Estudo da cratera de Chicxulub, no Golfo do México, revela detalhes dos eventos ocorridos logo após o impacto de um corpo celeste há 66 milhões de anos, que levou à extinção dos dinossauros não avianos e afetou toda a vida no nosso planeta

CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK

Ninguém mais questiona que o impacto que resultou na extensa cratera de Chicxulub, no Golfo do México, teve, no mínimo, uma grande contribuição para a extinção em massa ocorrida no limite dos períodos Cretáceo e Paleógeno (K-Pg), há 66 milhões de anos, como discutimos nas colunas de novembro de 2021 e janeiro/fevereiro de 2022. Apesar de existir uma boa compreensão, em termos teóricos, dos efeitos a médio e longo prazos que uma queda assim produziria, muitos pesquisadores se perguntaram o que teria acontecido nos momentos iniciais do impacto.

Procurando responder essa questão, Sean Gulick (Universidade do Texas, Austin, Estados Unidos) e colaboradores, com base em análises de rochas, publicaram em 2019 na PNAS detalhes do que ocorreu minutos, horas e semanas após o impacto. Assustador!

 

Marcas do impacto

Desde que a estrutura de Chicxulub foi reconhecida como resultante de um impacto, diversos foram os estudos geológicos realizados na região. Importante saber que um episódio dessa magnitude causa uma série de eventos que deixam marcas nas rochas que vão bem além de uma simples – mesmo que extensa – depressão. Gulick e colegas analisaram amostras de sedimentos coletadas em uma parte elevada a 400 metros da base da cratera, denominada anel de pico (peak ring), que surgiu por conta do impacto.

Tudo se iniciou com o choque de um corpo celeste – um asteroide ou cometa – com cerca de 10 km de diâmetro. Apenas para comparação, tendo a cidade do Rio de Janeiro como exemplo, um objeto desses abrangeria uma área circular compreendendo desde a ponta da praia do Leme até o início da praia de São Conrado, e da praia de Copacabana até as proximidades do bairro de Vila Isabel.

No primeiro minuto do impacto, toneladas de rochas atingidas foram vaporizadas e lançadas na atmosfera. Surgiu, por pouco tempo, uma depressão de quase 30 km de profundidade, e rochas foram derretidas a uma temperatura de até 580 °C. Nos dois minutos seguintes, ocorreu o levantamento de um domo central, que, ao colapsar, contribuiu para a formação de uma estrutura elevada lateral, que é o anel de pico. Mas não foi apenas isso…

Representação das mudanças ocorridas na estrutura do solo da cratera de Chicxulub após o impacto do corpo
celeste

Resfriamento e incêndios florestais

O material rochoso expelido após o impacto pode ser encontrado em camadas formadas a mais de 6.000 km de Chicxulub, atestando a enorme intensidade do evento. Quanto mais próximas à cratera, mais espessas são essas camadas, que incluem grãos de vidro alterado (tectitos) e quartzo de impacto, o que elimina quaisquer dúvidas sobre sua origem.

As rochas atingidas pelo impacto eram depósitos carbonáticos e salinos (evaporitos), que liberaram para o ar elementos que, combinados com a atmosfera, produziram aerossóis de sulfato. Estes, por sua vez, absorveram e bloquearam os raios solares, evitando que eles chegassem à superfície do planeta. Isso teria ocasionado um resfriamento em 20 °C, que deve ter se prolongado por um período de 30 anos. Houve também um imediato escurecimento do céu, afetando a fotossíntese e, com isso, a vegetação. Em semanas, houve uma drástica modificação do clima do planeta.

Paralelamente, os pedaços de rochas ejetados na atmosfera causaram incêndios florestais de grande escala, nos primeiros momentos e até meses após o impacto, o que pode ser comprovado pela ocorrência de fuligem em diversos pontos onde se encontra a camada que registra o limite K-Pg. Os pesquisadores estimam que a energia liberada pelo impacto poderia incendiar florestas que estavam a até 1,5 km de distância de Chicxulub.

 

Ondas gigantes

Diversas camadas depositadas ao longo do Golfo do México e do Caribe exibem uma mistura de rochas formadas por ondas gigantes – ou tsunamis –, que varreram o planeta. Não se tem muita certeza do tamanho dessas megaondas, mas alguns estudos estimam que elas teriam tido de 50 a 100 metros de altura – praticamente o dobro ou até o quádruplo da maior onda já registrada (cerca de 30 m) na famosa praia de Nazaré, em Portugal. E tudo teria sido agravado por terremotos que afetaram a região nas horas seguintes, levando a mais eventos de menor escala.

Só de cogitar algo assim já causa apreensão. Imagine estar sentado em uma praia e uma pedra maior do que o Monte Evereste (8.848 m) cair do céu… Por mais estranho que possa parecer, existem muitos asteroides e cometas com dimensões gigantescas vagando pelo espaço. Tem até pesquisadores que monitoram aqueles que potencialmente poderiam algum dia colidir com o nosso planeta e eliminar grande parte da vida. Felizmente, entre os corpos celestes conhecidos, as possibilidades de ocorrer um impacto devastador nos próximos séculos são pequenas. No entanto, considerando o que já aconteceu no passado no nosso planeta, podemos ter a certeza de que vai acontecer algum dia.

Alexander W. A. Kellner
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Academia Brasileira de Ciências

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