Universidade Federal do Ceará
Brasil é responsável por uma alta taxa de retirada do metal do oceano através da pesca. Algumas populações já se encontram no limite dos índices seguros de exposição ao mercúrio pelo consumo de pescado.
CRÉDITO: ADOBE STOCK
Saúde e bem-estar resultam das interações entre diferentes fatores sociais, econômicos, culturais e políticos; principalmente, relacionados à saúde ambiental, incluindo acesso ao saneamento e exposição a poluentes.
A queda da qualidade ambiental está ligada ao aumento da concentração de poluentes persistentes, como o mercúrio (Hg), metal altamente tóxico que tem prejudicado diferentes ambientes devido aos lançamentos efetuados pelo ser humano (resíduos urbanos, efluentes industriais e de mineração) e à remobilização de cargas acumuladas durante séculos originadas em fontes antrópicas, o chamado ‘legado da contaminação’. Como resultado, a poluição por mercúrio é um fenômeno global cuja intensidade varia de acordo com o lugar.
Um exemplo é o que acontece na biota aquática, em que peixes podem apresentar elevados fatores de bioacumulação de mercúrio, capazes de ameaçar a saúde de consumidores humanos. Os peixes têm baixas taxas de excreção desse metal, uma vez que este se liga a proteínas e enzimas no organismo, o que resulta em um tempo de permanência) do mercúrio no organismo. Assim, peixes predadores ingerem cumulativamente as cargas de mercúrio presentes em suas presas.
Essa acumulação do metal ao longo da cadeia alimentar é denominada de ‘biomagnificação’, fenômeno natural em que há uma ampliação de até 1 bilhão de vezes as concentrações observadas na base da cadeia alimentar (produtores primários, fitoplâncton) para os peixes carnívoros de topo de cadeia, como atuns e tubarões, e, consequentemente, para as populações humanas que se alimentam desses peixes (figura 1). Dessa forma, o pescado pode representar risco de exposição ao mercúrio; por isso, deve ser consumido com precauções.
O pescado pode representar risco de exposição ao mercúrio; por isso, deve ser consumido com precauções
Figura 1. Distribuição de mercúrio em peixes. As maiores concentrações são observadas nos grandes peixes pelágicos (de águas costeiras e até 200 m de profundidade e estuários), geralmente piscívoros, como atuns e afins; seguido por peixes carnívoros costeiros, como robalos, que se alimentam de vários itens, incluindo pequenos peixes e invertebrados. Concentrações intermediárias são encontradas em peixes herbívoros (sardinhas) ou iliófagos (comedores de sedimentos), como as tainhas. Finalmente, baixas concentrações são encontradas em espécies da aquacultura, como tilápias e camarões, geralmente alimentados com rações e com tempo de vida curto, não tendo oportunidade de acumular altas concentrações de mercúrio
CRÉDITO: CEDIDA PELOS AUTORES
Modelagens recentes da carga de mercúrio retirada do oceano por meio da pesca sugerem que o Brasil responde por uma elevada taxa de retirada de metil-mercúrio, a forma mais tóxica desse poluente: 1.285kg por ano. Esse número representa 21% do total da taxa de captura global de metil-mercúrio do oceano pela pesca – embora a captura bruta de peixes do Brasil responda apenas por 0,38% do total global.
A taxa de captura anual de metil-mercúrio pela pesca no Brasil é concentrada em predadores de topo da cadeia alimentar, na região oceânica, sob influência da bacia do rio Amazonas (53%), e de grandes peixes predadores pelágicos (atuns e afins), com concentrações elevadas de metil-mercúrio, pescados no oceano Atlântico Equatorial brasileiro (33%).
Além das concentrações de mercúrio propriamente ditas, a exposição humana e o risco de contaminação vão depender do nível de consumo de cada espécie. Essas taxas de ingestão variam conforme a população. Ribeirinhos da Amazônia, por exemplo, apresentam taxas de consumo de até 400 g de peixe por dia, enquanto populações costeiras do Nordeste de até 30 g por dia. Na média, o consumo de peixes no Brasil é de cerca de 12 g por dia.
A distribuição variável do mercúrio em diferentes grupos de peixes, associada a diferentes taxas de consumo, nos faz ligar o alerta: algumas populações cuja dieta é baseada em recursos pesqueiros locais já se encontram muito próximo, ou no limite, de taxas seguras de exposição ao metal pelo consumo de pescado. Isso se verifica em regiões ribeirinhas da Amazônia e algumas áreas costeiras do Nordeste do Brasil, que consomem muito pescado.
Quando integramos concentrações de mercúrio de diferentes espécies de pescado e as respectivas taxas de consumo, verificamos que, mesmo quando as concentrações se encontram abaixo dos limites recomendados pela legislação, os índices de ingestão sugerem certa restrição ao consumo de algumas espécies, e por grupos específicos da população.
As medições de concentração de mercúrio e de consumo de pescado feitas em mercados de peixes de Fortaleza (CE) e São Luís (MA) sugerem uma ameaça real e atual à segurança alimentar de setores específicos da população consumidora. Isso requer uma revisão dos limites legais seguros para o mercúrio e, talvez, outros poluentes, levando em consideração os níveis de consumo, tipos de pescado e as projeções das variáveis ambientais que controlam as concentrações do metal em peixes.
As medições de concentração de mercúrio e de consumo de pescado feitas em mercados de peixes de Fortaleza (CE) e São Luís (MA) sugerem uma ameaça real e atual à segurança alimentar de setores específicos da população consumidora
Finalmente, as duas regiões críticas mencionadas – bacia do rio Amazonas e litoral do Nordeste – vêm testemunhando elevada mobilização de poluente associada às alterações nos usos da terra e às mudanças globais. Isso sugere fortemente o acompanhamento das concentrações e de seus limites legais, os quais devem levar em consideração não só as taxas de consumo, mas também a intensificação da contaminação por mercúrio que resulta de processos disparados pela mudança ambiental.
*A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo e com o Projeto Ressoa Oceano, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
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