CRÉDITO: FOTO CEDIDA POR THE NIPPON FOUNDATION-GEBCO SEABED 2030 PROJECT
Em 1969, os astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin fizeram o primeiro pouso de humanos na Lua. Somente em 1977, e depois em 1979, pesquisadores a bordo do submersível Alvin encontraram abundantes formas de vida no fundo do oceano Pacífico, em lugares sem qualquer penetração de luz solar e com temperaturas da água de até 350 oC, próximo a cadeias vulcânicas submarinas.
Recentemente, as organizações Nippon Foundation e General Bathymetric Chart of the Ocean (GEBCO) se uniram em uma iniciativa ousada: realizar o mapeamento de todo o fundo dos oceanos da Terra até o ano de 2030. Intitulada Seabed 2030, a iniciativa acabou incorporada às ações da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (ou Década dos Oceanos), liderada pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Mas qual é a importância de se mapear o relevo do fundo marinho? No que isso influencia a vida dos habitantes do planeta? Talvez um dos exemplos mais simples, dos quais as pessoas não têm ideia, seja a internet. Quase toda a informação de internet passa de um continente a outro através de cabos de fibra óptica, que são colocados no fundo do mar. Portanto, conhecer o relevo submarino é fundamental para escolher os melhores trajetos desses cabos.
Um segundo aspecto muito importante é conhecer o potencial de ocorrência de riscos geológicos, como os tsunamis e escorregamentos do fundo marinho, que podem causar danos severos em áreas densamente habitadas ou em obras de engenharia. Há também interesse na mineração do fundo marinho, na biotecnologia, em aspectos militares e de geopolítica. Finalmente e, talvez mais importante: existe a necessidade urgente de se conhecer o oceano, ambiente do qual somos totalmente dependentes, por conta do clima da Terra, da alimentação de bilhões de pessoas e de recursos fundamentais para a nossa sobrevivência enquanto espécie.
E será possível mapear o fundo de todos os oceanos até 2030? Essa é uma pergunta ainda sem resposta, principalmente se levarmos em consideração as diferenças gigantescas existentes no conhecimento dos oceanos em torno da América do Norte, Europa e parte da Ásia, com aquele das áreas em volta da África e América Latina, por exemplo.
A iniciativa Seabed 2030 se vale de um incrível desenvolvimento tecnológico na instrumentação utilizada para determinar as profundidades do oceano. Até o começo do século 20, utilizava-se um instrumento rudimentar e impreciso, o fio de prumo. Tratava-se de um cabo, preso a um objeto pesado que era lançado da borda dos navios; enquanto o peso continuasse a tensionar o fio, significava que não havia chegado ao fundo. Se considerarmos que a profundidade média dos oceanos é de aproximadamente quatro mil metros, e a profundidade máxima é superior a 11 mil metros, é possível imaginar que em muitos lugares o peso sequer chegava próximo ao fundo.
Somente em 1925 começou a ser utilizado um instrumento eletrônico destinado a medir profundidades, a ecossonda. Esse equipamento mede o tempo necessário para um sinal de som se propagar na água, refletir no fundo marinho, e retornar ao aparelho. Das primeiras ecossondas, muito imprecisas, até os equipamentos modernos, passaram-se cerca de 100 anos. Hoje é possível varrer áreas de centenas ou milhares de quilômetros quadrados em poucas semanas.
As dimensões continentais do mar brasileiro representam um desafio enorme para cumprir os objetivos do Seabed 2030 do nosso lado do oceano Atlântico. Embora existam áreas relativamente bem conhecidas, principalmente nas áreas mais rasas do que 100 metros, a maior parte da nossa chamada Plataforma Continental Jurídica não apresenta o grau de detalhe requerido para o projeto. Um bom exemplo é o Grande Sistema de Recifes do Amazonas (sigla GARS, em inglês), que tem cerca de 900 quilômetros de extensão e apenas 10% de sua área mapeada. Outro exemplo é a descoberta recente de montes submarinos, cobertos por corais de águas profundas, localizados a menos de 200 quilômetros de distância do litoral do Estado de São Paulo, e cujo mapeamento efetivo só ocorreu em 2019. É fato também que existem áreas que já foram mapeadas, mas cuja informação não é acessível ao público por razões econômicas e estratégicas. De qualquer forma, é um desafio imenso, que somente o investimento maciço em pesquisa pode ajudar a superar.
Michel Mahiques
Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica
Instituto Oceanográfico
Universidade de São Paulo
*A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo.
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