Por ser o maior ecossistema do planeta, o oceano é componente chave do sistema terrestre. Sua vastidão é a essencial razão pela qual a humanidade desfruta de um clima estável. Cobrindo 71% da superfície da Terra e com uma profundidade média de 3,8 quilômetros, o oceano contém 97% de toda a água do planeta. A alta capacidade térmica e a fluidez da água conferem ao oceano extraordinária habilidade de absorver a energia solar, armazenando e transportando calor. Correntes oceânicas redistribuem o excesso de calor dos trópicos para as regiões de altas latitudes, que possuem deficiência de calor. O excesso de calor recebido pelo oceano no verão é armazenado e liberado no inverno, reduzindo as diferenças de temperaturas na Terra tanto espacialmente como temporalmente. Além disso, o oceano regula a composição química da atmosfera e fornece cerca de 50% do oxigênio que respiramos.
O oceano também tem papel fundamental no ciclo hidrológico global: 85% da evaporação e 77% da precipitação ocorrem sobre sua superfície. Um terço das chuvas que caem sobre os continentes vem do oceano. A água que evapora no ambiente marinho subtropical, por exemplo, é transportada pelos ventos alísios para a região conhecida como convergência intertropical, próxima à linha imaginária do equador. Ali, o calor da superfície da Terra provoca a ascensão de ar úmido, produzindo tempestades e chuvas abundantes que sustentam florestas tropicais exuberantes, como a floresta amazônica.
Processos oceânicos estão na origem de grande parte de fenômenos climáticos extremos que atingem o continente – como ciclones, furacões, tempestades, enchentes e secas. Fenômenos como El Niño e La Niña, com fortes impactos na quantidade de chuvas sobre a América do Sul, incluindo o Brasil, resultam da interação entre o oceano e a atmosfera com conexões remotas. O El Niño, por exemplo, é caracterizado por um aquecimento anômalo do Pacífico equatorial que, por sua vez, provoca a alteração da ascensão de ar úmido na atmosfera, afetando regiões distantes das Américas do Sul e do Norte. No caso do Brasil, o fenômeno causa, tradicionalmente, secas no Nordeste e enchentes no Sul do país.
Como consequência direta do aumento dos gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono e o metano, a temperatura média global do planeta está aumentando. O oceano minimiza este aquecimento, absorvendo 93% do calor em excesso, mas o custo é alto para o ambiente marinho. A taxa de aquecimento médio do oceano dobrou nas últimas três décadas, aumentando também a ocorrência das chamadas ‘ondas de calor marinhas’. Com o aumento da temperatura, ocorre também uma diminuição da concentração de oxigênio na água do mar. Além disso, o oceano está ficando mais ácido, uma vez que absorve 25% do gás carbônico excedente da atmosfera. Combinados, esses efeitos de aquecimento, acidificação e desoxigenação têm um impacto devastador para os ecossistemas marinhos, sobretudo para algas, gramas marinhas, animais que produzem conchas e corais. Como no tombamento das peças de dominó, toda a vida marinha será afetada de alguma forma, seja pelas consequências diretas do aquecimento e da acidificação ou, indiretamente, por mudanças na base da cadeia alimentar. Na cascata de efeitos, a pesca será fortemente atingida, impactando comunidades costeiras e aumentando os conflitos territoriais marinhos.
Mas talvez o mais marcante dos efeitos seja o aumento do nível do mar. A maior taxa de derretimento dos mantos de gelo polares e das altas montanhas está jogando uma grande quantidade de água doce no oceano, aumentando o seu nível. O aquecimento da água também aumenta o seu volume, processo denominado expansão térmica, que também contribui para a elevação do nível do mar. Além disso, com as mudanças climáticas, eventos extremos de tempestades, ressacas e furacões estão ficando mais frequentes e intensos. É fato que as regiões costeiras sofrerão cada vez mais com alagamentos, enchentes e erosões, causando perdas de vidas e propriedades.
Se quisermos evitar as consequências mais catastróficas das mudanças climáticas, o aumento da temperatura média global não deve ultrapassar 1,5oC até o final deste século. Ainda assim, teremos que nos adaptar em qualquer caminho escolhido, pois parte dessas mudanças já estão em curso. E o custo da adaptação será muito menor sob um cenário de baixas emissões.
Na previsão e avaliação dos impactos, a observação integrada oceano-clima é essencial, inclusive para monitorar os eventos extremos e antecipar desastres naturais. Atenção especial deve ser dada aos ecossistemas costeiros e suas funções. Manguezais, marismas e pradarias de gramas marinhas, por exemplo, possuem alta capacidade de sequestro e estoque de carbono e contribuem para mitigar emissões. Além disso, manguezais e marismas são barreiras naturais contra eventos extremos e aumento do nível do mar, evitando erosão e inundação. Já as dunas e as restingas contribuem para o balanço de sedimentos na costa, enquanto barreiras recifais reduzem a energia
das ondas oceânicas que chegam à costa. Bancos de macroalgas, pradarias marinhas e corais, se bem preservados, reduzem os efeitos da acidificação.
Conservar os ecossistemas costeiros, portanto, pode ajudar o Brasil a atingir um balanço entre emissões e captura de gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, oferecer proteção contra os efeitos das mudanças climáticas na costa, aumentando a resiliência de mais de 400 municípios e cerca de 50 milhões de pessoas que moram na zona costeira brasileira.
Margareth Copertino
Instituto de Oceanografia
Universidade Federal do Rio Grande
Regina R. Rodrigues
Departamento de Oceanografia
Universidade Federal de Santa Catarina
* A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a
Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo.
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