Não tinha livros em casa, só os escolares. Quando engravidei aos 16 anos, ainda aluna do último ano do ensino médio, as chances de interromper os estudos aumentaram muito. Naquela época, não sabia bem o que era uma universidade nem que eu poderia frequentar uma delas. Ainda não existiam as necessárias políticas de cotas que garantem o acesso ao ensino superior. Minha motivação para entrar numa universidade veio do exemplo de uma jovem que cursava Matemática. Prestei atenção nela, e percebi que, para passar no vestibular, bastava estudar muito! Isso eu sabia fazer, e era possível mesmo com um bebê para cuidar.
Decidi concorrer, em 1999, a uma vaga na graduação de História, na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Escolhi História motivada pela curiosidade sobre as origens da minha família. Mas descobri, no máximo, que sou descendente de pessoas escravizadas que atuavam forçadamente nos campos do Vale do Rio Paraíba, em Sapucaia, no Estado do Rio. Foi dessa cidade que saiu minha avó para se estabelecer, com as irmãs, nos morros de Niterói, também no Rio de Janeiro. Eu me lembro de visitar a casinha de tábuas velhas, no alto do morro de Santa Rosa, onde viviam as tias de meu pai. Cresci visitando essas mulheres incríveis e castigadas por uma sociedade cruel, racista e colonizadora.
Os anos de trabalho como bolsista de iniciação científica foram divididos com a maternidade. Em 2002, Mylla, minha segunda menina, já estava conosco e, assim, tive de lidar com os desafios de cuidar de duas filhas em meio às exigências da graduação e do trabalho nos projetos de divulgação científica. Nessa jornada, o aprendizado sedimentou a certeza do meu amor aos museus, reforçou meu compromisso social e com a divulgação científica. Ter o Museu da Vida, da Fiocruz, como espaço de aprendizado fundamental da minha trajetória é um grande orgulho até hoje. Deixo minha homenagem à educadora Maria Iloni Seibel Machado (1941-2013), essencial para a atuação desse museu, em nome de todas as todas as cientistas que, juntas, sedimentaram trajetórias femininas como a minha.
Eu estava em vias de concluir minha dissertação de mestrado em Museologia quando aceitei o convite para viver em Brasília e assumir a coordenação de Museologia Social e Educação, do Departamento de Processos Museais, do Instituto Brasileiro de Museus (Ministério do Turismo). Essa experiência é marcante na minha trajetória no Ibram e me torna, também, parte da construção de uma política pública de museus, uma política pública de memória e de museologia social. Ana Vitória, minha terceira filha, comemorou no meu ventre minha participação na criação do Instituto Brasileiro de Museus.
Minha próxima parada foi Rondônia. Cheguei banhada pelas águas da inundação ocorrida em 2014, na grande cidade de Porto Velho e seus distritos. Esse mergulho foi tão profundo a ponto de, em 2020, eu ser eleita a primeira mulher negra reitora da Universidade Federal de Rondônia. Um cargo eletivo que carrega a responsabilidade pela formação de muitos jovens que estão nas salas de aula da UNIR em busca de uma vida mais digna. Nessas turmas, há muitas estudantes como eu, sonhadoras e perseverantes na arte de sobreviver.
A aproximação com os movimentos sociais e as pautas negligenciadas pelos poderes públicos moldaram minha trajetória e impulsionaram meu interesse pela museologia social e o pensamento decolonial (escola que procura liberar a produção de conhecimento do eurocentrismo), o que resultou em minha tese de doutorado, defendida pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, em Portugal. Nessa jornada, pude encontrar conforto nos ideais decoloniais da artista plástica cubana Marta Arjona Pérez (1923-2006), que evidenciava a urgência da fome e da pobreza em confronto com a atuação dos museus e ações culturais. “Crianças que não têm escola e adultos analfabetos vão aos museus resolver seu problema cultural? Acreditamos que não, e estamos certos de que até os mais carentes de informação concordarão conosco”, escreveu Pérez em 1977.
Diante dessa tradução real das minhas preocupações como pesquisadora e professora e dos meus compromissos como reitora da única universidade federal de Rondônia, busco as palavras de outras mulheres que inspiram e que nos permitem inspirar: finalizo o texto lembrando o que disse a escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977), tão parecida com as tias do meu pai, tão semelhante em trajetória às irmãs de minha avó, que, do alto dos morros, resistiram em seus quartos de despejo. “Nós, os pobres, somos os trastes velhos”.
Que possamos agir para que mais políticas públicas permitam a equidade e a eliminação de práticas racistas e que possamos diminuir mais, a cada dia, as distâncias e as desigualdades. Os pobres não podem mais ser tratados e considerados “trastes velhos”. É necessário olhar para a trajetória de nossas meninas pobres e pretas, permitindo que possam entrar no castelo pela entrada principal, como pesquisadoras, cientistas ou como elas quiserem.
Marcele Pereira
Departamento de Arqueologia, Núcleo de Ciências Humanas
Universidade Federal de Rondônia
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