Para paleontóloga ALINE GHILARDI, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fóssil levado ilegalmente para a Alemanha e que será repatriado em junho inspira novas ações contra o tráfico do patrimônio paleontológico do Brasil
Para paleontóloga ALINE GHILARDI, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fóssil levado ilegalmente para a Alemanha e que será repatriado em junho inspira novas ações contra o tráfico do patrimônio paleontológico do Brasil
CRÉDITO: FOTO CEDIDA PELA AUTORA
O retorno ao Brasil, previsto para junho, do fóssil do dinossauro não-aviano Ubirajara jubatus, levado ilegalmente para a Alemanha nos anos 1990, vai marcar o início de uma nova era para a ciência no país, avalia a paleontóloga Aline Ghilardi, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. “O Ubirajara ensina sobre descolonização da ciência e essa é a mensagem mais poderosa que ele vai deixar”, diz ela, que lançou a campanha para trazê-lo de volta em dezembro de 2020 com a hashtag #UbirajarabelongstoBR. No rastro, veio a crítica ao estudo publicado por um museu alemão com base no fóssil Irritator challengeri, que resultou na retirada da publicação da página da instituição na internet e no início das negociações para a repatriação da peça. Para Ghilardi, o freio ao tráfico de fósseis, que assolou o Sul e o Sudeste do Brasil nos anos 1950 e 1960 e o Nordeste até o início dos anos 2000, deve-se à expansão das universidades e à formação de pesquisadores nessas regiões. “As pessoas passaram a ver seus familiares e conhecidos como os pesquisadores que estudavam esses fósseis. Tudo isso faz com que se desenvolva a sensibilização e, principalmente, o vínculo das pessoas com o seu próprio patrimônio”, analisa.
CIÊNCIA HOJE: O tráfico de fósseis da região Nordeste do Brasil para os museus europeus e norte-americanos aconteceu de forma mais aguda entre os anos 1990 e 2000. Essa situação está, agora, sob controle? O que mudou?
ALINE GHILARDI: O Nordeste é a região mais atacada pelos traficantes de fósseis por sua fragilidade socioeconômica. No passado, entre os anos 1950 e 1960, as regiões Sul e Sudeste foram pontos de extração de fósseis de mesossauros que encheram museus europeus. É possível checar isso pela data de ingresso da coleção desses materiais nos museus estrangeiros. Os Mesosaurus ajudaram a contar a história da separação dos continentes no passado, por isso, vários países se interessaram em tê-los; compravam os fósseis aqui e levavam-nos. A expansão das universidades no Sul e no Sudeste e o desenvolvimento exponencial dessas regiões ajudaram a frear o tráfico. Não necessariamente a fiscalização aumentou, mas Sul e Sudeste foram mais povoados por cientistas.
Podemos fazer um paralelo interessante com o Nordeste nesse sentido. A meu ver, o fato de o Nordeste ter se desenvolvido muito cientificamente nos últimos anos, principalmente a partir dos anos 2000, promoveu uma mudança importante. A expansão das universidades para o interior dos estados da região não apenas atraiu pesquisadores, mas formou pesquisadores locais. As pessoas passaram a ver seus familiares e conhecidos como os pesquisadores que estudavam esses fósseis. Tudo isso faz com que se desenvolva a sensibilização e, principalmente, o vínculo das pessoas com o seu próprio patrimônio. Os primeiros paleontólogos integralmente formados no Araripe [região localizada na divisa dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí] eram as crianças que cresceram ali, que viam esses fósseis e que quiseram produzir pesquisas na região, trabalhar nos museus, dar aulas nas instituições.
Os primeiros paleontólogos integralmente formados no Araripe eram as crianças que cresceram ali, que viam esses fósseis e que quiseram produzir pesquisas na região, trabalhar nos museus, dar aulas nas instituições
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