No encerramento deste ano, dose dupla de Cultura Oceânica: falamos sobre economia do mar e relembramosoutros temas abordados pela coluna

CRÉDITO: IMAGEM CORTESIA DE BRITISH ANTARCTIC SURVEY

No planeta chamado Terra, 71% é água. Vale lembrar que a maior parte desse percentual é de água salgada. O Brasil é colossal tanto em água doce (12% do planeta), quanto em água salgada (é o quinto maior litoral do mundo).
O desconhecido oceano é a última fronteira a ser explorada no planeta – ou seja, na Terra resta descobrir o mar. E no mar muitas atividades acontecem: turismo, extração de petróleo e gás do subsolo oceânico, geração de energia das ondas, transporte marítimo, construção e reparação naval, pesca, defesa e segurança, comunicação por cabos submarinos e muito mais. Porém, para desfrutarmos da imensidão de possibilidades proporcionadas pelo mar, muitos setores econômicos estão envolvidos e por isso é necessário uma articulação eficiente. É a economia do mar acontecendo!
A economia do mar é a quantificação dos usos ofertados pelo mar. Ou seja, os usos que fazemos do turismo, da energia, do transporte marítimo, da construção naval, da pesca, e das muitas outras atividades tradicionais ou emergentes, direta ou indiretamente relacionadas ao mar. Independentemente de morarmos perto ou longe do mar, ao consumirmos, usufruirmos e apreciarmos quaisquer recursos que o mar ofereça, somos a engrenagem que move essa economia.
No conjunto das atividades econômicas relacionadas ao mar, concentram-se 19% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, sendo que destes, 3% são referentes às atividades diretamente relacionadas ao mar. Nossa economia do mar se equipara ao robusto setor agrícola, gerando mais riquezas do que outros países ao redor do mundo. Somente no ano de 2015, a economia do mar empregou mais de 19 milhões de pessoas e gerou quase R$500 bilhões em salários no Brasil. Muitos brasileiros têm nos recursos do mar sua fonte de sobrevivência.
As atividades oceânicas devem conservar a vida humana, a vida animal, as florestas – em síntese, o oceano. Conservar é usufruir com cuidado, com proteção, com sustentabilidade os recursos obtidos da natureza. A bússola do desenvolvimento econômico e social deve sempre apontar para a preservação, para a sustentabilidade.
Com o propósito que as atividades no oceano representem igualmente desenvolvimento e sustentabilidade – sejam elas as atividades tradicionais, como pesca e transporte; sejam as emergentes como biotecnologia e energias renováveis – diferentes meios devem ser considerados. Existem ações e agentes poderosos que podem atuar na busca da harmonia entre desenvolvimento e preservação. Na prática, a sociedade e a ciência estão em constante evolução e dois modelos são amplamente discutidos neste âmbito: a economia circular e o mercado financeiro.
Vamos por partes… A geração de riqueza fruto das atividades oceânicas sustentáveis encontra na economia circular uma grande aliada. Essa prática econômica reconsidera a relação do ser humano com o consumo e com os rejeitos desse consumo. Do desmonte de um navio, utilizando-se de boas práticas, podem ser obtidas lâminas de barbear e aço para a indústria automobilística. Da rede de pesca desgastada surgem móveis e utensílios domésticos, esportivos e recreativos. A economia circular abre um universo azul de possibilidades para empreendimentos familiares, startups, cooperativas, indústrias e comércios.
Mais uma boa nova é a oportunidade de transformação do mercado financeiro e dos modelos de negócios, localizando, incentivando e reformulando investimentos e financiamentos no oceano. Títulos de troca de dívida pública, novas modalidades de seguros, criação de “taxas azuis”, são alguns exemplos que podem ser adotados pelos países. Portanto, governos, investidores, bancos e seguradoras têm muito espaço para promover a preservação no e do mar em longo prazo. Embora as medidas exijam esforços e atuação de agentes heterogêneos que possuem regras e estruturas rígidas, o que acarreta grande complexidade, são passíveis de adoção.
Na pulsante relação terra-mar desenrolam-se muitas atividades, grandes números, abundantes cifras, mas acima de tudo muita vida. E uma economia sustentável do mar proporciona geração de emprego e renda com equilíbrio entre os recursos naturais, seres humanos e as atividades econômicas.

Andrea Bento Carvalho
Universidade Federal do Rio Grande

*A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo.

DÉCADA DO OCEANO, RETROSPECTIVA 2021

CRÉDITO: FOTO ESA

2021 foi o primeiro ano da Década do Oceano. Foi também o ano em que lançamos a coluna Cultura Oceânica, que, até aqui, apresentou os fundamentos que devem nos acompanhar nessa jornada recém-iniciada pela saúde dos mares. Com este texto, pretendemos relembrar os pontos principais já abordados.
Para começar, destacamos os desafios que envolvem a árdua missão de trazer sustentabilidade para o oceano. Apresentamos os adjetivos importantes que ele precisa envolver: um oceano limpo, saudável, produtivo, previsível, seguro, transparente, inspirador e envolvente. Foi assim que as Nações Unidas definiram o que seria um futuro ideal para este ambiente.
Os textos seguintes discutiram os diferentes processos físico-químicos que envolvem o oceano e como as ações do ser humano causam impactos de maneiras diferentes. A poluição marinha é um desses problemas que acabam afetando a composição das águas e, portanto, interferindo nos parâmetros do mar. No caso da poluição, a origem do problema está em terra, e, para resolvê-lo, precisamos rever nosso comportamento globalmente.
Vimos ainda que um tipo específico de poluição afeta enormemente os processos físico-químicos: a queima de combustíveis fósseis. A quantidade de gases resultantes desta queima está se tornando tão alta que provoca um aumento na absorção de partículas pelas águas do oceano. Por conta de mais gás carbônico dissolvido, a água começa a se tornar mais ácida, o que provoca a acidificação do oceano. Neste processo, muitos organismos são prejudicados, principalmente os moluscos e corais, que começam a encontrar dificuldade para produzir suas conchas e esqueleto calcário, respectivamente. Entendemos então como mudanças em nível molecular podem afetar todo o equilíbrio de um ecossistema.
Outro assunto abordado foi o papel que o oceano tem na função de alimentar o planeta. Falamos que qualquer grande desequilíbrio maior envolvendo as populações de peixes e outros organismos marinhos considerados frutos do mar pode acarretar em fome e miséria para uma imensa quantidade de pessoas. Além disso, percebemos que o futuro da população mundial se tratando de produção de alimentos vai passar cada vez mais pelo oceano.
Em seguida vimos como o clima da Terra é influenciado pelo oceano, que afinal compõem a maior parte do planeta. E da influência do clima passamos a falar sobre eventos climáticos extremos e como isso pode oferecer um perigo crescente às populações. Vimos como é importante estudar o clima, conhecendo as variáveis que o afetam. Este conhecimento detalhado só é conseguido através de uma forte integração e trabalho cuidadoso de observação e coleta de dados sobre o oceano. Dependemos de uma cooperação científica para ter sucesso nesta questão.
Foi oportuno falar também da importância das pesquisas com o oceano para reforçar o quanto este ainda é um ambiente extremamente inexplorado. Enquanto a humanidade já mapeou com sucesso toda a superfície de Marte e da Lua, ainda não temos as informações detalhadas sobre o fundo do mar. Cientes de que a informação sobre o desconhecimento do fundo do mar causa estranhamento, percebemos o quanto precisamos comunicar isso para a sociedade.
O oceano historicamente causa diferentes emoções e faz criar distintas relações entre ele e o ser humano. É por isso que precisamos reforçar a campanha do “oceano e você”, na qual devemos discutir as reais grandezas e fenômenos que envolvem esse ambiente, para assim criar uma percepção mais pautada no real. Sabemos que o oceano é imenso e que, lamentavelmente, os impactos das ações humanas já o atingem de diversas formas. Por outro lado, não podemos criar a ideia de que as soluções para os problemas atuais são inalcançáveis. Nosso lema sempre será a integração e a otimização de esforços positivos na direção de um futuro melhor para nosso oceano e planeta. E que venha mais uma ano desta década tão especial!

Monique Rached, Tássia Biazon e Alexander Turra
Instituto Oceanográfico
Universidade de São Paulo

*A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo.

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