Da mesa ao mar: as escolhas no prato e o impacto no oceano

Mudanças de hábito da sociedade podem ajudar a tornar a cadeia pesqueira mais sustentável, uma vez que o oceano, o maior e mais complexo ecossistema do planeta, pode estar no limite da pressão derivada do consumo humano

Considerando o enorme impacto socioambiental da produção de alimentos, o debate sobre as limitações desses sistemas ‘convencionais’ passa também pelo limite dos próprios ecossistemas em suportar a pressão derivada do consumo humano. É fundamental e urgente criar soluções que garantam a reversão do cenário de degradação ambiental e, ao mesmo tempo, sejam capazes de assegurar as necessidades de todos. Um dos pontos críticos desse debate envolve o oceano, o maior e mais complexo dos ecossistemas do nosso planeta.

O oceano atua na regulação climática mundial, absorvendo e distribuindo calor, ajudando assim a criar um ambiente propício para a vida. Exerce também papel direto na nossa alimentação, inclusive em países sem linha costeira. Por meio das suas correntes, influencia a dinâmica de chuvas, essencial para a produção de grãos, verduras e vegetais em ambientes continentais, que são a base da cadeia alimentar na Terra. Além disso, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em 2018, o consumo médio per capita de pescados foi de 20,5 quilos, grande parte vinda da pesca e da aquicultura marinha (65%).

 

Exploração além da reposição

Os pescados, grupo que compreende peixes, moluscos, crustáceos e outros organismos aquáticos, têm importante valor nutricional, cultural e econômico – principalmente para comunidades pesqueiras tradicionais. No entanto, a pesca passa por uma crise: 34% dos estoques pesqueiros mundiais estão sobrepescados, ou seja, explorados além da capacidade natural de reprodução das espécies. Além disso, outros 60% estão sendo explorados no limite máximo de produção. Restam, portanto, apenas 6% de estoques com capacidade de suportar o aumento das capturas de forma sustentável. Entre os motivos para essa situação crítica, podemos citar as pescarias ilegais, não reportadas e não regulamentadas, bem como a captura incidental, conhecida como bycatch.

Para ilustrar, existem frotas inteiras destinadas à captura de tubarões e raias, sobretudo por conta do alto valor de mercado de seus subprodutos, como as barbatanas. Mas muitas vezes essa captura é feita de forma ilegal, não contabilizada por fontes oficiais, enfraquecendo as medidas de gestão que precisam ser tomadas com base em dados. O resultado disso pode ser observado na diminuição de 71% na abundância das espécies oceânicas deste grupo ao longo dos últimos 50 anos.

Não por acaso a produção aquícola mundial cresceu 527% desde 1990, reflexo da alta demanda por pescados e da precariedade dos estoques pesqueiros globais. Embora seja apontada como uma alternativa à pesca extrativa, esta atividade também pode causar grandes impactos nas populações selvagens: para alimentar as espécies cultivadas, pode-se utilizar rações preparadas com peixes capturados pela pesca extrativa, contribuindo para a sobrepesca. Além disso, os animais cultivados podem servir de vetores de doenças para as populações selvagens, e suas fezes e resto de ração podem contaminar o ambiente no entorno.

 

Ideias para reverter a degradação

Para assegurar a produtividade pesqueira em longo prazo, assim como a continuidade de serviços ecossistêmicos, há que se colocar em prática medidas para reduzir os impactos no oceano. A utilização de dispositivos de redução de capturas incidentais funciona para restringir a captura de espécies não-alvo de uma pescaria. Por exemplo, a implementação de uma grade na rede de arrasto reduz a captura de espécies como tartarugas, sem afetar a captura das espécies-alvo, como o camarão.

Outra possibilidade é trabalharmos para reduzir as perdas ao longo da cadeia produtiva. Segundo a FAO, entre 30% e 35% do volume total de pescado é perdido ou desperdiçado em algum ponto da produção, processamento, transporte, comercialização ou consumo. No Brasil, um exemplo de sucesso, que reduziu esse problema foi o uso de basquetas na pesca do caranguejo-uçá: recipientes adaptados para transportar o caranguejo, reduziram de 50% para 1,8% a perda do produto. Consequentemente, isso pode levar a uma redução do esforço de pesca sobre os estoques e maior produtividade e renda para pescadores.

Há ainda outras formas de aprimorar a gestão pesqueira e o status do oceano. O monitoramento de pescarias através de aplicativos ou câmeras aumenta a disponibilidade de dados e permite a tomada de decisões mais acertadas. Implementar e fortalecer a gestão de áreas protegidas, sobretudo em áreas de importância para as espécies, também pode trazer ótimos resultados para os estoques. O fato é que para cada dólar investido na conservação do oceano, estima-se um retorno de até cinco vezes este valor em benefícios.

Embora essas medidas devam ser adotadas, sobretudo, pelo governo e setor produtivo, a sociedade pode (e deve!) usar da sua influência para tornar esta cadeia mais sustentável. Como consumidores, devemos estar sempre atentos aos produtos que escolhemos: evitar consumir espécies ameaçadas de extinção, dar preferência para produtos locais da pesca artesanal, além de buscar informações sobre a procedência do pescado, ou até mesmo priorizar produtos com selos de certificação, que incentivam a sustentabilidade da produção. Essas mudanças nos nossos hábitos passam uma mensagem poderosa, que pode influenciar a cadeia, tornando-a mais sustentável.

Caio Faro, Vinicius Nora, Virginia Antonioli
WWF-Brasil

* A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a
Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo.

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