exceto na de produtores. Atualmente, a maior biomassa (matéria orgânica usada na produção de energia) viva na Terra é a das plantas, em sua maioria produtores primários, com 450 GtC (gigatoneladas de carbono); a dos consumidores de todos os níveis alcança apenas 95,2 GtC. A biomassa de todos os animais, com 2 GtC, representa apenas 0,37% do total e depende inteiramente da saúde das plantas.
Os seres humanos representam apenas 0,01% da biomassa da Terra, mas, a partir da Revolução Industrial, de meados do século 19 até o presente, já converteram 8% da vegetação nativa dos continentes em plantações, pastagens e cidades. A ONU chegou a essa conclusão com atraso, pois sua estrutura de governança é antiquada e pautada num modelo ultrapassado de diplomacia: fazem-se longas conferências, que geram extensos documentos, que não são adotados e sancionados pelas potências mundiais. Manda, portanto, o poder econômico e não a ciência.
Se os consumidores de qualquer nível se reproduzirem mais do que o normal, a pirâmide ecológica entra em desequilíbrio, o que é agravado por mudanças climáticas, poluição por pesticidas e plásticos e pela perda progressiva de vegetação natural. A humanidade levou 200 mil anos para alcançar 1 bilhão de indivíduos, mas apenas dois séculos para chegar aos atuais 8 bilhões.
Já no século 18, o economista britânico Thomas Malthus (1766-1834) previa que a população humana cresceria mais rapidamente do que a sua capacidade de produzir alimentos. Ele foi tachado de alarmista e ridicularizado, pois, por um breve momento da história, a produção de alimentos conseguiu acompanhar a taxa de reprodução de humanos graças à expansão, sem precedentes, de áreas agropastoris e ao desenvolvimento da agricultura mecanizada.
Entretanto, a aceleração hoje verificada do crescimento da população humana tenderá a aumentar por algum tempo, enquanto conseguirmos respirar o ar e beber a água do planeta – ambos já com qualidade comprometida por poluição antrópica – e enquanto alguns serviços ambientais básicos, como a polinização, forem minimamente mantidos.
Se insistirmos por muito mais tempo no atual sistema socioeconômico e geopolítico global, a extinção gradual das espécies, inclusive a nossa, será inevitável. Não faltam números comprobatórios revelados em diversos artigos escritos pelos mais variados cientistas, alertando a humanidade para os riscos de nossa extinção, aliada à da maioria dos outros seres vivos. Quem os lê? Quem os ouve? Manter o modelo de produção vigente parece mais cômodo.
A reprodução da maioria das plantas com flores depende de agentes polinizadores, como abelhas e vespas, borboletas e mariposas, aves e morcegos. Esses seres eram extremamente abundantes até poucos anos atrás, mas, segundo pesquisas recentes (veja Leia +), suas populações estão em declínio catastrófico.
Um exemplo grave é a poluição causada por agrotóxicos; em especial, os neonicotinoides. Ainda que em concentrações ínfimas, eles provocam doenças nas abelhas que ficam desorientadas e menos imunes aos ácaros e parasitas. Esses problemas chegaram a tal ponto que plantadores comerciais de árvores frutíferas têm que alugar colmeias móveis de abelhas durante as florações, porque as abelhas nativas já desapareceram.
Segundo fontes da FAO, em torno de 40% de toda a produção agrícola do mundo se perde anualmente pelo impacto de pragas e doenças, agravando a fome e pobreza de comunidades rurais. Está ficando cada vez mais claro que as medidas tomadas por humanos para mitigar as pragas e doenças apenas acentuam e retroalimentam os danos.
Entretanto, o problema de ecossistemas com cadeias alimentares interligadas é tratado superficialmente, quase como um tabu, pela ONU. As conferências sempre tendem a apresentar a humanidade como proprietária do resto dos seres vivos e do ambiente. Daí, os nomes antagônicos dos encontros mundiais sobre o meio ambiente e desenvolvimento [humano] que se repetem a cada década, sem avanços significativos de estratégias efetivas para devolver o equilíbrio à biosfera.
Enquanto há cinco séculos as viagens internacionais eram privilégio de uns poucos desbravadores, atualmente chegam a 40 milhões de voos anuais, transportando 4,1 bilhões de passageiros – metade da humanidade. Além de esses veículos – aviões, navios, trens, automóveis – poluirem a atmosfera, as viagens abriram um caminho sem precedentes para o transporte intercontinental de doenças infecciosas e pragas que podem afetar a saúde das plantas e do resto dos seres vivos nos respectivos destinos. São vírus, bactérias, esporos de fungos, insetos portadores de patógenos, roedores vetores de doenças e alimentos potencialmente contaminados que, há 500 anos, ficavam bastante restritos aos seus locais de origem.
Quando se fala de saúde, não se pode deixar de discutir a doença. Nos animais, médicos, veterinários e terapeutas geralmente procuram tratar o indivíduo e fazer profilaxia na população afetada no momento. Nas plantas alimentícias, geralmente se adota a prevenção, usando substâncias químicas aplicadas sobre a superfície para repelir infestações, mas também se introduzem espécies transgênicas já resistentes a pragas e micróbios.
A aspersão por aviões de grandes quantidades de agrotóxicos tem uma série de efeitos colaterais, matando espécies que não são o alvo do ataque, como os polinizadores, e poluindo drenagens de água, frequentemente até muito distantes das plantações onde houve a aplicação original. Os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde de humanos e seus animais domesticados ainda são um tabu, em meio a uma guerra silenciosa entre os grandes fabricantes desses produtos e as potenciais vítimas.
Os organismos que são geneticamente modificados (OGM) para desenvolverem mais resistência a pragas, doenças e – pasmem! – herbicidas (é o caso da soja Roundup Ready) dividem a sociedade. De um lado, estão os defensores dos OGM, que acham que a nossa população gigantesca e crescente continuará sustentável. De outro, estão os cientistas preocupados com os efeitos visivelmente apocalípticos sobre a fauna de invertebrados, temendo ou já sofrendo problemas de saúde decorrentes de tais venenos.
O diálogo parece estar distante. Mas, se olharmos o repertório de maior volume do crescente agronegócio que assola o Centro-oeste, Sudeste e Norte do país, um fato interessante salta aos olhos: soja, milho e cana-de-açúcar têm um denominador comum – a primeira se autopoliniza enquanto as duas últimas são polinizadas pelo vento (todas as três culturas independem dos insetos). A supressão da vegetação nativa para o plantio justamente desses insumos não parece mera coincidência.
Em suma, não vejo boas perspectivas para a saúde das plantas, a não ser que a humanidade mude seu comportamento. Nem ouso especular o que acontecerá na natureza quando o vento levar o pólen de uma planta geneticamente modificada para uma flor de uma variedade nativa. Como disse o naturalista britânico David Attenborough, “quem acredita em crescimento infinito em um planeta fisicamente finito, ou é louco, ou é economista”.
Ruy J. V. Alves
Departamento de Botânica
Museu Nacional, UFRJ
Insetos desconhecidos encontrados em pedaços de âmbar de 99 milhões de anos junto com restos de penas indicam que a interação entre esse grupo de invertebrados e animais com penas é muito antiga e possivelmente vinculada ao desenvolvimento desse tipo de estrutura nos dinossauros.
Plantas produzem perfumes sofisticados para atrair polinizadores. Essa relação é tão importante que dela depende nossa comida – e, portanto, nossa sobrevivência. Infelizmente, vivemos crise planetária desses insetos.
Doença causada pelo parasita Toxoplasma gondii atinge milhões de brasileiros, com consequências graves para a saúde pública. Pesquisadores estão propondo alternativas de tratamento para acelerar o processo de descoberta de novos medicamentos e assim beneficiar os pacientes.
A exploração do espaço voltou a ganhar momento, com a entrada em cena não só de novas agências espaciais, mas também de empresas que exploram comercialmente essa atividade. A tensão ideológica que marcou esse campo foi substituída pela cooperação
O mercado de sementes modificadas e dependentes de pesticidas tóxicos à saúde e ao ambiente está cada vez mais concentrado em algumas poucas megaempresas. É essencial visibilizar as formas de produção por trás do que comemos para alcançar alternativas saudáveis e justas
Há 50 anos, o lançamento do satélite Landsat-1 transformou nosso olhar sobre a superfície terrestre. Hoje, as técnicas de machine learning e deep learning promovem uma nova revolução, desta vez na “visão” dos computadores e no sensoriamento remoto do planeta
Desde a Antiguidade, teatro e ciência têm dialogado. Mais recentemente, peças sobre cientistas renomados foram sucesso de público. Nas últimas décadas, a divulgação científica, ampliando seus horizontes, pegou carona nesse entrelaçamento de culturas
O fenômeno – adaptação evolutiva crucial para proteger, de respostas imunes prejudiciais, órgãos e tecidos vitais, como olhos, placenta, cérebro e testículos – abre novas possibilidades para tratamentos mais eficazes contra o câncer e condições que envolvem o sistema imunitário.
As diversas populações negras que habitam a fronteira do Brasil com a Guiana Francesa exibem, por meio de diferentes objetos materiais e suas relações com paisagens e festejos, a memória dos territórios que ocupam – uma história que ainda não é contada nas escolas
Vírus precisam de células hospedeiras para se multiplicar. Mas alguns deles, como os vampiros da literatura e do cinema, se agarram ao ‘pescoço’ de outros vírus, para juntos poderem alcançar um hospedeiro. Esse é só um dos exemplos da fascinante virosfera.
A Lei 14.701, de 2023, que, entre outros pontos, estabelece que terras indígenas demarcadas ou em processo de disputa podem ser reivindicadas pela sociedade, representa um risco aos povos originários, ao clima e ao meio ambiente
Para entender melhor a complexidade e o desafio existencial que essa nova era significa para todas as espécies, é preciso rever enquadramentos disciplinares rígidos e mais tradicionais: geólogos, cientistas climáticos e cientistas sociais precisam trabalhar em conjunto
Um lagarto sul-americano guarda um fato peculiar: em sua fase reprodutiva, o organismo desse réptil é capaz de aumentar a geração de calor interno – fenômeno raro para um animal que depende da radiação solar como fonte de energia. Bem-vindos aos ‘mistérios’ dos teiús.
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |