O Brasil não fará pesquisa na Antártica este ano. É a primeira vez que isso acontece desde que as atividades brasileiras se iniciaram no continente gelado, em 1982. Todos os grupos de pesquisa de outros países que atuam nessa parte do mundo têm tomado essa atitude. Afinal, ninguém quer ser responsabilizado por introduzir o vírus SARS-CoV-2, responsável pela atual pandemia, no único continente poupado até o momento.
Felizmente, para a grande maioria dos projetos, as pesquisas não terão que parar. É o caso do Paleoantar, que, nos últimos anos, tem realizado, de forma sistemática, coleta de fósseis na região. Uma das áreas exploradas recentemente foi a Ilha Nelson, que integra o arquipélago das Ilhas Shetland do Sul. Trata-se de 11 ilhas separadas da América do Sul pela famosa passagem de Drake, faixa de mar formada pela junção dos oceanos Atlântico e Pacífico e que é muito perigosa devido às suas tempestades, que podem gerar condições de navegação extremamente desfavoráveis.
Localizada a sudoeste da ilha Rei George, onde diversos países, inclusive o Brasil, operam uma estação de pesquisa, a Ilha Nelson é relativamente pequena, com pouco mais de 20 km de comprimento por 7 km de largura máxima. Suas rochas são, na grande maioria, vulcânicas e, entre elas, existem camadas formadas por rochas expelidas durante atividade vulcânica e onde são encontrados fósseis. A idade desse material ainda não pode ser estabelecida com precisão, mas, a julgar pela similaridade de peças encontradas em ilhas próximas, possivelmente têm entre 70 e 75 milhões de anos, o que geologicamente corresponde ao topo do período Cretáceo. Até o momento, apenas restos de plantas foram encontrados nessas rochas.
A equipe do projeto Paleoantar permaneceu na Ilha Nelson durante 50 dias. Possivelmente este tenha sido o mais longo acampamento já realizado no âmbito do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), coordenado pela Comissão Interministerial para Recursos do Mar (CIRM). Essa região já havia sido pesquisada antes, inclusive por paleontólogos brasileiros, mas essa longa estadia fez com que muito material e dois novos pontos de coleta fossem encontrados pela equipe. Ao todo, foi trazido pouco mais de uma tonelada de amostras.
Entre os exemplares principais estão várias peças contendo a impressão de sementes indeterminadas, aparentemente as primeiras a serem encontradas na região. Também foram coletados troncos carbonizados, cuja expressiva presença indica a existência de incêndios florestais. Talvez o vulcanismo intenso ocorrido há milhões de anos e atestado pela presença das rochas vulcânicas tenha sido a origem desses incêndios.
Além desses, foram escavados muitos troncos silicificados de diferentes comprimentos e espessuras. Uma análise preliminar de um desses exemplares sugere a presença de mais de 60 anéis de crescimento, mostrando que pertencia a uma árvore que atingiu pelo menos 60 anos. Até o momento, apenas coníferas foram identificadas no material coletado pelo Paleoantar, mas existe a possibilidade de que restos de angiospermas, ainda raras no final do Cretáceo, estejam presentes no material que ainda precisa ser preparado.
Além de troncos e carvões, foram encontradas muitas impressões de folhas. Algumas delas podem ser atribuídas ao gênero Nothofagus, que chegou até os dias de hoje e pode ser encontrado na região sul do Chile.
A descoberta desses fósseis mostra que a Antártica, hoje um enorme deserto gelado, abrigava, há milhões de anos, florestas de coníferas e algumas angiospermas que estavam se diversificando. Além disso, a temperatura na Ilha Nelson durante o Cretáceo Superior era bem mais amena do que a atual, e não havia o frio intenso tão característico da região.
Mas sempre fica uma curiosidade: com tantas plantas, onde estão os invertebrados e, principalmente, os vertebrados? No caso da Ilha Nelson, nada foi encontrado ou reportado até o momento, mesmo com quase dois meses de coletas na região. Mas deveriam existir animais, assim como foi descoberto em outras áreas da Antártica, incluindo as ilhas James Ross e Vega, situadas mais ao sul. Foram encontrados répteis marinhos como mosassauros e plesiossauros, dinossauros e até répteis alados (pterossauros).
Como a etapa de campo deste ano não irá ocorrer, os pesquisadores poderão se dedicar a estudar esse material. Certamente novas descobertas serão anunciadas, contribuindo para auxiliar no preenchimento desse enorme quebra-cabeça que é a evolução e diversificação da vida onde hoje existe apenas um deserto gelado.
Alexander W. A. Kellner
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Academia Brasileira de Ciências
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