Pela redução de desigualdades na saúde

A pesquisa experimental na área das ciências sociais pode ajudar a avaliar os impactos e contribuir para o aprimoramento de políticas públicas capazes de ampliar o acesso da população a produtos e serviços médicos

O setor da saúde constitui importante espaço de inovação, de acumulação de capital e de desenvolvimento econômico e social e requer investimentos públicos focados e orientados por missão para compensar as assimetrias inerentes ao processo e as desigualdades geradas. Seria o que Mariana Mazzucato descreve em seu livro Mission economy: a moonshot guide to changing capitalism (em tradução livre, ‘Missão economia: um guia para mudar o capitalismo’), publicado este ano.

A crise gerada pela pandemia de covid-19 mostrou que, sem tais intervenções do setor público, a pesquisa e o desenvolvimento (P&D) tendem a reforçar a concentração de renda e as desigualdades em saúde. A produção e distribuição de vacinas contra a covid-19, por exemplo, ainda são um grande desafio, tendo em vista as desigualdades de acesso, inclusive dentro de países que investiram largamente em P&D, como os Estados Unidos. Por sua vez, mensurar os efeitos e a magnitude de tais investimentos é outro grande desafio. No campo econômico, tem sido desenvolvido um conjunto de pesquisas que buscam medir os impactos de uma intervenção, o que é fundamental, sobretudo, quando esta é financiada com os recursos da população, por meio da arrecadação de tributos.

Em 2019, os norte-americanos Abhijit Banerjee e Michael Kremer e a franco-americana Esther Duflo receberam o Prêmio Nobel de Economia por seus trabalhos de combate à pobreza. A abordagem experimental utilizada por esses economistas abriu espaço para a pesquisa focada em identificar a relação entre causa e efeito de um conjunto de intervenções. Em seus experimentos, os pesquisadores identificaram, por exemplo, que as pessoas mais pobres são extremamente sensíveis a menores preços e gratuidade nos cuidados de saúde preventivos; ou ainda que as taxas de vacinação triplicaram em locais que foram selecionados aleatoriamente para ter acesso a clínicas móveis. Estudos dessa natureza podem ser muito úteis para aprimorar e tornar mais eficientes, por exemplo, investimentos em P&D ou incentivos para inovação.

Em 2021, mais uma vez a pesquisa experimental foi agraciada com o Nobel de Economia. Desta vez, o prêmio foi concedido ao canadense David Card, por suas contribuições empíricas para a economia do trabalho, e à dupla Joshua D. Angrist (norte-americano) e Guido W. Imbens (neerlandês-americano), por suas contribuições metodológicas para a análise das relações causais, neste caso, por meio dos chamados experimentos naturais.

Parte significativa das questões no campo das ciências sociais mantém relações de causa e efeito. Assim, saber como incentivos econômicos ou imigração afetam os salários e os níveis de emprego, ou como mais investimentos em educação podem afetar o salário futuro de pessoas, estão entre as questões que esse grupo de pesquisadores busca responder. Não são questões fáceis de serem respondidas, em função da complexidade dos fatores envolvidos. E isolar o efeito de determinada intervenção não é trivial.

Porém, os ganhadores do Nobel de 2021, utilizando ‘experimentos naturais’, demonstraram, mesmo com limitações, que é possível responder a essas perguntas. Tais experimentos são possíveis quando, seja por fatos inesperados, seja por mudanças em determinadas políticas, grupos de pessoas recebem tratamentos diferentes, isto é, alguns recebem o ‘tratamento’ e outros não. Esta seria uma aproximação dos termos utilizados em ensaios clínicos randomizados.

Nesse sentido, é um desafio aliar intervenções focadas na melhoria de questões sociais específicas (orientadas por missão) e estratégias de pesquisa experimental (planejada ou natural) para identificar as relações causais e a magnitude dos efeitos. A despeito das limitações de qualquer modelo, inclusive em relação à sua reprodutibilidade – já que estamos no campo das ciências sociais –, tais estudos podem ser fundamentais para reduzir a lacuna entre a pesquisa biomédica básica e a inovação em saúde, com o objetivo de gerar produtos, serviços e políticas que beneficiem a população.

Para avaliar políticas públicas de modo rigoroso, com ênfase em resultados, é fundamental apoiar-se em teorias e métodos validados cientificamente. O reconhecimento dos estudos de causalidade nos últimos anos é uma sinalização de que o campo científico da avaliação de políticas, com destaque para a avaliação de impacto, tem se desenvolvido bastante e pode, portanto, contribuir de maneira significativa para o aprimoramento dos processos de formulação e implantação de políticas, tornando-as mais efetivas e eficientes, inclusive do ponto de vista da alocação de recursos entre os entes públicos e privados.

Erika Aragão
Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia
Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres)
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inovação em Doenças Negligenciadas

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