Ensinar requer ciência, aprender também

Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino

Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino

O mundo vem se transformando a passos largos, mas o modelo atual de educação parece ter parado no século passado. A ciência tem se mostrado uma ferramenta essencial para auxiliar na aprendizagem e está sendo adotada cada vez mais em diversos países. As evidências científicas, devidamente testadas no contexto escolar e social, podem nortear essas mudanças e garantir mais eficácia às políticas educacionais.  

CRÉDITO: ILUSTRAÇÃO LUIZ BALTAR

Você deve estar se perguntando: mais um artigo sobre educação em ciências? Mas não, não é esse o assunto. O propósito aqui é tratar das evidências científicas capazes de otimizar o aprendizado e, em última instância, a educação formal. Elas existem. Não pense que a educação é apenas intuitiva e só melhora por tentativa e erro.

Apesar de serem dois neurocientistas assinando este artigo, essas evidências científicas não são provenientes apenas da neurociência, mas de muitas áreas diferentes. Porque apenas uma abordagem multidisciplinar poderá realmente nos ajudar a entender como aprendemos, e como podemos facilitar esse aprendizado em diferentes circunstâncias e momentos de vida.

Em 2009, pesquisadores norte-americanos lançaram a ideia de uma nova área de pesquisa, por eles chamada ‘ciência da aprendizagem’ (Science of Learning, em inglês), formada pela confluência de diferentes disciplinas, como neurociência, economia, computação, psicologia, entre outras. As perguntas principais foram as seguintes: Como se aprende? Como se ensina? Como se pode obter maior eficácia e melhores resultados na educação?

Em 2009, pesquisadores norte-americanos lançaram a ideia de uma nova área de pesquisa, por eles chamada ‘ciência da aprendizagem’ (Science of Learning, em inglês), formada pela confluência de diferentes disciplinas, como neurociência, economia, computação, psicologia, entre outras

Em terras tupiniquins

Aqui, em terras tupiniquins, enxergamos que essa área de pesquisa faz todo sentido. Primeiro, porque é inegável que a educação brasileira padece e merece investimentos e melhorias. Basta ver os resultados educacionais do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), teste aplicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2018: 57o lugar em leitura, 65o em ciências e 69o em matemática, entre os 77 países avaliados. Segundo, porque temos no Brasil muitos pesquisadores que se dedicam a essas áreas correlatas da educação, o que facilita bastante a sua convergência.

Pensando nisso tudo, em 2014, criamos a Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE), com 29 pesquisadores naquele momento. O objetivo número 1 da Rede foi reunir pesquisadores de áreas diferentes com potencial impacto na educação, além de fomentar mais pesquisas sobre o tema e, finalmente, aplicar esses conhecimentos em sala de aula.

Ao longo dos últimos quase nove anos, avançamos nesse objetivo, e a Rede CpE tem hoje 180 pesquisadores associados, espalhados pelas cinco regiões do Brasil (figura 1A) e de diferentes áreas de pesquisa, como economia, matemática, letras, psicologia, sociologia, neurociências, pedagogia e computação, entre outras (figura 1B). Também avançamos no objetivo de fomentar pesquisas na área, por meio de editais, em colaboração com a empresa Somos Educação e o Instituto Ayrton Senna, ambos parceiros institucionais da Rede CpE.

Figura 1: A) Mapa do Brasil com a geolocalização dos pesquisadores da Rede CpE. As linhas indicam colaborações entre os pesquisadores representados por círculos. A espessura das linhas e o tamanho dos círculos mostram o volume de interação entre os pesquisadores ponto a ponto e o total. A sobreposição de pesquisadores torna a área com a cor mais sólida. B) Rede de interações de subáreas de pesquisa da Rede CpE. Os símbolos indicam as grandes áreas (círculos – humanas, triângulos – biológicas e quadrados – exatas). O tamanho dos símbolos reflete o volume de colaborações entre as subáreas, com as linhas representando essas parcerias por pares. As cores representam as grandes áreas de pesquisa

CRÉDITO: Figura elaborada por Fabio Castro Gouveia, cientometrista da Fiocruz/RJ, utilizando dados da Plataforma Lattes do CNPq

Além desses dois, são também parceiros o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, a Academia Brasileira de Ciências, o Serviço Social da Indústria (Sesi), o Instituto Ciência Hoje, o Museu do Amanhã, a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e a Sociedade Brasileira de Neuropsicologia.

Dificuldades dos docentes

O desafio maior mesmo é convencer as pessoas sobre essa visão, e conseguir que esses conhecimentos científicos sejam aplicados nas práticas de sala de aula. Muitas vezes, parece que os laboratórios de pesquisa e os professores do ensino básico falam línguas diferentes e não conseguem se entender. Preocupados com isso, em 2022, aplicamos um questionário a 360 professores de todo o Brasil, com a seguinte indagação: ‘O que a ‘ciência para educação’ pode fazer por você?’.

O desafio maior mesmo é convencer as pessoas sobre essa visão, e conseguir que esses conhecimentos científicos sejam aplicados nas práticas de sala de aula

Uma das perguntas indagava quais dificuldades os docentes enfrentam para aplicar conhecimentos científicos na sala de aula. Quase 80% dos respondentes afirmaram que a maior delas era o acesso a materiais simples e de conteúdos confiáveis. Outro tópico da pesquisa foi acerca dos temas de interesse, e os três preferidos foram: competências socioemocionais, motivação, e inclusão e neurodesenvolvimento atípico (figura 2). Finalmente, perguntamos como esses conteúdos poderiam chegar melhor até eles e a melhor maneira elencada foi a de cursos on-line.

Figura 2. Resultado da pesquisa realizada pela Rede CpE em 2022, intitulada ‘O que a ‘ciência para educação’ pode fazer por você, professor/professora, educador/educadora?’, da qual participaram 360 profissionais atuando no espaço escolar. O gráfico mostra o número de respostas e a respectiva porcentagem relativos à pergunta ‘Que áreas da ciência para educação você julga mais importantes para sua prática?’. Os três tópicos mais votados estão ressaltados em vermelho. A pesquisa foi coordenada pelas professoras Marilia Zaluar Guimarães e Rochele Paz Fonseca, e contou com a colaboração de Emily Castro CRÉDITO: Gráfico elaborado pelos autores

Sono, nutrição e atividade física

Afinal, que tipo de pesquisa científica está sendo realizada que poderia informar e nos ajudar a tomar decisões pedagógicas na escola? São muitos os exemplos. Poderíamos começar com algumas funções do dia a dia que impactam o aprendizado.

Nossos pesquisadores associados Fernando Louzada e Sidarta Ribeiro investigam como o sono, ou a falta dele, pode influenciar a memória e, consequentemente, a aprendizagem. Sabemos que determinadas fases do sono são importantes para a consolidação das memórias, ou seja, para torná-las duradouras. Se dormimos mal ou pouco, teremos dificuldades de lembrar o que vivenciamos no dia anterior.

Por outro lado, o exercício físico, que antigamente era considerado uma perda de tempo para a cognição, hoje é pensado como fundamental para aprendermos. Isso foi mostrado no trabalho de Andrea Deslandes, também pesquisadora associada da Rede CpE. E, ainda, o pesquisador Claudio Serfaty comprovou que uma boa nutrição é essencial para aprender. Aquele velho ditado ‘saco vazio não fica em pé’ se aplica perfeitamente no contexto educacional.

Qual a importância disso tudo? Que a escola não deveria começar muito cedo de manhã para que os adolescentes possam dormir um pouco mais… Que a merenda escolar é crucial para fornecer uma alimentação equilibrada – algo que muitos alunos não têm em suas casas. E que a atividade física deve ser promovida – e não preterida – junto com os conteúdos educacionais.

Qual a importância disso tudo? Que a escola não deveria começar muito cedo de manhã para que os adolescentes possam dormir um pouco mais… Que a merenda escolar é crucial para fornecer uma alimentação equilibrada – algo que muitos alunos não têm em suas casas. E que a atividade física deve ser promovida – e não preterida – junto com os conteúdos educacionais

Competências socioemocionais

Outro tema muito importante, que aproxima as ciências econômicas da psicologia, são as competências socioemocionais, que agora integram a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Essas competências são chamadas também de não-cognitivas, e envolvem autogestão, engajamento, resiliência, amabilidade e abertura ao novo.

Os economistas têm estudado como essas competências impactam no sucesso escolar, e o que eles descobriram é que são fundamentais. Pesquisadores como Ricardo Paes de Barros e Daniel Domingues dos Santos mostraram que os jovens vulneráveis que alcançam sucesso na escola têm essas habilidades. Em paralelo, estes e outros pesquisadores têm se dedicado a desenvolver ferramentas para avaliar essas competências, o que não é trivial.

Psicólogas como Rochele Paz Fonseca e Evely Boruchovitch buscam compreender como desenvolver essas competências nos estudantes e como instruir os professores para que também possam desenvolvê-las. Essas pesquisas são essenciais para que, cada vez mais, essas habilidades possam ser estimuladas nos alunos e avaliadas também.

Ferramentas digitais

Um assunto que mexe com todo mundo, atualmente, é o uso de tecnologias digitais na sala de aula. Na pandemia, muitas escolas precisaram introduzir ferramentas digitais às pressas para que os alunos continuassem a aprender. Intuitivamente, pensamos que uma aula on-line não é tão eficiente quanto uma presencial, tendo em vista que o contato interpessoal é muito importante para aprendermos. Mas por que isso acontece?

>Um estudo feito pelos pesquisadores João Sato e Guilherme Brockington utilizando uma técnica de medida da atividade cerebral conhecida pela sigla fNIRS mostrou que as ondas cerebrais dos alunos ficam sincronizadas com as do professor no contexto presencial, e isso parece estar relacionado com o engajamento dos alunos (ver ‘Touca de astronauta’). Porém, esse sincronismo não dura muito tempo, ficando enfraquecido após 10 minutos de aula.

Touca de astronauta

A fNIRS (functional near-infrared spectroscopy) é uma técnica superamigável que mede a atividade de áreas específicas do cérebro. Utiliza uma touca na cabeça, em vez daquele enorme tubo da ressonância magnética, como mostra a foto.

A touca projeta um tipo de luz crânio adentro até o cérebro, e registra a sua absorção pelo sangue circulante. Onde há mais absorção, tem mais sangue passando, e onde passa mais sangue é onde há mais atividade dos neurônios.

Na área da educação, a fNIRS pode ser aplicada para avaliar o engajamento dos alunos em atividades de aprendizagem, a eficácia de métodos de ensino, e o impacto de intervenções educacionais. A técnica pode ser usada, por exemplo, durante a resolução de problemas de matemática, ou durante o treinamento cognitivo em leitura e compreensão de textos. As crianças adoram vestir a touquinha com fios para parecerem astronautas!

O professor e a aluna vestem a touca que capta a atividade cerebral, e os pesquisadores identificam a interação entre os cérebros.

FOTO CEDIDA POR JOÃO SATO E AMANDA OKU, COM AUTORIZAÇÃO DOS VOLUNTÁRIOS DA PESQUISA

Será que esse engajamento pode acontecer em uma aula virtual síncrona? A resposta é negativa, e acaba de ser publicada  por cientistas norte-americanos em abril. Ferramentas como essas nos permitirão identificar os momentos em que ocorre a aprendizagem, presenciais ou não. E, assim, agir para provocá-los mais vezes e com maior duração.

Na fronteira do conhecimento sobre como aprendemos, estão os instrumentos de avaliação que empregam conhecimentos, como a teoria de grafos. A pesquisadora associada da Rede CpE Natalia Mota descobriu, usando grafos, que podemos avaliar vários parâmetros de complexidade na linguagem que se correlacionam com sucesso na aprendizagem (ver ‘Fazendo conexões com grafos’).

Assim, é possível desenvolver um método automatizado para avaliar o desenvolvimento das narrativas dos alunos e fazer intervenções quando esse processo está atrasado ou de alguma forma incompatível com a idade/série. Uma descoberta que pode revolucionar as avaliações de larga escala no Brasil.

Assim, é possível desenvolver um método automatizado para avaliar o desenvolvimento das narrativas dos alunos e fazer intervenções quando esse processo está atrasado ou de alguma forma incompatível com a idade/série

Fazendo conexões com grafos

A teoria de grafos é um ramo da matemática que estuda as estruturas compostas por nós espalhados, conectados por linhas, formando uma rede. Na educação, por exemplo, um grafo pode ser construído para representar a rede de amizades entre os alunos de uma turma, e analisá-lo para identificar líderes de grupo, alunos isolados e grupos de amigos.

Já pensou como isso pode ser útil para quem ensina? Outro exemplo é a análise de narrativas, isto é, a sequência de frases que falamos ou escrevemos para comunicar alguma ideia. Na educação, isso pode ser utilizado em diversas situações: análise de textos escritos pelos alunos, elaboração de planos de aula e desenvolvimento de currículos. Que tal usar a análise de narrativas por grafos para avaliar a qualidade das histórias escritas pelos alunos, identificando pontos fortes e fracos de modo personalizado?

Exemplo de grafo referente à narrativa de uma criança. A partir da figura, são medidos diversos parâmetros como número de nós e número de arestas, que têm correspondência com medidas de diversidade lexical, por exemplo, entre outras

Crédito da imagem: Imagem gentilmente cedida por Natalia Mota, modificado de Mota, N. B., Weissheimer, J., Madruga, B., Adamy, N., Bunge, S. A., Copelli, M., & Ribeiro, S. (2016). A naturalistic assessment of the organization of children’s memories predicts cognitive functioning and reading ability. Mind, Brain, and Education, 10(3), 184-195.

A escola precisa mudar

Citamos apenas alguns exemplos da diversidade das pesquisas que podem nos trazer conhecimento e ferramentas para lidar com os desafios educacionais que enfrentamos. O reconhecimento mundial dessa nova área de pesquisa multidisciplinar e translacional sobre a aprendizagem está patente.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) percebeu isso, e começa a criar cátedras desse tema para impulsionar mais pesquisas e, quem sabe, algum tipo de iniciativa global, especialmente, para priorizar os países mais pobres e em desenvolvimento. No segundo semestre de 2022, a Unesco aprovou a criação da Cátedra Unesco de Ciência para Educação , sediada na UFRJ e no Instituto D’Or e operada pela Rede CpE. Fazem parte do conselho científico 14 pesquisadores da Argentina, Bélgica, Canadá, Chile, Cuba, Finlândia, França, Reino Unido, Estados Unidos, Uruguai e, claro, Brasil. A cátedra iniciou suas atividades em 2023, inicialmente, com conferências internacionais com tradução simultânea para o português.

O mundo mudou muito desde que o modelo atual de escola foi criado, e as novidades não param de chegar. Em apenas uma geração, tudo ficou diferente! Tecnologias digitais, inteligência artificial e pandemias estão questionando esse modelo arcaico que precisa evoluir. E as evidências científicas, devidamente testadas no contexto escolar, podem nos guiar nessa odisseia de novidades e desafios.

Tecnologias digitais, inteligência artificial e pandemias estão questionando esse modelo arcaico que precisa evoluir

LENT, R., BUCHWEITZ, A., & MOTA, M. B. (2017). Ciência para educação: uma ponte entre dois mundos. Rio de Janeiro: Editora Atheneu.

LENT, R. (2019). O Cérebro Aprendiz. Rio de Janeiro: Editora Atheneu.

REDE CpE (2019). Série de documentos eletrônicos: ‘Educação baseada em evidências: análises sugestões e propostas’. Disponíveis em:

https://cienciaparaeducacao.org/wp-content/uploads/2019/07/livro-2019-online.pdf

Comentários (2)

  1. Ana sueli Faro da Cruz Rossy

    Melhorar a eficiência e a qualidade de ensino de um país, proporcionará experiência educacional única,com isso teremos profissionais mais seguros e capacitados na formação dos estudantes. Para isso faz-se necessário mais investimentos na área da educação e na formação continuada dos profissionais sa educação.

  2. Rafaela da Costa barbosa

    É desenvolvido processos necessário em cada artigo, que nos atribui a conhecer cada vez mais o que estão iniciando como por exemplo a necessecidade de aprender lidar com tecnologia mais também saber malefícios e benefícios, diante disso, vimos artigo que contribuem para o desenvolvimento diário de professores e alunos.

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