Instituto de Microbiologia Paulo de Góes
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Tomar doses muito próximas da mesma vacina pode comprometer a eficácia do imunizante?

Quando um microrganismo patogênico invade nosso corpo, uma resposta coordenada pelo sistema imune é desencadeada. Essa reação deve ir além de simplesmente impedir o agente invasor de causar doença, deve preparar o nosso organismo para encontros futuros com aquele patógeno, desenvolvendo a chamada memória imunológica. Vacinas foram desenvolvidas para nos apresentar um microrganismo causador de doenças de forma segura e, simultaneamente, induzir a memória imunológica, mas sem o prejuízo da infecção natural causada por esse microrganismo invasor.

Para que a proteção fornecida seja eficaz, pode ser necessário receber múltiplas doses do imunizante. Isso depende do tipo de vacina, da forma de administração, da doença em questão e de diversos parâmetros epidemiológicos – como via de entrada do microrganismo no nosso corpo e a sua taxa de transmissão. No caso de vacinas de múltiplas doses, a primeira dose irá desencadear uma resposta imune, um verdadeiro balé entre as células do sistema imune, que envolve, dentre outros tipos de células, aquelas apresentadoras de antígenos (os macrófagos e os linfócitos) para nos proteger. Embora seja eficiente, esse balé leva algum tempo para se organizar, de forma que, para essas vacinas de múltiplas doses, a pessoa só estará imunizada após receber todas as doses recomendadas. Já as vacinas de dose única são suficientes para gerar o resultado esperado: produção de anticorpos e células de memória.

Mesmo completamente imunizadas, depois de algum tempo podem ser necessárias as chamadas doses de reforço. Esse é o caso da vacina antitetânica, que deve ser administrada em adultos a cada dez anos. O reforço serve para ativar as células de memória geradas na primeira imunização e efetivamente relembrar nosso sistema imune da mensagem inicial.
Mais uma vez, o tempo entre as doses de reforço de uma vacina depende de diversos fatores, como os mencionados anteriormente, que afetam sua eficácia. Em geral, o intervalo é determinado em testes clínicos e podem ser ajustados após a observação do comportamento da vacina na população.

E será que tomar duas doses de uma vacina em um intervalo de tempo muito curto pode comprometer sua eficácia? Para alguns imunizantes, a proximidade entre as doses da mesma vacina pode sim atrapalhar o sistema imune, que ainda esta montando a reação inicial. Nesse caso, o sistema imune pode se confundir e entender que a segundo dose ainda faz parte do primeiro desafio, e o efeito de reforçar a mensagem é perdido. Mas caso a segunda dose seja administrada muito tempo após a primeira, a eficácia da vacina também pode ser comprometida, porque o sistema imune já começou a “esquecer” a mensagem inicial.

Em síntese, para doenças causadas por alguns microrganismos, o sistema imune precisa ser estimulado em intervalos frequentes; para outras, um único encontro é suficiente para gerar uma resposta imune forte e duradoura. O mais importante é seguir as recomendações do fabricante, que foram obtidas através de observações em estudos clínicos controlados. Existe uma margem de tempo entre as doses que pode ser utilizada de forma estratégica pelo Ministério da Saúde para maximizar a cobertura vacinal da população e diminuir a transmissão do vírus. Isso significa que pode ser mais vantajoso ter muitas pessoas com pelo menos uma dose do que um número menor com as duas (ou mais) doses da vacina.

 

Leandro Lobo
Instituto de Microbiologia Paulo de Góes
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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