O desafio da vacina para covid-19

O desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz é uma importante arma para enfrentar a pandemia. Mas é preciso superar obstáculos para obter um produto economicamente viável e em quantidade capaz de atender à urgente demanda mundial.

O novo coronavírus já infectou mais de 40 milhões de pessoas e matou mais de 1,1 milhão em todo o mundo. Para enfrentar a pandemia, diversas pesquisas foram iniciadas e seguem na busca de um maior conhecimento do vírus, da doença, de tratamentos e da prevenção, por meio do desenvolvimento de vacinas.

A descoberta de um medicamento ou protocolo terapêutico para tratar os doentes é de extrema importância para reduzir a disseminação e a mortalidade da covid-19. No entanto, a prevenção por meio do desenvolvimento e aplicação de vacinas seguras e eficazes, com alcance populacional, seria um dos maiores benefícios que a comunidade científica poderia disponibilizar.

Hoje, segundo a Organização Mundial da Saúde, existem mais de 198 projetos de desenvolvimento de vacinas para a covid-19, dentre as quais mais de 44 estão sendo testadas em voluntários humanos.

Para uma vacina ter seu uso liberado, seu registro deve ser aprovado pela autoridade regulatória do país – que, no caso do Brasil, é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Para uma vacina ter o registro aprovado, a instituição solicitante precisa apresentar todos os resultados obtidos nos testes não clínicos e clínicos.

O desenvolvimento de uma vacina geralmente é iniciado a partir da identificação de um antígeno candidato. Esse antígeno é o princípio ativo da vacina e deve ser capaz de induzir uma resposta imune que confira ao vacinado proteção contra a doença. A identificação do antígeno é normalmente feita por meio de testes in vitro (fora de organismos vivos). Posteriormente, são feitos testes em animais (chamados in vivo), para avaliar a segurança do antígeno e sua capacidade de induzir resposta imune.

Em seguida, iniciam-se testes clínicos, feitos em voluntários humanos e divididos em três fases: na fase 1, as vacinas são testadas em poucas dezenas de pessoas sadias; na fase 2, em centenas de pessoas; e, na fase 3, a última antes do registro, as vacinas são testadas em milhares de pessoas que vivam em local com circulação do vírus, para verificar a redução da doença nos voluntários vacinados em comparação com voluntários não vacinados. Em todas as fases clínicas, além da resposta imunológica e da proteção contra a doença, avalia-se a possibilidade de reações adversas provocadas pelas vacinas.

Entre cada fase clínica, os resultados das fases anteriores são minuciosamente avaliados para garantir a segurança de seguir com as fases posteriores. Caso aconteçam reações adversas, de acordo com as normas das autoridades regulatórias e dos comitês de ética em pesquisa clínica, esses eventos precisam ser profundamente investigados para avaliar se possuem relação causal com a vacina ou com qualquer um dos seus componentes – em reações graves, o estudo é interrompido para investigação. Se houver relação com a vacina, o estudo pode ser encerrado. Caso contrário, ele é retomado..

Considerando todas as etapas normais de desenvolvimento e registro de uma vacina, o processo é longo e dura cerca de 10 anos. Com a emergência suscitada pela pandemia, o desafio é desenvolver e registrar uma vacina com rapidez, sem renunciar à avaliação de eficácia e segurança.

O desenvolvimento do processo de produção do antígeno é peça fundamental para viabilizar a fabricação de uma vacina tecnicamente e economicamente viável – permitindo, assim, que o conhecimento gerado em laboratório seja revertido em um produto direcionado à população. Mas, a produção de uma vacina, por maior que seja seu fabricante, fica limitada à capacidade de suas instalações e, dificilmente, poderia atender à demanda mundial. Além disso, a maioria das vacinas existentes conta com processos de produção caros e laboriosos, que usam diferentes rotas tecnológicas, protegidas por patentes ou mantidas como segredos industriais. Isso pode prejudicar o compartilhamento do conhecimento e, consequentemente, o aumento da capacidade de produção de vacinas de covid-19 que venham a ser registradas.


Diante da demanda atual e urgente por vacinas em quantidades nunca pensadas, os custos de produção e preços de eventuais vacinas aprovadas podem ser limitantes para seu acesso por países mais pobres

Diante da demanda atual e urgente por vacinas em quantidades nunca pensadas, os custos de produção e preços de eventuais vacinas aprovadas podem ser limitantes para seu acesso por países mais pobres.

Uma solução que está sendo explorada por alguns desenvolvedores de vacinas para covid-19 é a contratação de empresas de fabricação, chamadas Contract Manufacturing Organizations, para realizar parte do processo e contornar as limitações da capacidade de produção. Talvez essas estratégias, associadas a acordos de cooperação para desenvolvimento e produção, aumentem a esperança de termos vacinas em quantidade e qualidade para atender à demanda mundial para o enfrentamento da covid-19.

Marcos Freire

Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde,
Fundação Oswaldo Cruz

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