As montanhas sempre foram consideradas áreas livres de poluição. Ou, pelo menos, mais protegidas. Entretanto, estudos realizados nos Alpes europeus e nos Andes têm revelado surpreendente presença de poluentes, incluindo chumbo, mercúrio, hidrocarbonetos e resíduos de pesticidas. Os principais vetores de transporte de substâncias contaminantes para as montanhas, segundo pesquisas, são as correntes atmosféricas, a chuva e a neblina. Mas, afinal, o que é a neblina e o que ela tem carregado, sobretudo para a cidade histórica de Ouro Preto?
A neblina se forma através da condensação da água em minúsculas gotas, podendo ser considerada uma nuvem em baixa altitude (próxima do solo). Para os moradores da cidade mineira de Ouro Preto, localizada a cerca de 1100 metros acima do nível do mar, a neblina já faz parte do cotidiano, mas segue encantando turistas. Recentemente, a dissertação de mestrado intitulada Quando ar e água se encontram: uma avaliação do transporte e deposição de poluentes via neblina em ecossistemas aquáticos do quadrilátero ferrífero (MG), de Natacha Jordânia da Silva Alves, no Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Biomas Tropicais da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que contou com apoio da FAPEMIG e do CNPq, estudou o que poderia estar presente na bruma corriqueira para alguns e fascinante para outros.
Com a instalação de coletores passivos (Figura 1), foram obtidas cerca de 50 amostras de água de neblina em áreas próximas a Ouro Preto, em altitudes superiores a 1200 metros acima do nível do mar, dentro de duas unidades de conservação: o Parque Estadual do Itacolomi (PEIT) e o Parque Estadual de Ouro Branco (PESOB).
Nas amostras analisadas, identificou-se a presença de poluentes como alumínio, bário, cálcio, estrôncio, enxofre, ferro, manganês, magnésio, potássio e zinco, além de nitrogênio e fósforo, em concentrações que podem ser consideradas muito altas, segundo a legislação brasileira – em alguns casos, acima de 1000 µg/L, como o cálcio e o enxofre (Figura 2).
No caso do cálcio, as altas concentrações podem, por exemplo, acelerar o processo de salinização da água, limitando o consumo humano em razão do sabor salobro, além de outros efeitos adversos para organismos aquáticos. Já o enxofre pode alterar substancialmente o pH da água, causando a chamada “chuva ácida”. Interessante notar que as amostras coletadas no PEIT e no PESOB mostraram uma diferença na concentração de poluentes, indicando que, mesmo em áreas próximas, a diferença de altitude e a frequência dos eventos de neblina podem influenciar consideravelmente a concentração e o transporte de poluentes nessa via úmida.
A presença de fósforo e nitrogênio nas amostras de neblina merece atenção especial, uma vez que esses elementos são os principais responsáveis pelo fenômeno da eutrofização, que é a entrada excessiva de nutrientes no corpo d’água, podendo causar o crescimento abundante de microalgas e plantas aquáticas, o que pode limitar o uso múltiplo das águas. Vale ainda destacar que as amostras do estudo foram obtidas em áreas que abrigam duas das mais importantes bacias hidrográficas brasileiras: a bacia do Rio Doce e a bacia do Rio São Francisco.
Muitos pesquisadores consideram a neblina um importante vetor de água para as áreas de grandes altitudes, estimando que quase 30% de toda a água disponível para animais e plantas de montanhas é disponibilizada por ela. E isso constitui outro alvo de preocupação, pois os poluentes identificados podem sofrer transformação química devido ao longo tempo em que permanecem no interior das gotículas de neblina.
Em síntese, os resultados do estudo em Ouro preto servem de alerta para que o monitoramento das águas inclua a neblina como fonte potencial de poluição atmosférica para as áreas de nascentes. O impacto em longo prazo da entrada de poluentes sobre os ecossistemas aquáticos altitudinais e sobre a biota aquática também deve merecer maior atenção das agências regulamentadoras e dos projetos de pesquisa.
Natacha Jordânia da Silva Alves
Edissa Emi Cortez Silva
Gleice Souza Santos
Eneida Eskinazi Sant’Anna
Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente
Universidade Federal de Ouro Preto
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