Se tem algo que aprendemos desde cedo é que, no mundo real, é impossível atravessar paredes ou qualquer barreira material. Na ficção, no entanto, alguns seres são capazes de fazer isso. Os fantasmas, por exemplo, são sempre retratados como seres intangíveis que conseguem atravessar objetos sólidos com a mesma naturalidade com que você atravessa uma porta aberta.
Alguns super-heróis e vilões também têm essa habilidade, como a Lince Negra (dos X-Men), o Surfista Prateado (do Quarteto Fantástico), o Flash e o Fantasma (vilão dos quadrinhos que foi remodelado e se tornou vilã no filme Homem-formiga e a Vespa). Mas será que esse superpoder encontra algum respaldo na ciência do mundo real?
Toda a matéria que conhecemos é feita de átomos. Os átomos são constituídos de um núcleo (onde ficam os nêutrons e prótons) e uma eletrosfera (região ao redor do núcleo ocupada pelos elétrons).
O núcleo concentra praticamente toda a massa do átomo. Apesar disso, ele ocupa um espaço tão pequeno que caberiam de 10 mil a 100 mil núcleos dentro de um único átomo. Para você ter uma ideia, se um átomo tivesse o tamanho de um estádio de futebol, o seu núcleo seria uma pequena formiga no meio do gramado.
Pode parecer estranho, mas não há nada no átomo (que é esse estádio de futebol), além do núcleo (que é a formiguinha) e dos elétrons (que são ainda menores do que o núcleo) girando ao seu redor. Isso significa que mais de 99,99% do átomo são simplesmente espaço vazio. Todos os objetos e até pessoas ao nosso redor são formados quase exclusivamente por espaços vazios!
Na história do Homem-formiga, da Marvel Comics, o poder de encolhimento do super-herói é justificado com base nessa ideia. As fictícias ‘partículas Pym’, desenvolvidas pelo cientista Hank Pym, fazem com que os átomos de Scott Lang reduzam de tamanho diminuindo o espaço vazio dentro deles. Será que a Pokebola faz o mesmo com os Pokémons?
O problema dessa justificativa é que, para reduzir o tamanho dos átomos e, consequentemente, as distâncias entre eles, seria necessário alterar constantes fundamentais da física, como a massa do elétron, a carga elétrica do elétron e a constante de Planck.
Além disso, se o Homem-formiga realmente atingisse o tamanho de uma formiga, mas mantendo a sua massa original, ele teria uma densidade comparável à de uma estrela anã branca. Isso geraria uma pressão tão grande que o faria afundar até o centro da Terra. Imagina o que aconteceria se ele tentasse subir em cima de uma formiga!
Se a matéria é feita majoritariamente de espaços vazios, por que não podemos simplesmente atravessar paredes?
O que impede os átomos de se aproximarem mais uns dos outros (e também impede os átomos de encolherem de tamanho e terem menos espaço vazio) é a interação eletromagnética que existe entre os elétrons.
Elétrons são dotados de carga elétrica negativa e, por isso, exercem uma força elétrica repulsiva uns sobre os outros. Quanto mais próximos dois elétrons estão, mais intensa é essa força repulsiva, o que faz com que um átomo nunca encoste em outro.
No mundo subatômico, as partículas não costumam encostar umas nas outras, o que nos leva a mais uma conclusão muito estranha.
Quando nos deitamos em uma cama, os elétrons da nossa pele ou da nossa roupa estão repelindo e sendo repelidos pelos elétrons da superfície da cama sem que haja qualquer contato físico direto entre eles, ou seja, é como se estivéssemos flutuando.
Mas por que sentimos quando algo ‘encosta’ em nós? O que provoca essa sensação de tangibilidade é justamente a interação eletromagnética entre os átomos.
Quando recebemos algum estímulo do ambiente (quando algo toca a nossa pele, por exemplo), os elétrons da nossa pele recebem esse estímulo e o transmitem, por meio das nossas terminações nervosas, até o cérebro, onde o estímulo será devidamente interpretado (como uma pressão na pele, uma sensação de dor, cócegas, calor etc.).
Se empurrarmos uma bola em direção a um morro, duas coisas podem acontecer: ou ela vai subir o morro todo e chegar do outro lado ou ela não vai conseguir chegar ao topo e vai voltar. Se o morro for muito grande e a energia dada para a bola no empurrão for pequena, ela provavelmente não irá superar esse obstáculo.
Por outro lado, quando um elétron se depara com um obstáculo (uma barreira que ele não tem energia para atravessar, como um morro), há uma probabilidade razoável de que esse elétron simplesmente atravesse essa barreira, como se ele criasse um túnel e passasse por dentro dela. Mesmo não tendo energia para atravessar determinada barreira, elétrons e outras partículas conseguem eventualmente ‘tunelar’, transpor esse obstáculo
Física quântica realmente parece coisa de ficção científica. Mas saiba que usamos com frequência esse fenômeno quântico para armazenar dados.
A memória flash (que usamos em pendrives, cartões SSD e celulares) possui milhões de células de memória. Cada célula dessas (que tem o tamanho de um milionésimo de milímetro) funciona como uma armadilha de elétrons.
Quando transferimos uma informação para um pendrive, por exemplo, essa informação (que é basicamente formada por elétrons) entra nessa armadilha e fica presa lá dentro, porque ao redor dessa célula há um material isolante. Se, por alguma razão, os elétrons escapam dessa célula, dados serão perdidos e aquela foto de infância guardada no pendrive pode se corromper e ser perdida. Mas não se preocupe, essas armadilhas são bastante confiáveis!
Mas, se a célula de memória é bem isolada e não permite que os elétrons saiam, como eles entram lá?
É aí que entra em cena o ‘efeito túnel’ da mecânica quântica. Aplicando uma pequena tensão nos elétrons externos, alguns deles sofrem o tunelamento e simplesmente atravessam o isolante, como se ele nem sequer existisse. Ao entrarem, ficam presos, e os dados ficam seguramente armazenados.
Seria possível uma pessoa ‘tunelar’ e atravessar uma parede? Quanto maior a massa do corpo e maior a espessura e altura da barreira que se quer atravessar, menores são as chances de o efeito túnel ocorrer. Para um elétron (que tem massa da ordem de 10-31 Kg, um número impossível de se imaginar de tão pequeno), a probabilidade de o tunelamento ocorrer em barreiras pequenas é relativamente alta.
Para corpos mais pesados (e para nós, humanos, infinitamente mais pesados que um elétron), essa probabilidade se reduz a praticamente zero. Esse e outros fenômenos quânticos ocorrem apenas no universo das partículas subatômicas.
Logo, podemos concluir que é fisicamente impossível que, no mundo real, a Lince Negra e outros super-humanos consigam atravessar paredes. Mas se fôssemos capazes de encolher uma pessoa até o nível atômico, como o Homem-formiga, esse fenômeno não seria nada fictício!
Lucas Mascarenhas de Miranda
Físico e divulgador de ciência
Universidade Federal de Juiz de Fora
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