Pesquisadores calcularam que, durante o pico da infecção pelo SARS-CoV-2, cada pessoa carrega cerca de 1 bilhão a 100 bilhões de vírions (partículas virais completas), o que corresponde a uma massa de vírus de 0,001 mg a 0,1 mg por indivíduo. Isso implica que, se juntarmos todos os vírions SARS-CoV-2 presentes em hospedeiros humanos, no momento mais crítico da pandemia, a massa total seria de aproximadamente 10 kg. Isso pode parecer piada para os adeptos do levantamento de supino, mas foram esses 10 quilogramas que causaram um transtorno planetário enorme.
Para sabermos com precisão a massa total de cada vírus, precisamos de balanças moleculares que permitem não só saber a massa total do vírus, mas também de cada molécula que compõem este ser biológico mais simples, e isso certamente não é algo simples.
Algumas moléculas só existem em seres vivos, portanto, são chamadas biomoléculas. Dentre elas estão: os carboidratos (açúcares), os lipídeos (gorduras), os ácidos nucleicos (DNA e RNA) e as proteínas. Os tipos, a quantidade e a organização dessas biomoléculas é o que determina, de fato, um espécime vivo e suas características únicas perante os outros. A organização dessas biomoléculas permite gerar pequenas máquinas celulares que realizam trabalho e geram também microambientes otimizados, para que reações químicas possam ser aceleradas de forma controlada e compartimentalizada.
Quantificar todas as biomoléculas das células ainda é um desafio. No entanto, a evolução de tecnologias que permitem a separação e manipulação dessas biomoléculas em fase gasosa, sob a forma de íons, torna esse desafio uma possibilidade real. O espectrômetro de massas é um equipamento que permite a determinação da massa molecular intacta (soma da massa de todos os átomos presentes na biomolécula) com altíssima precisão, assim como as massas dos seus fragmentos gerados a partir da colisão dessas moléculas também em fase gasosa. A informação sobre a massa molecular e o perfil de fragmentação dessas moléculas funcionam como uma impressão digital, permitindo a sua identificação e a determinação das suas quantidades na célula. Teoricamente, todas as biomoléculas de uma célula poderiam ser analisadas e, consequentemente, identificadas e quantificadas usando este equipamento. Entretanto, a complexidade dessas biomoléculas combinadas em uma grande sopa celular ainda limita o número de moléculas que podem ser detectadas.
Neste contexto, os cientistas normalmente analisam as biomoléculas separadamente em proteínas, lipídeos, metabólitos e ácidos nucleicos, criando áreas do conhecimento muitas vezes independentes. O proteoma de uma célula são todas as proteínas presentes naquele determinado momento e condição, assim como o genoma é o conjunto de genes de uma célula, lipidoma para os lipídeos e a metaboloma para os metabólitos (pequenas moléculas produzidas pelo metabolismo celular, tais como os açucares e aminoácidos). O diagnóstico de várias doenças pode ser feito através da quantificação de uma ou várias dessas biomoléculas que se encontram alteradas, portanto, elas são usadas como marcadores diagnósticos ou biomarcadores dessas doenças.
Nos últimos anos, o Departamento de Bioquímica da UFRJ vem estudando como essas biomoléculas mudam nas células de pacientes com diferentes desordens neurológicas quando comparados com células de pessoas “normais”. Hoje em dia, o diagnóstico dessas doenças neurológicas – tais como esquizofrenia, transtorno bipolar e depressão – ainda é feito através da avaliação clínica, já que não existe nenhum exame laboratorial ou biomarcador disponível para o diagnóstico. A esperança é que um dia tenhamos uma espécie de assinatura molecular desses pacientes que nos permitam, finalmente, fazer diagnósticos e prognósticos mais assertivos desses distúrbios, possibilitando tratamentos mais personalizados e eficientes.