O Brasil é mesmo o país com maior quantidade de florestas do mundo?

Vídeo produzido pelo Observatório do Clima chama atenção para a necessidade de postura crítica diante de afirmações que são disseminadas sem preocupação com a fonte de dados.

Recentemente o Observatório do Clima – rede de entidades da sociedade civil formada com o objetivo de discutir as mudanças climáticas no contexto brasileiro – lançou um vídeo muito interessante denominado Fatos Florestais, disponível no YouTube. Seu conteúdo trata de questões relacionadas aos totais remanescentese às condições de proteção das florestas brasileiras. O vídeo é baseado em análises espaciais que são ao mesmo tempo detalhadas no espaço e no tempo, além de abrangentes para todo o território nacional. Sua construção adota um princípio muito importante, que é a necessidade de uma postura crítica frente a tantas afirmações que estão ao nosso redor, ressaltando a preocupação comas fontes de dados.

Através de comparações entre valores absolutos e proporcionais, o vídeo desconstrói algumas imagens que foram sendo absorvidas facilmente pelo senso comum, como é o caso da crença de que o Brasil tem a maior quantidade de florestas do mundo. Não é bem assim nem em valores absolutos (a Rússia tem bem mais),nem em termos percentuais em relação ao tamanho do território (existem aproximadamente 20 países com valores maiores e, pasmem, até o Japão está aí). O que temos, de fato, é o maior total de florestais tropicais do mundo, e isso não é pouco, dada a grande biodiversidade que essas florestas apresentam. E, como se sabe, a maior parte dessas florestas se encontra no bioma amazônico, atualmente sob forte pressão antrópica.

Com relação à conservação destas florestas, a partir da integração dos mapas anuais de uso e cobertura do solo do Map Biomas–representando o período de 1985 a 2017– com o cadastro fundiário nacional, pode-se levantar que um terço dos remanescentes florestais do Brasil estão localizados em áreas protegidas (unidades de conservação ou terras indígenas). Esses remanescentes são os que menos pressões sofreram, apresentando um desmatamento da ordem de menos de 0,5% nos 34 anos de registro. Por outro lado, outro terço destas florestas se encontra em propriedades privadas, e, neste caso, o cenário quanto às pressões é bem diferente, tendo-se registrado mais de 20% de desmatamento no mesmo período. Esse levantamento é muito preocupante e reforça a necessidade de se ampliar ações de conservação ao invés de reduzi-las ou enfraquecê-las.Por isso a importância do monitoramento destas áreas, tanto em abrangência quanto em continuidade.

Considerando as dimensões de nosso país é possível perceber a complexidade de um programa desta natureza. Desde 1988 o projeto PRODES, gerenciado pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (INPE)realiza o monitoramento por satélites do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal e produz as taxas anuais de desmatamento na região. O sistema se baseia no uso de imagens gratuitas de diferentes sensores. Tanto em nível nacional como em nível internacional, as estimativas do PRODES são consideradas confiáveis, tendo passado por uma análise recente que indicou níveis de exatidão próximos a 95%.

Além de cobrirem,anualmente,toda a Amazônia Legal – área de 5.217.423 km2, que corresponde a 61% do território brasileiro – e apresentarem estimativas confiáveis, o sistema responde também por uma política de transparência desde 2004, que possibilita o acesso completo a todos os dados gerados (de forma tabular ou através de mapas) pelo monitoramento. Isso possibilita a realização de avaliações independentes, ampliando a diversidade de análises e ações.

A taxa anual de desmatamento do PRODES tem sido usada institucionalmente como indicador para a proposição de políticas públicas e para a avaliação da efetividade de suas implementações. Os dados espaciais gerados são utilizados em diversas ações relevantes, entre as quais estão:certificação de cadeias produtivas do agronegócio, como a Moratória da Soja e o Termo de Ajustamento de Conduta da Pecuária-TAC da Carne; acordos intergovernamentais, como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 21) e os Relatórios de Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa;doações monetárias pelo Fundo Amazônia, que usam estes dados como referência à atividade de desmatamento na Amazônia Legal.

Dado este longo histórico de importância para a gestão dos recursos naturais, considera-se no mínimo temerosa a possibilidade de desarticulação de um sistema tão bem-sucedido como este. O que se espera é que as instituições envolvidas possam ser fortalecidas de modo a manterem o sistema de monitoramento ativo e, assim, termos vida longa não só ao PRODES, mas às florestas também.

Paula Maria Moura de Almeida e Carla Madureira Cruz

Departamento de Geografia, Instituto de Geociências
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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