Vivemos em um universo em mudança. Vemos o Sol nascer e se pôr, vemos as folhas das árvores caírem, vemos nosso corpo envelhecer. Todas essas mudanças são efeitos daquilo que chamamos de ‘tempo’.
Para a ciência, tempo é uma forma de mensurar a mudança das coisas, assim como podemos medir a distância percorrida por um veículo ou a temperatura da sua pele. Ao atribuir números que indiquem a passagem do tempo, os cientistas foram capazes de construir equações que preveem, por exemplo, como os corpos se movimentam.
Durante muitos séculos, acreditou-se que o tempo passava igual para todo mundo e não sofria interferência de nada. Mas, nos anos 1905 e 1915, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) publicou as duas partes da sua teoria da relatividade, que colocou em xeque esse conceito de tempo, contrariando toda a ciência vigente. Na cultura pop, as empolgantes consequências da teoria da relatividade deram asas à imaginação de escritores e roteiristas e, desde então, não faltaram obras sobre buracos de minhoca, viagens no tempo e paradoxos temporais.
A teoria de Einstein trata o tempo como algo relativo, ou seja, ele não passa igual para todos os seres e objetos. Um relógio nas mãos do Flash, por exemplo, contaria o tempo mais lentamente quando o herói está em altas velocidades. Esse efeito é chamado de dilatação temporal. Graças a essa relação de dependência entre a velocidade com que nos movemos no espaço e a velocidade com que nos movemos no tempo (em outras palavras, o quão rápido o tempo passa), Einstein elaborou uma teoria na qual espaço e tempo estão interligados e se influenciam mutuamente, formando o chamado espaço-tempo.
Mais tarde, Einstein descobriu que a presença de matéria e energia em uma região do espaço também pode afetar o espaço-tempo e causar distorções na forma como o tempo passa. Isso aparece no filme Interestelar, que mostra como um buraco negro poderia retardar a passagem de tempo, fazendo com que uma hora próximo a ele demore dezenas de anos para um observador distante. Esse filme, aliás, é sempre um ótimo exemplo (talvez o melhor), quando falamos de teoria da relatividade no cinema.
Por mais exótica que essa teoria possa parecer, ela é muito bem fundamentada por diversos experimentos e até hoje nenhum deles a contrariou. Hoje, buracos negros são uma realidade incontestável – e os recém-laureados com o prêmio Nobel de física deram contribuições justamente nessa área. Há também várias provas do impacto da velocidade do observador e da gravidade na passagem do tempo. Mas não é essa a parte da teoria de Einstein que mais faz sucesso na cultura pop.
As equações da relatividade não privilegiam uma direção temporal, ou seja, elas não proíbem viagens no tempo (seja para o futuro, seja para o passado). É claro que, o fato de uma equação matemática permitir determinadas soluções não significa que elas realmente existam no mundo real, ou que existam da forma como acreditamos que sejam. Mas, se os buracos negros (que, por muito tempo, eram apenas uma solução matemática de equações) foram comprovados por observações astronômicas, por que descartar a possibilidade da viagem no tempo?
Queridinha da ficção científica, a possibilidade da viagem no tempo é, de fato, uma das mais empolgantes consequências das equações da relatividade.
A sua popularidade reside no enorme potencial narrativo de se voltar para o passado (ou para o futuro). Além disso, são muitos os paradoxos que podem surgir quando imaginamos uma viagem no tempo.
Um dos paradoxos temporais reside na pergunta: uma pessoa que viaja para o passado pode alterá-lo de modo a provocar mudanças no presente? Se isso fosse possível, o viajante poderia matar o próprio avô e tornar a sua existência impossível, ou matar o criador da máquina do tempo e fazer com que sua estadia no passado se tornasse impossível
Esses e os vários outros paradoxos temporais que existem levam a crer que a viagem no tempo (ou, mais especificamente, a viagem para o passado) é impossível, mesmo sendo aparentemente permitida pela matemática.
O astrofísico russo Igor Novikov (1935-) formulou, na década de 1970, o importante princípio de autoconsistência, que afirma que, se um evento pode dar origem a um paradoxo, ou causar qualquer alteração no passado que provoque uma inconsistência no universo, então a probabilidade de esse evento ocorrer é nula. Ou seja, se for possível voltar no tempo, essa viagem deve ocorrer de modo a não provocar nenhuma alteração no presente.
O físico Stephen Hawking (1942-2018) argumentou, em artigo publicado em 1992 na revista Physical Review D, que suas pesquisas sustentam fortemente a chamada conjectura de proteção cronológica, segundo a qual “as leis da física não permitem o surgimento de curvas de tempo fechadas”, ou seja, a própria natureza não permitiria que algo voltasse a um ponto do passado e continuasse se movendo até chegar novamente ao ponto de partida (formando uma curva fechada). É essa linha do tempo fechada que gera os vários paradoxos e, por alguma razão, a própria natureza parece se encarregar de evitar que isso aconteça.
Os buracos de minhoca, uma espécie de atalho que conecta dois pontos diferentes no espaço e no tempo, seriam uma forma de se criar essa curva de tempo fechada. No entanto, Hawking mostrou que a geometria desses buracos de minhoca (que nem sequer sabemos se existem) os torna objetos muito instáveis, que tendem a se desfazer quase instantaneamente, impedindo a passagem de uma partícula sequer.
Existem, sim, cientistas que não descartam essa possibilidade. Os pesquisadores Francisco Lobo e Paulo Crawford, da Universidade de Lisboa, afirmam, em texto publicado em 2002 no ArXiv, que a simples existência dos paradoxos temporais não prova que viagem no tempo seja matemática e fisicamente impossível.
O prodígio estudante Germain Tobar e seu supervisor Fabio Costa, da Universidade de Queensland (Austrália), publicaram recentemente, na revista Classical and Quantum Gravity , uma solução matemática capaz de remover os paradoxos da viagem no tempo.
A matemática que desenvolveram sustenta a seguinte ideia: se você viaja para o passado e impede o paciente zero de ser infectado, você vai acabar se infectando e se tornando o paciente zero (ou outra pessoa será). Ou seja, você poderia mudar o passado, mas o universo se autoajustaria e o futuro não seria afetado.
É uma visão determinista do passado (coerente com a ideia de que o passado já aconteceu e modificações nele não são capazes de modificar o futuro). Essa sofisticada matemática de fato remove os paradoxos da viagem no tempo, independentemente do quanto o passado seja alterado.
O que fica evidente é que não há nada definitivo sobre viagem no tempo, nada que garanta que ela seja possível ou não. E esse é um dos grandes charmes da ciência: a incerteza, que move cientistas de todas as áreas a investigarem cada vez mais profundamente a natureza que vivemos.
Por fim, vale dizer que os filmes sobre viagem no tempo (por mais incoerentes e cheios de paradoxos que sejam) são muito essenciais! Eles nos obrigam a refletir sobre esses paradoxos e nos ajudam a desenvolver uma concepção menos careta sobre o tempo (algo que a física já faz há mais de 100 anos). Por isso, nunca é demais assistir a um bom filme sobre viagem no tempo e desafiar suas convicções sobre a natureza, afinal, o que sabemos do universo ainda é uma gota no oceano.
*Este texto foi inspirado pelo primeiro episódio da nova temporada do podcast 37 graus, que conta, com muita sensibilidade, a história do eclipse de Sobral e como esse evento marcante mudou nossa concepção sobre o tempo! Agradecimento especial a Bia Guimarães e Sarah Azoubel, que me ajudaram a revisitar esse tema e pensar em formas didáticas de explicá-lo.
Lucas Mascarenhas de Miranda
Físico e divulgador de ciência
Universidade Federal de Juiz de Fora
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Enir Braz de Oliveira
Sou apaixonado com esse tema,a ponto de me candidatar a ser o primeiro a entrar em uma possível máquina construída para esse fim…seria fantástico…!!!
Adilson Guimarães
Sempre tive interesse por inúmeros, temas embora seja leigo em assuntos de ciência fascina-me pegar-me imaginando-me em outra realidade.
Decerto que o tempo é para mim muito importante tanto ,quanto o “ar ” que respiramos ao meu ver a ciência é por demais importante.
No sentido de contribuir para o bom e lúcido desenvolvimento da humanidade, porém discordo apenas em um ponto,(IAs substituírem o cérebro humano) e essa minha opinião é para mim por demais deveras.