Domínio: a saga dos dinossauros continua

Sexto filme da série sobre dinossauros iniciada com ‘Jurassic Park’ estreia no cinema brasileiro com muita aventura e pouca precisão científica e mostra formas da América do Sul como ‘Giganotosaurus’, o maior carnívoro já encontrado

CRÉDITO: DIVULGAÇÃO

Com muita aventura e pouca precisão científica, o filme Jurassic World: Domínio traz, entre suas estrelas, dinossauros que viveram na América do Sul

Ainda me lembro da excitação quando ouvi que Steven Spielberg iria dirigir um filme sobre dinossauros! O famoso diretor de Tubarão, ET e dos longas que retratam o arqueólogo Indiana Jones era ideal para fazer algo relacionado com esses répteis fantásticos, que tanto fascinam as pessoas. Ainda mais quando soube que a trama seria baseada no maravilhoso livro Jurassic Park, de John Michael Crichton (1942-2008), publicado em 1990. Na obra, aparecia até um réptil alado encontrado no Brasil – mais especificamente em rochas formadas há 110 milhões de anos no Nordeste – mencionado como o terrível cearadáctilo!

Quando o filme Jurassic Park foi lançado (1993), eu estava cursando o doutorado na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. O Museu de História Natural Americano, onde eu tinha meu escritório, fez uma exposição sobre dinossauros na mesma época. Ambos – a película e a exposição – foram um sucesso instantâneo, com salas de cinema e museu lotados!

Sobre o filme em si, posso dizer que gostei bastante, apesar de algumas, digamos, incongruências. A começar pela mistura de espécies que viveram em diferentes períodos e lugares, sem nunca terem convivido. Além disso, as duas ‘dinoestrelas’ principais eram do período Cretáceo: o Tyrannosaurus rex e o Velociraptor. Este último estava com um tamanho fora de padrão, cerca de três vezes maior do que os fósseis originais encontrados na Mongólia.

Mas tudo bem. Algumas informações científicas da época estavam colocadas, como a noção de que as aves descendiam dos dinossauros e os velociraptores poderiam caçar em bando. Sem contar que os paleontólogos Alan Grant (Sam Neill) e Ellie Sattler (Laura Dern), além do carismático matemático Ian Malcolm (Jeff Goldblum), davam um show, misturando conceitos interessantes com humor refinado. E ainda tinha o Dr. Henry Wu (B.D. Wong) e sua equipe, apresentando a questão da manipulação genética, que estava começando a ser difundida na época e mexia com o imaginário de todos em relação à possibilidade de trazer de volta animais extintos há milhões de anos.

Poucos anos depois, veio O mundo perdido: Jurassic Park (1997), também dirigido por Spielberg e que eu achei o melhor de todos. Tinha até um ator representando um paleontólogo norte-americano famoso, Robert Bakker (1945-), que, no filme, infelizmente, terminou como comida de dinossauro! As reconstruções dos animais eram realmente fantásticas para a época.

No entanto, nas demais películas que deram sequência à série Jurassic Park e Jurassic World, a parte científica foi ficando para trás. O mesmo aconteceu com o último filme, que acaba de estrear no Brasil.

 

Espécies sul-americanas

Em Jurassic World: Domínio, a grande mudança com relação aos cinco filmes anteriores é o fato de que os dinossauros passaram a ser uma realidade no mundo, ‘convivendo’ com pessoas e outros animais, e esforços estavam sendo feitos para integrá-los aos ecossistemas da Terra. Nessa versão, além de Ian Malcolm, foram trazidos os paleontólogos da primeira série, Alan Grant e Ellie Sattler, bem como o geneticista-chefe Dr. Henry Wu. Confesso que a história tem muitos momentos piegas, mas também bastante aventura, algo interessante para o público jovem. Já para algumas ‘crianças mais velhas’ – como eu –, algo diferente, mais na linha dos dois primeiros filmes, teria feito mais sucesso.

Pelo menos nessa nova versão foram apresentados dinossauros da América do Sul, todos encontrados na Argentina, como o Dreadnoughtus, o Carnotaurus e o Giganotosaurus, este último considerado o maior dinossauro predador já encontrado, podendo chegar a 14 metros – o T. rex podia atingir 13 metros. Não há como deixar de salientar que é muito estranha a cena na qual o ‘gigante argentino’ foi morto pela ação de um T. rex, auxiliado por um Therizinosaurus. No filme, este último, originalmente uma forma herbívora encontrada na Mongólia, lembra mais uma versão gigante do personagem de terror Freddy Krueger. Duas espécies de dinossauros distintas se unindo contra uma terceira é algo para lá de ficcional!

Montagem em vida do Giganotosaurus, o maior carnívoro já encontrado, podendo chegar a 14 metros, no Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia, em Buenos Aires FOTO: ALEXANDER KELLNER

Achei superbacana quando apareceu o réptil alado Quetzalcoatlus, já que finalmente estava sendo retratada essa espécie gigantesca, que tinha quase 11 metros de abertura alar e foi um dos maiores vertebrados a alçarem voo. Mas, derrubando um avião… haja imaginação!

Seja como for, pelo que parece, esse novo filme não será um sucesso de crítica e não deve alcançar o mesmo desempenho da película anterior (Jurassic World: Reino ameaçado), que gerou algo em torno de 1 bilhão de dólares americanos! Mas, ainda assim, serão milhões de dólares, provando que, mesmo com um roteiro longe da realidade, os dinos são um sucesso entre o público. Quem sabe o próximo filme não inclua dinossauros e pterossauros do Brasil? Olha que temos o gigantesco Austroposeidon e o réptil alado Anhanguera, que não fariam feio! E ainda o Santanaraptor, que possui partes do tecido mole preservadas, incluindo vasos sanguíneos fossilizados!

Seria legal que futuras produções pudessem trazer uma informação mais acurada da pesquisa dos dinossauros, já que a paleontologia em todo o mundo tem se empenhado em fazer novas descobertas. Além de não trazer nenhum prejuízo para as emoções e aventuras dos filmes, tão necessárias para atrair público, esse cuidado extra deixaria paleontólogos como eu um pouco mais felizes…

Alexander W. A. Kellner
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Academia Brasileira de Ciências

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